Apaixonada pelo estudo da Psicologia, Nathália Reina debate de forma didática sobre como lidar com os pensamentos negativos gerados por distorções cognitivas.
Muitos de nós distorcemos os nossos pensamentos, agravando alguma situação, interpretando situações de forma equivocada. Distorcer a realidade pode gerar muito sofrimento e até possível agravamento ou desenvolvimento de transtornos mentais.
A Terapia Cognitivo-Comportamental trabalha o processo de desliteralização dos pensamentos, no qual podemos enxergar pensamentos como eventos mentais, que não necessariamente traduzem fielmente a realidade vivida e observada. Como enfrentar os pensamentos negativos e reestruturá-los? Ela traz esses e outros assuntos em um novo canal do You Tube.
Nathália Reina é advogada e estudante de Psicologia do sétimo período da PUC-Rio. Em uma transição de carreira, cursa a formação de instrutores de Mindfulness da Escola de Psiquiatria da USP e criou o canal do Youtube “Psicologia Didática por Nathália Reina”, onde produz, edita e publica um vídeo psicoeducativo semanalmente.
Nessa entrevista, Nathália Reina aborda como é importante identificar que as distorções cognitivas são interpretações distorcidas da nossa mente e como isso pode prejudicar a nossa saúde mental. “Afinal distorcer a realidade não é uma atitude mentalmente saudável, seja na direção que for”.
1. O que são distorções ou erros cognitivos? Pode nos dar um exemplo?
Nathalia Reina- Judith Beck conceitua as distorções cognitivas como erros no pensamento. Um exemplo bastante corriqueiro de distorção cognitiva é o da catastrofização. Trata-se de uma distorção na qual o indivíduo faz previsões negativas, desconsiderando a riqueza de outros possíveis desfechos futuros, que poderiam ser, inclusive, positivos.
É importante elucidar que as distorções cognitivas, embora sejam comumente associadas a erros de teor negativo nos pensamentos, também se mostram presentes em interpretações distorcidas de teor positivo das situações. Um exemplo seria o de uma pessoa que distorce o pensamento sobre a gravidade da pandemia, interpretando-a como menos danosa ao ser humano. Esse pensamento distorcido pode levar a um comportamento de risco a si e aos outros. Da mesma forma, uma distorção cognitiva de catastrofização pode levar a pessoa a imaginar os piores cenários possíveis na hipótese de ser contaminada pelo coronavírus, o que pode ensejar forte sofrimento e possível agravamento ou desenvolvimento de transtornos mentais.
Sendo assim, podemos perceber que o terreno das distorções cognitivas é extremamente fértil, sendo necessário, portanto, o cuidado não apenas com os pensamentos distorcidos negativos, mas também com os erros cognitivos que operam na direção oposta, afinal distorcer a realidade não é uma atitude mentalmente saudável, seja na direção que for.
2.Interpretações equivocadas geradas de distorções cognitivas são fonte de sofrimento para muitas pessoas. Como corrigir isso?
Nathalia Reina – Corrigir é um termo que merece atenção porque pode passar a ideia de que é possível nos livrarmos totalmente das distorções cognitivas, o que é inalcançável, tendo em vista que erros fazem parte de ser humano, o que inclui os erros cognitivos. Entretanto, podemos diminuir o impacto desses erros na nossa saúde mental e inclusive, a frequência com a qual eles surgem.
O primeiro passo de qualquer trabalho em relação aos pensamentos é o de abrir espaço para a observação desses. Na Terapia Cognitivo-Comportamental, trabalha-se com a ideia de desfusão cognitiva, que, por sua vez, encaminha o indivíduo a um processo de desliteralização dos pensamentos, no qual se torna possível enxergar pensamentos como eventos mentais que não necessariamente traduzem fielmente a realidade vivida e observada. Uma metáfora regularmente utilizada para ilustrar esses “eventos mentais” que “passam” na mente são as nuvens que passam no céu.
Há pensamentos que surgem, assim como nuvens, o que não significa que precisemos retê-los ou nos empenharmos arduamente em expulsá-los. A ideia não é a de lutar contra as distorções cognitivas, ou quaisquer outros pensamentos, sejam eles distorcidos ou não, mas a de compreender e aceitar que pensar é uma capacidade humana sujeita a falhas e limitações. A partir desse entendimento e aceitação, os pensamentos podem ser objeto de trabalho sem que o indivíduo se sinta pessoalmente ofendido, afinal, somos muito além do que pensamos.
A Terapia Cognitivo-Comportamental tem como base o trabalho de reestruturação das distorções cognitivas. Uma das ferramentas de reestruturar pensamentos é a de analisar tanto as evidências que apoiam um determinado conteúdo mental quanto as evidências contrárias. A título de exemplo, no consultório, uma pessoa pode afirmar que é importante para ninguém, e por meio do trabalho psicoterapêutico, chegar à conclusão de que estava equivocada.
3.Vivemos uma era do “Tribunal da Internet”, na qual processos de polarização e rotulação estimulam a cultura do ódio. Como a Psicoterapia pode ajudar a uma maior consciência social sobre o tema?
Nathalia Reina – É fundamental que a Psicoterapia leve em consideração não apenas questões individuais, mas o contexto no qual as pessoas estão inseridas. Partindo desse ponto, a Psicoterapia apresenta ao sujeito novas possibilidades de interpretação das situações, de modo a tornar visível as suas nuances, o que é essencial na despolarização das concepções. Uma vez ciente da complexidade humana, que vai além das dicotomias conceituais, o indivíduo se torna menos propenso a aderir às rotulações que tanto segregam e dificultam a harmonia social.
Isso porque as distorções cognitivas da polarização e da rotulação acabam se relacionando. Quando a mente é treinada a observar e aceitar a própria limitação da sua capacidade de compreender tudo e todos, abre-se espaço para as diversas tonalidades que abrigam o caminho entre as polaridades. Abre-se caminho para o desenvolvimento de mentes e relações sociais mais saudáveis.
4.É possível treinar a mente para evitarmos os pensamentos automáticos disfuncionais?
Nathalia Reina – Os resultados das pesquisas científicas têm nos mostrado que o caminho da evitação apenas aumenta o sofrimento das pessoas, levando-as, inclusive, a manter e fortalecer determinados sintomas (Beck et al. 2010). Portanto, a busca não é por evitar os pensamentos automáticos disfuncionais, mas pela aceitação da própria condição humana, de sujeitos que têm milhares pensamentos por dia (Tseng e Poppenk, 2020) e que não têm capacidade para controlar o conteúdo de tudo que vem à mente.
A Terapia Cognitivo-Comportamental trabalha os pensamentos automáticos disfuncionais não apenas de forma pontual, mas também por meio do caminho desses pensamentos às crenças subjacentes e nucleares (centrais) do sujeito. As crenças subjacentes são regras e pressupostos. À título de exemplo, uma crença subjacente disfuncional poderia ser “Se eu errar, sou fracassado”. As crenças nucleares, por sua vez, são as crenças mais rígidas que as pessoas têm sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. Uma crença nuclear disfuncional poderia ser “Sou um fracasso”.
É nítido perceber que o pensamento disfuncional “Fulano me achou um fracassado depois da minha palestra” (distorção cognitiva denominada “leitura mental”) se relaciona com os respectivos exemplos de crenças. No setting terapêutico cognitivo-comportamental, é possível não apenas reestruturar pensamentos automáticos, mas também crenças subjacentes e crenças centrais.
5. No que consiste a maximização e minimização? Temos a tendência de minimizar os próprios acertos e maximizar os próprios erros?
Nathalia Reina – A maximização consiste em uma interpretação exagerada de uma pessoa, atributo ou situação, enquanto a minimização se trata do oposto. Há estudos que mostram que temos a tendência de nos enxergarmos como sujeitos que erram menos do que os outros. Como diz a linguagem popular “passamos pano” para os nossos erros, enquanto tendemos a apontar o dedo com mais veemência para os erros alheios. Kristin Neff, em seu livro “Autocompaixão” menciona o “efeito Lake Wobegon” como termo utilizado por determinados psicólogos para descrever a tendência que temos de nos pensar superiores aos outros em relação a diversas características socialmente desejáveis. Há diversas pesquisas que mostram essa tendência (Alicke et al. 2001).
Entretanto, é preciso sublinhar que tendências mudam a depender do grupo ao qual estamos nos referindo. À título de exemplo, sujeitos deprimidos demonstram dificuldade em assimilar as informações positivas, o que inclui os próprios acertos. É comum que sujeitos deprimidos associem seus sucessos ao acaso, por exemplo. Também demonstram maximização dos próprios pontos fracos, sendo comum que associem resultados negativos dos eventos a características próprias (Beck, 2013), ainda que a situação tenha diversas variáveis e que as próprias características desafiadoras não tenham contribuído para desfecho desfavorável. Um exemplo é a pessoa pensar que um amigo negou o seu convite para sair porque não gosta da sua companhia, por mais que haja outras razões mais prováveis para o convite ter sido recusado.
6. A TCC tem oferecido técnicas mais modernas para mudar as nossas crenças e os pensamentos distorcidos? O que tem sido mais eficaz de uma forma geral?
Nathalia Reina – Após o surgimento da TCC, novas abordagens relacionadas a ela passaram a emergir, originando a terceira onda. A partir daí, as pesquisas começaram a demonstrar resultados benéficos não só na aplicação da TCC originária da segunda onda, como nas vertentes de terceira onda, sendo, inclusive, algumas dessas abordagens mais novas consideradas tratamentos de primeira linha para determinados transtornos, como é o caso da DBT para Transtorno de Personalidade Borderline (APA Division 12). Entretanto, a história das terapias cognitivas não ficou parada aí.
Steven Hayes e Stefan Hoffmann lançaram o livro “Terapia Cognitivo-Comportamental baseada em Processos”, que consagra atualmente a visão mais rica de trabalho da TCC, qual seja, a de integrar o que é mais eficaz, segundo as evidências científicas, das terapias cognitivas em termos de seus processos centrais, abarcando as perspectivas comportamentais, cognitivas, de aceitação e Mindfulness (Hayes e Hoffmann, 2020).
Não se trata mais apenas de protocolos de tratamento direcionados a um sistema diagnóstico rigidamente definido. O futuro das terapias cognitivas caminha na direção da maior integração do saber científico em prol da saúde mental, o que acaba por causar transformações funcionais no nosso existir no mundo.
Para mais informações sobre as principais distorções cognitivas, tais como catastrofização, generalização, leitura mental, raciocínio emocional, dentre outras, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=onZ6szMbsVs&t=1s