A terapia de aceitação e compromisso (ACT) busca ajudar as pessoas a viverem vidas que valem a pena ser vividas, construindo uma vida mais valorizada, vital e significativa. E quem melhor para passar por esse processo do que Alex (Margaret Qualley), a protagonista da série Maid, disponível na Netflix?

Segundo a ACT, todos têm o direito de viver uma vida significativa, alinhada com seus valores, independentemente das dificuldades ou dos sofrimentos que possam enfrentar ao longo do caminho. No caso de Alex, ela merece viver uma vida significativa porque, apesar do que enfrenta – como a violência doméstica, a pobreza e a perda de controle sobre seu próprio destino – demonstra um compromisso com a busca por uma vida melhor para si mesma e para sua filha.

Analisando a série por meio da terapia de aceitação e compromisso, entendemos que Alex, mesmo em meio a tanta dor, tem a capacidade de se conectar com seus valores, como o cuidado com sua filha, a busca por independência e a construção de uma vida sem abuso. A ACT nos ensina que a dor faz parte da experiência humana, mas que não precisamos ser definidos por ela. A verdadeira liberdade e o significado vêm quando alguém é capaz de agir de acordo com seus valores mesmo diante do sofrimento. Por isso, Alex foi a personagem escolhida para analisarmos essa abordagem hoje.

Apesar dos pesares

A ACT é uma abordagem psicológica que se baseia na ideia de que a forma como lidamos com nossos pensamentos, emoções e experiências difíceis pode ser mais importante do que tentar eliminar ou evitar essas dificuldades. Tem foco no aumento da flexibilidade psicológica, que é a capacidade de uma pessoa lidar com suas experiências de maneira mais aberta, flexível e eficaz em vez de ficar presa a padrões rígidos de pensamento ou comportamento.

Ou seja, é uma forma de ajudar as pessoas a lidarem com seus pensamentos e suas emoções de uma forma mais saudável. Em vez de tentar “lutar” contra esses sentimentos ou “eliminá-los”, a ACT nos ensina a aceitá-los e seguir em frente mesmo quando estamos enfrentando dificuldades.

O objetivo da ACT não é parar de sentir, mas aprender a não deixar esses pensamentos ou as emoções controlarem nossas ações ou nossa vida. Em vez disso, o foco está em agir de acordo com o que realmente importa para a pessoa mesmo ainda existindo desafios ou desconfortos. Em vez de reagir automaticamente ao que sentimos ou pensamos, a ACT nos ensina a observar nossas experiências de uma maneira mais aberta, permitindo-nos escolher como agir com base no que é importante para nós, nossos valores.

Processos principais

Essa abordagem envolve seis processos principais que ajudam a aumentar a flexibilidade psicológica:

  • Aceitação: significa permitir-se sentir emoções difíceis sem tentar evitá-las. A aceitação não é sobre gostar da dor ou do sofrimento, mas sobre permitir que esses sentimentos estejam presentes e seguir em frente com sua vida apesar da presença de sofrimento e adversidades.
  • Desfusão cognitiva: trata-se de aprender a ver os pensamentos como “transitórios” e não como uma verdade absoluta. Em vez de nos identificarmos com um pensamento negativo, podemos observá-lo e até rir dele, sem deixar que ele controle nossas ações.
  • Atenção flexível ao presente: focar no presente em vez de se perder em preocupações com o futuro ou arrependimentos do passado. É estar totalmente presente e atento ao que estamos fazendo, ajudando a reduzir a ansiedade e o estresse, promovendo contato sem julgamentos com eventos psicológicos e ambientais.
  • Valores: identificar o que realmente é importante para nós. O que queremos na vida? Os valores nos ajudam a tomar decisões que estão alinhadas com o que queremos vivenciar e que traga valor e significado a nossas vidas em vez de reagir impulsivamente às situações.
  • Ação comprometida: significa agir de acordo com nossos valores mesmo quando isso envolve desconforto ou dificuldade. Às vezes, para viver uma vida significativa, é necessário fazer coisas difíceis ou enfrentar medos.
  • Self (eu) como contexto: senso que transcende o indivíduo. Existe um “você” que está observando e experienciando seu mundo interno e externo. Por essa perspectiva, você não é seus pensamentos ou sentimentos, mas sim o contexto no qual eles se desenrolam.

Na série Maid, os processos da terapia de aceitação e compromisso estão interligados ao longo da jornada de Alex, mas dois em especial me chamaram atenção: aceitação e valores. A aceitação é um dos processos que pude observar de maneira mais clara na série. Alex enfrenta inúmeras adversidades intensas: violência doméstica, pobreza, traumas emocionais, insegurança em relação ao futuro e o medo constante de perder a custódia de sua filha. Em vez de lutar contra a dor ou tentar suprimir as emoções difíceis que surgem dessas experiências, Alex aprende a aceitar as suas emoções e o sofrimento sem se deixar definir por eles.

No começo, a personagem se encontra em um estado de resistência em que tenta controlar a situação, fugir do sofrimento e negar suas emoções. Ela tenta se proteger da dor emocional não apenas ao se afastar fisicamente do abuso, mas também ao tentar manter uma fachada de controle, o que é algo bastante comum em pessoas que estão tentando lidar com o trauma e com situações de abuso. No entanto, ao longo da série, ela percebe que evitar suas emoções ou tentar controlar tudo à sua volta não é eficaz. Em vez disso, ela começa a abraçar sua realidade e as emoções que a acompanham por mais difíceis que sejam.

A aceitação na ACT não significa resignação ou passividade, mas sim permitir que as emoções estejam presentes sem a necessidade de lutar contra elas ou deixar que elas determinem suas ações. Alex aprende a não se identificar com suas emoções negativas (como a culpa ou o medo de não ser boa o suficiente) e a lidar com essas emoções de forma mais saudável e produtiva, tomando decisões com base no que é mais importante para ela e sua filha.

Valores

Outro processo importante e amplamente explorado na série são os valores. No início, Alex está perdida, sem saber claramente o que é mais importante para ela. Focada em sobreviver, ela se sente desconectada de seus próprios desejos e objetivos. Sua vida estava sendo definida pelas circunstâncias ao seu redor – o abuso, a necessidade de dinheiro e a pressão constante para prover para sua filha.

No entanto, à medida que a série avança, Alex começa a refletir sobre o que realmente importa para ela, se dando conta de que seu maior desejo é garantir uma vida mais segura e estável para sua filha, longe da violência e da instabilidade, mas indo além: ela consegue se conectar com seus desejos (como a arte). A partir dessa reflexão, ela começa a tomar decisões que a alinham com esses valores mesmo que sejam difíceis e cheias de obstáculos. A clareza em seus valores a ajuda a buscar um futuro melhor apesar das incertezas e dos desafios que surgem em seu caminho.

A clarificação de valores na ACT envolve identificar o que é realmente importante para alguém, o que motiva suas ações, e usá-los como uma bússola para orientar o comportamento mesmo quando as dificuldades surgem, definindo quem queremos ser e o que queremos preservar. Para Alex, seu valor central é a proteção e o bem-estar de sua filha e, a partir disso, ela começa a se distanciar de seu ex-companheiro abusivo e a buscar um emprego que, embora não ideal, oferece a ela uma forma de sustentar a si mesma e à filha.

Ao evitarmos o sofrimento, não aprendemos a sentir e a lidar com situações e sentimentos difíceis e o nosso sofrimento se torna por termos medo de sofrer e não pelo acontecimento em si já que fugimos dele e não nos permitimos sentir. A ACT traz o olhar para esse sentimento. Tendo o mindfulness como aliado, é possível nos focarmos no momento presente e realmente sentir os nossos sentimentos em vez de conduzir esforços para evitá-los.

Ambiente de confiança

Ok, entendemos o que é a ACT e como ela se relaciona e pode ser vista na série. Mas como poderemos ajudar Alex (e pacientes como ela) como (futuros) psicólogos? O primeiro passo seria criar um ambiente de confiança e segurança no qual Alex se sentisse à vontade para explorar suas emoções e vulnerabilidades.

Nas sessões, você teria que ajudá-la a identificar e explorar seus sentimentos, lhe ensinando que (na ACT) o objetivo não é mudar ou eliminar esses sentimentos, mas ajudá-la a aceitar que eles fazem parte de sua experiência humana. Também podemos implementar técnicas de mindfulness para ajudá-la a estar presente com esses sentimentos, sem tentar afastá-los ou controlá-los, apenas observando seus pensamentos e suas emoções sem se identificar com eles.

Exercícios

Um dos pontos centrais da ACT é descobrir o que realmente importa para a pessoa. Para ajudarmos Alex a refletir sobre quais os seus valores podemos utilizar, é possível fazer perguntas como: em um mundo em que você pudesse escolher sobre o que seria a sua vida, o que você escolheria (retirada do livro ‘Aprendendo ACT’)? Esse exercício ajudaria Alex a estabelecer uma direção para sua vida, baseada em seus valores, em vez de se perder no medo ou no sofrimento do momento presente.

Também podemos fazer outros exercícios, tais como ‘indo ao seu próprio funeral’: quando uma pessoa morre, o que resta é o que ela representa. Pense em alguém que não está mais vivo; o que vem à mente é o que ela representa, correto? Não a casa que tinha, as dúvidas e os receios, mas sim o que ela representa (seus valores).

Esse exercício pode ser a lição de casa de seus pacientes, mas recomendo que faça consigo mesmo antes (afinal, não estamos apenas falando e atendendo com a ACT, mas vivendo). Reserve alguns minutos sozinho e em silencio, com papel e caneta, e imagine que você morreu e pode ver seu próprio funeral, sem contemplar muito o acontecimento da morte. Nosso foco será no seguinte: imagine que um amigo ou familiar irá falar algumas palavras sobre você. O que você gostaria que ele dissesse? Escreva em uma folha.

E do que você teria medo que alguém dissesse? Se você não gostou do que poderia ser dito, pense que o relato não precisa ser assim se você estiver conectado com os seus valores. Ao ler e refletir o que gostaria que dissessem, você está em contato com o que você gostaria de criar, os propósitos que gostaria de revelar aos outros, o que você gostaria de representar – os seus valores.

Dicas de livros

E aí, topam viver uma vida comprometida com os seus valores e ajudar os seus (futuros) pacientes a se comprometerem e viverem vidas que valham a pena ser vividas? Assim como Alex, que, ao abraçar seus sentimentos como passageiros, se conectou com seus valores e se comprometeu a vivê-los.

Para embarcar nessa jornada, tenho algumas dicas (além da série) de livros da Sinopsys Editora. Se você está começando os estudos na ACT, recomendo o livro Saia da sua mente e entre na sua vida. Mas se você já está um pouquinho mais avançado, o livro Aprendendo ACT é a versão para terapeutas dele. Também tem O grande livro de metáforas da ACT para auxiliar com inúmeros exercícios e reflexões.