O estudo, publicado na Nature Communications, foi realizado no âmbito do Structural Genomics Consortium (SGC), que tem como parceiro no Brasil o Centro de Química Medicinal da Universidade Estadual de Campinas (CQMED-Unicamp), apoiado pela FAPESP.
A pesquisa mostra como as moléculas atuam especificamente sobre as células-tronco tumorais, que têm relação importante com a resistência aos tratamentos. Segundo os pesquisadores, poucos compostos são capazes de atuar sobre esse tipo de célula, que existe em pequenas quantidades nos tumores.
“As duas moléculas agem sobre uma mesma proteína, mas possuem diferentes mecanismos de ação sobre o tumor. Uma vez que é uma doença com poucas opções de tratamento, é preciso trabalhar com a possibilidade de uma terapia combinada, que atacaria o tumor em diferentes frentes. Nosso trabalho aumenta a compreensão do mecanismo de ação dessas moléculas”, explica Katlin Brauer Massirer, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG-Unicamp) apoiada pela FAPESP e uma das coordenadoras do estudo.
Os compostos – chamados GSK591 e LLY-283 – inibem a proteína PRMT5, que atua na replicação das células-tronco tumorais. Desse modo, conseguem impedir a progressão do tumor.
“Em condições normais, essa proteína [PRMT5] é muito importante para um processo de controle celular que chamamos de splicing do RNA [processamento do RNA mensageiro para a produção de proteínas]. No glioblastoma, porém, o excesso dessa molécula desregula esse processo e favorece o crescimento do tumor. O que esses inibidores fazem é a ligação física na proteína PRMT5, impedindo que ela atue de maneira desregulada”, explica Felipe Ciamponi, coautor brasileiro do trabalho, realizado durante seu mestrado no CBMEG-Unicamp, onde atualmente faz doutorado.
Células tumorais
Por meio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores brasileiros analisaram centenas de milhares de dados provenientes de células tumorais tratadas com um dos compostos. As amostras de glioblastoma usadas no experimentos foram coletadas de pacientes atendidos em três hospitais do Canadá.
“A colaboração com o grupo do CQMED foi essencial para o trabalho. Um dos principais focos do estudo da PRMT5 como alvo para fármacos era justamente a compreensão do splicing. Os pesquisadores brasileiros nos ajudaram a identificar o mecanismo celular em ação e a fazer a associação com o que observamos nas amostras de pacientes. Além disso, Ciamponi identificou uma nova assinatura num grupo de pacientes que foi capaz de predizer a resposta aos compostos”, diz à Agência FAPESP Panagiotis Prinos, pesquisador da Universidade de Toronto e um dos coordenadores do estudo.
Atuação no cérebro
Ambas as moléculas se mostraram potentes contra o tumor e não tóxicas em células saudáveis. Ensaios em camundongos com tumores derivados das células-tronco dos pacientes mostraram que a LLY-283 consegue penetrar na chamada barreira hematoencefálica, estrutura que protege o cérebro de substâncias potencialmente tóxicas. Esse é um fator essencial para que um futuro medicamento atue no cérebro.
Outra demonstração do potencial da LLY-283 foi o fato de ela ter sido administrada por via oral aos camundongos. Os animais tratados tiveram sobrevida consideravelmente maior do que os não medicados, mostrando o efeito do composto mesmo quando tomado oralmente.
Com os resultados, novos testes serão realizados para entender a importância dos eventos de splicing sob a ação das moléculas e para aperfeiçoar os compostos, de forma que possam se tornar fármacos de uso clínico um dia.
“Outros grupos também estão pesquisando moléculas que têm essa proteína como alvo. É importante dizer que conseguimos identificar compostos que são, ao mesmo tempo, potentes e seletivos ao atingirem a PRMT5 e que estes ainda serão aperfeiçoados e testados em combinação, inclusive com fármacos já existentes. Além disso, esse tumor tem subtipos que podem ser muito sensíveis ou resistentes a um ou outro fármaco. Por isso é importante termos várias opções”, afirma Massirer.
Projeto promissor
Atualmente, dois compostos semelhantes ao do estudo estão sendo testados nos Estados Unidos, em pacientes com leucemia mieloide aguda, linfoma não Hodgkin e tumores sólidos. “Compartilhamos nossos resultados com esses grupos de pesquisa e estamos interagindo com eles para que incluam tumores de cérebro nos testes”, conta Prinos.
O grupo da Unicamp planeja ainda incluir pacientes de hospitais brasileiros no projeto e atrair empresas farmacêuticas do país como parceiras.