A cultura do cancelamento vem ganhando espaço virtuoso nas redes sociais nos últimos anos. Atualmente, se tem presenciado diversos famosos e influenciadores digitais serem cancelados, ou seja, excluídos por pessoas que não concordam com o seu comportamento. É como se deixassem de existir na vida delas com o uma forma de punição.
É uma cultura de ódio, se alguém não faz algo que considero certo, tenho o direito de julgar, condenar e executar. Parece que voltamos ao velho oeste, um mundo dominado pelo gatilho da rapidez da comunicação virtual. Porém, esta forma agressiva não leva a estruturação de uma sociedade civilizada, mas a cultura dos bárbaros.
Pela ótica da Psicanálise, pode-se analisar que estamos vivendo o que Freud denominou de “Mal estar da Civilização” em que os humanos não são bons por natureza, somos seres instintuais (sexual e agressivo) que precisam ser desnaturalizados pelo afeto amorosos para tornarmos humanos. É o afeto amoroso, oriundo da desnaturalização do instinto reprodutivo que constituirá a pulsão de vida. O instinto agressivo que sua desnaturalização só pode se transformar em violência quando não bem direcionado para os fins de defesa, o que Freud chamou de Pulsão de morte. Eros e Thanatos vivem disputando espaço o tempo todo, isto faz com que o homem não seja feliz.
Quem vence no mundo pós moderno?
O desenvolvimento dos afetos depende do meio em que vivemos. Se for um meio equilibrado e amoroso, Eros pode predominar; se for um ambiente violento, vence Thanatos, – é o que está acontecendo no mundo pós moderno. O brasileiro que era um povo conhecido pela amorosidade, acolhedor, alegre, está sendo engolido pelo discurso de ódio incitada por esse fenômeno social.
Freud em outro texto memorável “Psicologia das Massas”, aborda o fato de que os humanos precisam de um líder para seguir, pois somos seres de relações. Um adulto cuida de um infante e este fica totalmente submetido a este Grande Outro, esta imagem fica internalizada, e estes protótipos infantis nos fazem buscar outras pessoas que se encaixam neles. É um processo de identificação.
Seguindo esta linha de pensamento, pode-se dizer que as pessoas agem hoje de um modo identificatório: assim são os clubes, torcidas de futebol, sociedades e, hoje, o grande campo é a internet.
A cultura da unidade no campo minado da internet
O campo virtual provoca um isolamento, não tem discussões, debates, argumentações, cada um tem a sua única visão de mundo. É a cultura da unidade, não faz mais conjunto. De um lado as pessoas ficam confortáveis, supostamente protegidas pelo anonimato e acredito que posso qualquer coisa, se empodera de um falso Self no qual ele mesmo acaba por acreditar. Por outro lado, se afastam cada vez mais das relações humanas, não aceitam o diferente, e querem se sentirem pertencentes tendo poder. Neste caso, de cancelar alguém para sentir o seu poder imaginário. Este ato reforça a sua busca de identidade nos iguais e acaba ocorrendo a manipulação de massa. Isto significa que o cancelador, com o seu poder imaginário de poder cancelar, está sendo usado por um sujeito manipulador, controlador. O cancelador pode ser um cancelado também quando ele não mais responder o que esperam dele.
Esta cultura sem ética só aponta para a fragilidade egóica do sujeito que não consegue lidar com a realidade e se colocar enquanto um sujeito que é dono do seu próprio desejo.
Não existe uma regra e uma verdade para todos, a verdade é de cada sujeito e uma sociedade e um povo se desenvolve pelas diferenças, a unidade faz com que a vida vire pó.
Termo eleito pelo comitê de linguistas
A “cultura de cancelamento” foi eleita como o termo do ano de 2019 pelo Dicionário Macquarie, um dos responsáveis por selecionar anualmente as palavras e expressões que mais moldaram o comportamento humano. É uma eleição originalmente realizada na língua inglesa, mas que reverbera para outros idiomas.
Nas palavras do Dicionário Macquarie, a cultura do cancelamento é “um termo que captura um aspecto importante do estilo de vida de determinado ano. Uma atitude tão persuasiva que ganhou seu próprio nome e se tornou, para o bem ou para o mal, uma força poderosa”. O termo é selecionado por um comitê de linguistas, especialistas e teóricos selecionados pela instituição, encabeçando uma lista de quatro que também é submetida à votação do público.
Com força julgadora principalmente nas redes sociais, o movimento da cultura do cancelamento envolve atitudes que geram ponto de vista ideológico ou comportamental direcionado a um artista, político, empresa, produto ou personalidade pública.