ESTUDO DE CASO

Neste final de mês, trago um artigo sobre o Novembro Laranja e uma bela campanha que aconteceu com o objetivo de combater a invisibilidade de síndromes auditivas. Para entender melhor, começo contando um estudo de caso.

Basta o marido ou filho iniciarem o jantar, que Débora, nome fictício de uma professora de São Paulo, deixa a mesa e vai para o sofá da sala, ligar a televisão.

Desde que se casou e teve filho, ela não consegue fazer as refeições com a família, porque não suporta ouvir o som das pessoas mastigando o alimento. No trabalho, ela busca almoçar sozinha, sem a presença das amigas.

É comum que pessoas assim sejam discriminadas por parentes e amigos, para quem é apenas algum tipo de “frescura”. Esses são sintomas de quem convive com a síndrome chamada misofonia.

Síndrome chamada misofonia

Na literatura especializada, misofonia é uma condição que causa uma reação emocional negativa e desproporcional a determinados sons feitos pela boca e nariz como:  mastigação, deglutição, respiração, estalar os lábios, fungar, roncar, tosses, espirros; feitos pelos dedos como digitar, batucar em algo, virar gelo no copo e com os pés como sons de arrastar chinelo e salto alto. A pessoa com misofonia pode sentir raiva, ódio, irritabilidade e nojo.

Essa síndrome está incluída na campanha do Novembro Laranja que tem como objetivo conscientizar a população de três hipersensibilidade auditiva: zumbido, hiperacusia e a síndrome de misofonia. Muitos desses problemas afligem musicoterapeutas, músicos e educadores musicais. Débora, por exemplo, começou a estudar flauta na juventude e integrou uma banda, e ainda sofre com o zumbido no ouvido.

Campanha de atuação

Lilian Englemann, musicoterapeuta de São Caetano (grande São Paulo) e professora desde 1992, participa de um grupo de otorrinos e fonoaudiólogos que além de tratarem essas síndromes, participam também de campanhas de divulgação.

Segundo Lilian, na misofonia a percepção auditiva foca em sons específicos e com volume micro, ou seja, a pessoa que tem a síndrome tem um hiperfoco em sons muito imperceptíveis para a maioria das pessoas. “E um desses sons imperceptíveis são sons de deglutição, sons de respiração e sons de mastigação”, explica.

De acordo com a especialista, todos nós, quando nascemos, trocamos a nossa forma de estar no mundo. Na barriga da mãe, por novos meses somos seres receptivos, com uma influência gigantesca de todos os sons do corpo.

“Então, todos os sons do corpo são muito fortes para nós, enquanto seres receptivos, ouvimos as sonoridades internas do corpo. Quando nascemos, nós em três meses fazemos a troca”, diz. “Abaixamos todos os nossos volumes dos sons do corpo interno, então, mastigação, respiração, batimento cardíaco, fígado, rim, todos esses sons a gente ouvia. A gente deixa de ouvir e começa a ouvir os sons externos. Mas as pessoas que têm misofonia, em geral, fica ainda acionado, os sons da boca e do nariz.”

Desvalidação social

Ainda pouco divulgada, a pessoa tem um sofrimento gigantesco, porque é desvalidada socialmente, pois todos a taxam de “fresca”. “Uma pessoa com essa síndrome, se a sensibilidade for de grau intenso, essa pessoa começa a se afastar, ela vai deixando de almoçar com amigos, familiares e eventos sociais. Ela também passa a tentar ‘mascarar os sons’ colocando o volume da televisão ou música bem alto. Essa pessoa, em geral, fica invisível na sociedade”, diz Lilian.

A campanha Novembro Laranja abrange também o zumbido, que é mais conhecido da população e a hiperacusia, menos conhecida.  Hiperacusia é uma hipersensibilidade a sons de baixa e média intensidade, que são duplicados ou triplica no ouvido de quem sofre dessa hipersensibilidade.

A música como tratamento

“Essa é uma condição que pode ser desenvolvida por quem está muito perto dos sons como músicos, educadores musicais, musicoterapeutas e profissões que utilizam muito a audição auditiva. A misofonia não, a gente não desenvolve misofonia, ela se apresenta desde cedo na criança e, em geral, vai se ampliando porque o portador fica sem apoio de validação e seu sofrimento fica sem visibilidade. O zumbido também são várias possibilidades, pode ser, inclusive, por tomar excesso de café, mas tem muitas coisas”, explica Lilian. “E a hiperacusia, ela pode ser, digamos assim, desenvolvida a partir do momento que você, enquanto um profissional que vai utilizar o som e a música, vai ter uma exposição maior ao sistema auditivo e pode desenvolver hiperacusia.”

Lilian afirma que as três condições têm tratamento e precisam ser acolhidas a fim de melhorar a qualidade de vida. “Ninguém precisa sofrer disso, principalmente a misofonia, que é menos entendida ou divulgada. Tem muitos estudos sobre misofonia e profissionais especializados no tratamento da síndrome, porém, ainda é pouco conhecida pela população.”