Em um contexto social fortemente marcado pela cultura da imagem e pela pressão das redes sociais, especialmente entre os jovens, compreender as nuances dessas questões é de suma importância. Por meio de perspectivas complementares, a psicanalista e psicóloga Renata Bento e o cirurgião plástico Eduardo Sucupira oferecem, nesta entrevista, insights valiosos sobre como equilibrar a busca por bem-estar com a aceitação pessoal e como a cirurgia plástica pode ser utilizada de forma consciente e saudável.
Ambos abordam questões cruciais, como a influência da percepção da aparência na autoestima e na saúde mental, os riscos da busca incessante pela estética perfeita e a delicada linha que separa o desejo de aprimoramento pessoal de uma obsessão prejudicial. Esta conversa esclarecedora certamente enriquecerá a compreensão sobre a complexa interação entre corpo, mente e qualidade de vida na sociedade contemporânea.
Sobre os entrevistados
Com vasta experiência clínica, Renata é membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ) e da International Psychoanalytical Association (IPA), Reino Unido, além de integrar a Federação Psicoanalítica de América Latina (Fepal). Ela traz uma perspectiva sobre as raízes psicológicas que moldam a relação das pessoas com a aparência. Sua especialização em psicologia clínica com crianças, sua atuação como perita e assistente técnica em processos judiciais, juntamente com sua expertise em família, adultos e adolescentes, dão base para a análise que faz sobre como a percepção da própria imagem impacta a autoestima e o equilíbrio emocional.
Por sua vez, Eduardo é doutor e mestre pelo Programa de Cirurgia Translacional da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), além de integrar importantes associações internacionais como a International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS) e a American Society for Aesthetic Plastic Surgery (ASAPS). Tem profundo conhecimento sobre as motivações e os impactos da busca por melhorias estéticas. Ele analisa de forma crítica o papel da cirurgia plástica no bem-estar e no processo de envelhecimento saudável.
Como a percepção da própria aparência afeta a autoestima e a saúde mental?
Renata Bento – A percepção da própria aparência tem um impacto significativo na autoestima e na saúde mental de uma pessoa. A maneira como uma pessoa vê a si mesma fisicamente pode influenciar profundamente como ela se sente em relação ao seu valor pessoal e ao seu bem-estar emocional, principalmente se há uma distorção.
A constante preocupação com a aparência e o desejo de atender aos padrões estéticos podem aumentar os níveis de ansiedade. Pessoas que se sentem desconfortáveis com sua aparência podem se tornar mais propensas a experimentarem sintomas diversos, como tristeza, desmotivação e sentimentos de inadequação. O que pode sugerir uma depressão de base, algo que já estava ali anteriormente e que se pronuncia por meio desses sintomas.
Em um mundo cada vez mais influenciado pelas redes sociais, em que, muitas vezes, as imagens são idealizadas e modificadas, a comparação constante com os outros pode distorcer a percepção da própria aparência. Isso pode resultar em uma sensação de não corresponder às expectativas sociais, alimentando a insatisfação com a própria imagem.
Por outro lado, desenvolver uma visão mais positiva e realista sobre a aparência pode levar a uma melhoria significativa na autoestima. A prática de aceitação corporal e a valorização das qualidades pessoais além da aparência física são essenciais para manter uma boa saúde mental. Em resumo, a forma como uma pessoa percebe sua aparência tem um efeito direto sobre como ela se sente consigo mesma e sobre sua saúde mental.
A busca pela estética perfeita pode gerar transtornos emocionais?
RB – Quando as pessoas se tornam excessivamente focadas em alcançar uma aparência considerada “perfeita”, elas podem experimentar sentimentos de inadequação, ansiedade, insatisfação constante. Há que se investigar algo anterior a esse desejo de perfeição. Uma vez que a perfeição não existe, essa busca pode se tornar incessante. Que insatisfação seria essa que a aparência está sendo um sintoma? A insatisfação com a própria aparência, mesmo que dentro de padrões considerados “normais”, pode sugerir distúrbios de imagem corporal, como a dismorfia corporal, em que a pessoa tem uma percepção distorcida de seu corpo, exagerando imperfeições que podem não ser visíveis ou que são mínimas. Cuidar de si mesmo, da beleza, com equilíbrio é algo bom, mas, quando vira uma obsessão, estamos indo para outra esfera. É algo mais profundo.
A busca incessante pela estética perfeita sugere que algo já não está bem dentro da pessoa. E pensar sobre isso pode ser mais complicado para a pessoa do que se submeter a constantes procedimentos. E, sim, pode gerar outros transtornos emocionais secundários ao criar uma pressão constante para atender a padrões muitas vezes inalcançáveis. É essencial cultivar uma visão saudável da própria imagem e focar na aceitação de si mesmo para preservar a saúde emocional. O papel do cirurgião é fundamental para se observar o conflito e verificar até onde é possível alcançar o equilíbrio.
Como equilibrar desejo de mudança estética e aceitação pessoal?
RB – A chave para esse equilíbrio está em entender as próprias motivações e perceber que o desejo de mudar a aparência pode ser uma escolha saudável quando feita por uma razão que não esteja ligada a inseguranças profundas. O primeiro passo são o autoconhecimento e a autoaceitação. Refletir sobre o motivo pelo qual se deseja mudar algo na aparência ajuda a garantir que a mudança seja feita por vontade própria e não para atender a demasiadas expectativas internas e externas. A busca por mudanças estéticas deve ser voltada para o bem-estar geral, não apenas para a aparência.
Além disso, é importante evitar comparações com os outros, principalmente com os padrões impostos pela mídia ou pelas redes sociais, que muitas vezes são irreais. Cada pessoa é única, e a aceitação verdadeira vem de dentro. Para alcançar esse equilíbrio, também é necessário estabelecer metas realistas e alcançáveis, respeitando o corpo e seus limites. Mudanças graduais têm mais chances de serem bem-sucedidas e sustentáveis.
Equilibrar o desejo de mudança estética com a aceitação pessoal exige autoconhecimento, cuidados com o bem-estar, evitando comparações e estabelecendo metas realistas. Quando esses aspectos são considerados, é possível buscar mudanças de forma saudável e, ao mesmo tempo, abraçar quem somos.
Qual a linha entre querer melhorar a aparência por bem-estar e desenvolver uma obsessão pela estética?
RB – Melhorar a aparência por bem-estar envolve tomar decisões conscientes para cuidar de si mesmo, como adotar hábitos saudáveis, praticar exercícios, manter uma alimentação equilibrada e cuidar da saúde mental, sem que isso comprometa o equilíbrio emocional. Quando a pessoa busca a mudança estética para se sentir melhor, mas com uma atitude saudável e realista, sem se pressionar para atender a padrões irreais, isso está dentro de uma abordagem positiva e equilibrada.
A obsessão pela estética geralmente é motivada por inseguranças profundas ou pela tentativa de atender a padrões idealizados pela sociedade e pode levar a comportamentos prejudiciais, como dietas extremas, procedimentos invasivos frequentes ou uma constante comparação com os outros. A pessoa começa a priorizar a aparência em detrimento do bem-estar emocional, físico e até social, o que pode desencadear distúrbios alimentares, ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos, que possivelmente já existiam, mas que foram intensificados.
Há algo no comportamento atual dos jovens que influencia esse fenômeno?
RB – A presença massiva nas redes sociais tem um impacto significativo na forma como os jovens percebem sua aparência. As plataformas muitas vezes exibem padrões de beleza idealizados e modificados, promovendo uma versão “perfeita” de corpos e rostos que muitas vezes não reflete a realidade. Isso gera uma pressão constante para se encaixar nesses padrões, criando uma comparação constante com os outros e aumentando a insatisfação com a própria aparência. Principalmente porque os jovens ainda estão buscando sua própria identidade.
Além disso, muitos jovens seguem influenciadores e celebridades que promovem um estilo de vida baseado em padrões estéticos específicos e muitas vezes irreais e falsos. Esses modelos de beleza, frequentemente filtrados ou até alterados digitalmente, podem criar uma falsa ideia de que esses padrões são os únicos aceitáveis, fazendo com que os jovens sintam a necessidade de modificar sua aparência para se sentirem aceitos ou valorizados. A aceitação é algo que é construído desde os primórdios, na relação com a família e consigo mesmo.
O comportamento atual dos jovens muitas vezes está fortemente ligado à busca por validação por meio da aparência, especialmente on-line. Curtidas, comentários e seguidores tornam-se formas de medir o valor pessoal, gerando ansiedade em relação à aparência física. A necessidade de aprovação social se traduz em um desejo constante de atingir um padrão estético considerado “perfeito”, o que pode levar a comportamentos obsessivos e prejudiciais.
O comportamento atual dos jovens é influenciado por uma combinação de redes sociais, pressão externa, busca por aprovação e ideais estéticos frequentemente irreais, o que pode tornar a busca pela estética perfeita uma obsessão, impactando a autoestima e a saúde mental de muitos jovens. É preciso cuidar da saúde mental para se buscar equilíbrio entre corpo e mente.
Quando a cirurgia plástica é uma ferramenta de bem-estar, qual a medida correta?
Eduardo Sucupira – A cirurgia plástica é uma ferramenta poderosa de bem-estar quando é bem fundamentada nas necessidades e nos desejos autênticos do paciente. A medida correta se dá quando há uma clara distinção entre a busca por melhoria estética e a tentativa de preencher lacunas emocionais.
Pesquisa da American Society of Plastic Surgeons (ASPS) de 2020 mostra que 72% dos pacientes relatam uma melhora significativa em sua autoestima após procedimentos. Contudo, é essencial que o paciente examine suas motivações e procure orientação psicológica, se necessário, para garantir que a escolha seja uma expressão de autocuidado e não uma reação a pressões sociais ou inseguranças externas.
Percebe-se um aumento na procura por cirurgias plásticas nos últimos anos? O que tem motivado essa alta demanda?
ES – Com certeza! A demanda por cirurgias plásticas cresceu de forma contínua, com dados da ASPS mostrando um aumento de 50% nas cirurgias estéticas feitas nos últimos cinco anos. Fatores como a popularização das redes sociais e a crescente exposição de padrões de beleza idealizados vêm impulsionando essa tendência. Além disso, a pandemia da covid-19 acelerou essa procura, com muitos aproveitando o tempo em casa para considerar melhorias pessoais. O que temos observado é um fenômeno em que a estética e o bem-estar estão profundamente entrelaçados, levando muitos a investirem em procedimentos que antes poderiam hesitar em buscar.
Há algo no comportamento atual dos jovens que influencia esse fenômeno?
ES – Sim, o comportamento dos jovens hoje é radicalmente moldado pela cultura da imagem e pela pressão das redes sociais. Um estudo feito pelo Pew Research Center em 2021 indica que 45% dos adolescentes sentem a pressão de estarem sempre “prontos para serem vistos” on-line. Essa necessidade de se encaixar em padrões muitas vezes irreais pode levar os jovens a procurarem cirurgias plásticas como uma solução. Além disso, de 2018 a 2021, observou-se um aumento de 30% nas buscas por procedimentos estéticos na faixa etária de 18 a 24 anos, sinalizando que eles estão mais abertos a considerarem intervenções para melhorar sua aparência.
Como identificar quando um paciente deseja um procedimento por uma necessidade real ou por uma pressão social ou emocional?
ES – Identificar a motivação do paciente é crucial. A pesquisa da ASPS aponta que 83% dos cirurgiões plásticos entrevistados discutem os motivos emocionais com seus pacientes antes de um procedimento. Um cirurgião deve observar se o desejo do paciente por cirurgia está enraizado em insatisfações profundas ou se é uma resposta a influências externas.
Ferramentas de triagem psicológica, como entrevistas detalhadas e questionários, podem ser úteis para distinguir entre o desejo legítimo e o impulso momentâneo. A integração de apoio psicológico pode oferecer uma visão necessária sobre a saúde mental do paciente, garantindo decisões mais informadas e saudáveis.
Como a cirurgia plástica pode ser uma aliada no processo de envelhecimento saudável?
ES – A cirurgia plástica pode ser uma aliada significativa no envelhecimento saudável, não apenas melhorando a aparência, mas também contribuindo para a qualidade de vida. Estudos indicam que 61% dos pacientes que passaram por procedimentos de rejuvenescimento relatam um aumento na felicidade geral e na satisfação com a vida.
Intervenções como lifting facial e blefaroplastia podem reduzir sinais de envelhecimento e proporcionar uma aparência mais vibrante. Importante ressaltar que, ao enfatizar a naturalidade nos resultados, os pacientes podem continuar a se sentir como eles mesmos, preservando sua identidade enquanto celebram a saúde e a vitalidade em cada fase da vida.
Quais são os procedimentos mais procurados por pacientes que desejam manter uma aparência jovem sem exageros?
ES – Os procedimentos mais procurados são tipicamente aqueles que oferecem resultados discretos e naturais. De acordo com a ASPS, entre os procedimentos minimamente invasivos, o botox e os preenchedores dérmicos estão no topo da lista, com um aumento de 20% na demanda nos últimos dois anos. Esses tratamentos permitem que os pacientes suavizem rugas e linhas de expressão sem mudanças drásticas.
Além disso, técnicas como liftings mínimos, tratamentos a laser para rejuvenescimento da pele e uso da gordura para revitalização e reposição de tecidos ganharam imensa popularidade. O objetivo central aqui é realçar as características da própria beleza essenciais e originais de cada indivíduo.
Cada intervenção tem o potencial de convidar à reflexão sobre o envelhecimento: em vez de temê-lo, podemos abordá-lo como uma celebração de histórias vividas. Harmonizar a estética com a essência permite que a individualidade esteja presente em cada fase da vida.