Então é Natal, e o que você fez? Analisou muitos personagens? Viu muitos filmes? Estamos cada vez mais perto do Natal, e por que não analisar a história de um dos personagens clássicos dessa época? Não, não estou falando do Papai Noel, e sim do Grinch, uma criatura peculiar que odeia o Natal e quer impedir que os habitantes de uma pequena cidade comemorem a data. Porém, seu plano toma outro rumo quando ele conhece a pequena Cindy Lou Who.
Quem assistiu ao filme sabe que o Grinch faz de tudo para acabar com o Natal em Quemlândia, e não é surpresa que essa aversão à data tenha ligação direta com sua infância. O personagem possui uma visão e crenças extremamente negativas em relação ao Natal, pois, quando criança, sofreu bullying por ser diferente, em especial, por sua maneira de celebrar o Natal, o que tornou a data um momento de dor e exclusão. O trauma infantil é um dos principais fatores que moldam suas crenças negativas sobre essa época do ano. Isso pode ser compreendido sob a mais diversas teorias que sugerem que experiências adversas na infância podem levar a um padrão de pensamento distorcido no futuro.
Distorções cognitivas
Podemos observar algumas das crenças de Grinch ao longo do filme, mas, antes de nos aprofundarmos nelas, precisamos saber o que são crenças e como elas impactaram a vida do personagem. As crenças são ideias sobre si, sobre os outros e sobre o mundo desenvolvidas na infância e divididas em nucleares ou intermediárias. Todos temos essas crenças, e elas podem ser positivas ou negativas.
As crenças nucleares são consideradas verdades absolutas e, quando negativas, causam inúmeros impactos em nossa vida. Todos temos crenças negativas, porém indivíduos que tiveram a infância menos saudável psicologicamente, seja por violências, seja por não suprimento das necessidades básicas ou outros fatores e acontecimentos, tendem a ter crenças mais negativas (e de forma mais frequente).
Elas geralmente são vistas como verdades absolutas, mesmo por vezes não fazendo sentido com a realidade, causando comportamento e pensamentos mal adaptativos. Podem ser divididas em três categorias: desamparo (acreditam ser ineficientes), desamor (acreditam ser incapazes de receber amor ou afeto) e desvalor (acreditam ser perigosos, imorais).
O Grinch desenvolve uma crença distorcida sobre o Natal devido aos acontecimentos relacionados à data em sua infância. Ele internaliza a celebração como uma oportunidade de superficialidade e consumismo em vez de um momento de conexão, tendo como base sua cognição negativa, com a qual vê o Natal como um reflexo de sua visão negativa das pessoas e da sociedade. Ele generaliza sua experiência do passado para toda a data e todos os habitantes de Quemlândia, acreditando que todos estão fingindo ser felizes, mostrando sua crença de que as pessoas não são confiáveis (visão sobre os outros).
Uma crença que podemos observar é a crença central do Grinch de que ele não é digno de amor e aceitação, o que se reflete em sua atitude de autossabotagem, se isolando porque acredita que não pode ser aceito pelas outras pessoas. Aqui vemos uma crença de desamor, em que ele acredita não ser suficientemente bom ou merecedor de afeto, o que o impede de se abrir para os outros e de formar conexões genuínas. Essa crença está profundamente enraizada na visão de que ele é diferente, inferior ou indesejável criada ainda em sua infância por causa das piadas enfrentadas por ser diferente.
Existe, ainda, sua tendência à catastrofização – pensamento irracional no qual uma experiência negativa é exagerada para se tornar algo ainda mais insuportável –, que amplia a ideia de que o Natal é um pesadelo insuportável e o impede de ver a data de uma forma mais equilibrada e positiva. O comportamento de evitação também está presente como reforçador de sua crença, já que ele evita qualquer forma de interação com os outros, pois acredita que será rejeitado ou ridicularizado.
Reestruturação cognitiva
Mas um ponto muito importante é que, para a terapia cognitivo-comportamental (TCC), essas crenças podem ser desaprendidas. Uma das maneiras mais trabalhadas para modificação dessas crenças é a reestruturação cognitiva, processo que também podemos ver no filme. Ao longo do filme, acompanhamos um processo de reestruturação cognitiva, que envolve a identificação e a reinterpretação das crenças disfuncionais. Quando Grinch começa a perceber que as pessoas de Quemlândia não estão forçando uma felicidade falsa, mas genuinamente celebrando a união e o amor, ele começa a questionar e reconfigurar suas crenças negativas sobre o Natal.
A sua amizade com Cindy Lou Who começa a desafiar as crenças de Grinch e a abrir espaço para ele reconsiderar sua aversão ao Natal, aprendendo que os seus padrões de pensamentos negativos não são a única forma de ver o mundo. A transformação do Grinch é um exemplo de como as pessoas podem mudar sua visão de vida ao se abrir para novas vivências.
Vamos ver um pouco mais a fundo como se deu a reestruturação cognitiva desse personagem? A reestruturação cognitiva envolve a flexibilização dos pensamentos desadaptativos, auxiliando a equilibrar esses pensamentos de uma forma mais racional a partir da consciência e contestação deles, favorecendo pensamentos mais generosos. No caso do personagem, a reestruturação cognitiva ocorre de forma gradual por meio de mudanças nos seus pensamentos, sentimentos e comportamentos quando ele se depara com o comportamento do povo de Quemlândia, que, mesmo após a perda dos presentes e da decoração do Natal, continua celebrando a data com alegria, amor e união. Esse acontecimento o faz repensar suas crenças iniciais, pois se vê diante de uma realidade que não condiz com sua visão.
A primeira mudança cognitiva ocorre quando ele começa a questionar suas próprias ideias: “Talvez o Natal não seja apenas sobre presentes e comida. Talvez haja algo mais”. Essa dúvida gera um processo de reflexão em que Grinch passa a reavaliar a importância das conexões emocionais e dos valores que ele havia rejeitado até então, percebendo que o Natal para os moradores representa um momento de união e partilha. Nesse momento, podemos ver a reestruturação acontecendo: ele começa a reinterpretar a sua realidade de maneira mais positiva e adaptativa.
Ao longo da história, a transformação do Grinch resulta em uma mudança comportamental em que ele devolve os presentes roubados e se integra à celebração de Natal da cidade, nos mostrando que está disposto a aceitar novos padrões de pensamento, mais saudáveis e alinhados com uma visão de mundo mais positiva e colaborativa.
Quer saber mais sobre TCC e reestruturação cognitiva? Confira estes materiais da Sinopsys Editora: Terapia cognitiva de Beck (Frank Wills), Ciclos de manutenção em terapia cognitivo-comportamental: formulação de caso, plano de tratamento e intervenções específicas (Êdela Aparecida Nicoletti e Mariana Fortunata Donadon), Baralho da reestruturação cognitiva: questionando e modificando pensamentos (Edgar Weslei Aragão) e Além dos extremos: baralho de intervenção para crenças nucleares (Júlio Gonçalves e Natércia Sampaio).