A utilização de telas aumentou muito na vida de crianças, adolescentes e adultos nos últimos anos, mais do que em qualquer década anterior. O que antes era restrito ao ambiente doméstico agora se ampliou com a chegada de aparelhos portáteis, permitindo o uso em qualquer lugar e a qualquer momento. Portanto, os efeitos do uso excessivo desses dispositivos parecem estar afetando a saúde física e mental dos usuários, apresentando-se em questões como transtornos do humor e de ansiedade, problemas cardiometabólicos, redução da qualidade do sono, baixa autoestima, lentidão na aprendizagem e no desempenho acadêmico.

Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela professora Sheyla Baum, graduada em pedagogia, pós-graduada em psicopedagogia, especialista em neuroaprendizagem, cognição e psicomotricidade e possui estudos em neurociência translacional. Entre as obras de sua autoria, está o “Livro da vida: pensar, sentir e se emocionar”. Também é coautora do livro “O cérebro que se comunica: diálogo entre a neurociência e as diversas ciências”. Ambos são publicados pela Wak Editora.

Os índices de ansiedade entre crianças e adolescentes vêm crescendo ao ponto de superarem os dados de adultos. Quais são as principais causas?

O uso excessivo do celular pode levar à depressão e ao baixo desempenho escolar. As preocupações sobre a relação entre o tempo de tela e os vários resultados de desenvolvimento, saúde e produtividade em crianças e adolescentes podem ser atribuídas ao próprio advento das telas.

O primeiro estudo foi conduzido em 1949 por uma colaboração entre pesquisadores do Columbia Broadcasting System (agora conhecido como CBS) e da Rutgers University. Talvez sem surpresa, a investigação descobriu que possuir uma televisão aumenta a coesão familiar. No entanto, uma nova investigação publicada na revista JAMA Pediatrics mostra que o uso de tablets e smartphones pelas crianças está associado a maiores expressões de raiva e ansiedade. Esses estudos sugerem que o uso de smartphones e tablets pode levar a ciclos prejudiciais à regulação do humor.

Qual o impacto do aumento excessivo do uso de telas no cérebro de crianças e adolescentes?

O celular hoje é uma ferramenta que nos fornece várias informações em questão de segundos, sendo uma grande realidade no dia a dia das pessoas. E, assim, pode ser um instrumento muito importante para dar apoio aos professores e, consequentemente, facilitar a compreensão de alguns conteúdos para os alunos, despertando o interesse deles. Entretanto, há ainda inúmeros problemas que contribuem para que isso não aconteça.

O uso excessivo de telas está sendo apontado como o elo com a depressão na adolescência. A exposição repetida a imagens idealizadas com base na comparação social ascendente pode diminuir a autoestima dos adolescentes, desencadear depressão e exacerbar a depressão ao longo do tempo. Além disso, os utilizadores das redes sociais que sofrem de depressão, com mais frequência, parecem ser mais suscetíveis aos impactos negativos do tempo que passam nas redes sociais, o que pode ser devido à natureza da informação que selecionam (por exemplo, publicações em blogs sobre questões de autoestima).

A depressão pode, portanto, ser mantida e exacerbada ao longo do tempo. Este último fato é consistente com pesquisas que mostram que, quanto mais baixos os níveis de humor dos adolescentes, menos conteúdos mediáticos positivos eles escolhem. Uma revisão de 25 estudos mostra que os adolescentes com pontuações mais baixas em inteligência emocional tendem a ter mais problemas ao usar as redes sociais, especialmente as meninas.

Que outros problemas e psicopatologias esse uso excessivo de telas e redes sociais pode gerar para crianças e adolescentes?

A utilização de dispositivos com telas, após a pandemia, aumentou muito na vida de crianças, adolescentes e adultos, mais do que em qualquer outra década anterior. O que antes era restrito ao ambiente doméstico agora se ampliou com a chegada de aparelhos portáteis, permitindo o uso em qualquer lugar e a qualquer momento. Portanto, os efeitos do uso excessivo desses dispositivos parecem estar afetando a saúde física e mental dos usuários, apresentando-se em questões como problemas cardiometabólicos, redução da qualidade do sono, baixa autoestima, lentidão na aprendizagem e desempenho acadêmico.

Dessa forma, é importante desenvolver a confiança acadêmica, criando-se hábitos mais saudáveis. Uma sugestão é valorizar a competência acadêmica dos alunos, ou seja, utilizar meios acadêmicos para comprovar as progressões do aprendizado. Por meio do uso de metodologias ativas, apresentar o conteúdo de forma que os alunos não precisem usar o celular. Essa atitude motiva o estudante a continuar em busca do crescimento escolar e desenvolve a sua confiança. Outra sugestão é incorporar processos de resolução de problemas, reconstruindo a motivação na sua capacidade de resolver problemas sem o uso do celular. Isso pode ser tão simples e causar uma reviravolta na abordagem tradicional.

De que forma é possível equilibrar o uso de telas na infância e adolescência para evitar que o problema se agrave?

O uso das redes sociais e da televisão por crianças e adolescentes deve ser regulamentado para prevenir o desenvolvimento da depressão e reduzir a exacerbação dos sintomas existentes ao longo do tempo. O uso excessivo de celular leva à falta de concentração e diminuição do foco. Estudos mostram que essa redução chega a 20%, impactando negativamente seu aprendizado.

Para equilibrar o uso de telas, é preciso criar regras e delimitar o tempo de uso das telas. Se sabemos que o nosso objetivo é ajudar os alunos a terem uma vida bem-sucedida, devemos ajudá-los a navegarem na tecnologia no tempo certo e de forma saudável. É importante conversar e orientar os estudantes sobre a necessidade compulsiva de saber o que os outros estão postando, pois isso pode levar a um humor mais baixo, aumento da ansiedade e maior desejo de checar os celulares.

Como formar crianças e adolescentes emocionalmente fortes e equilibrados? E quais o papéis da família e da escola nesse processo?

Há algumas décadas, acreditava-se que o ensino de competências relacionadas à convivência cabia exclusivamente às famílias e que as escolas deveriam se debruçar apenas sobre o conhecimento acadêmico. Com o tempo, passou-se a acreditar que o papel da escola também era formar cidadãos, mas sem clareza sobre o que era necessário para isso. Por essa razão, ainda havia resistência à incorporação de competências como amabilidade, estabilidade emocional e consciência.

Na primeira infância, há um agrupamento pouco integrado de habilidades que serão base para o desenvolvimento, mas já existem mostras de paciência, autocontrole e empatia no contato com os outros, observadas, por exemplo, por meio de jogos. A adolescência é uma fase do ciclo de vida na qual o indivíduo passa por transições que acarretam grandes mudanças em seu desenvolvimento. Esse é um período de consolidação da identidade em que o jovem se depara com uma série de escolhas que definirão seu futuro, dentre elas, a escolha profissional.

Uma das inúmeras frases lapidares de Paulo Freire é aquela que diz que “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem”. Para formar crianças e adolescentes emocionalmente fortes e equilibrados, são observadas as condições inatas, genéticas, orgânicas, maturidade, motivação, atenção, experiencias vivenciadas, memória, cognição, habilidades, interesses e outros aspectos.

A aprendizagem é um processo único, contínuo e com desenvolvimento próprio. A família é apontada como um dos principais elementos que podem tanto ajudar quanto dificultar o jovem em suas aprendizagens seja com o exemplo ou com o incentivo ao estudo. Porém, como é comum acontecer, coube à educação lidar com esses problemas. Nesse contexto, o papel que era das famílias passou a ser considerado também um papel das instituições escolares.

Podemos afirmar que as competências dos docentes também influenciam de maneira ímpar no processo de aprendizagem uma vez que o papel exercido pelo docente é de extrema importância na formação dos discentes e na preparação deles para se tornarem excelentes profissionais. A competência do professor é uma soma equilibrada de conhecimento específico da disciplina e do processo de aprendizagem.

Qual a importância de ensinar inteligência emocional nas escolas para formar futuros adultos mais equilibrados? E como isso deve ser feito na prática?

Citando Daniel Goleman, “o sucesso escolar de um aluno não é apenas influenciado pela sua condição social ou habilidades de leitura, mas também por suas habilidades emocionais e sociais; ser autoconfiante e interessado, saber que tipo de comportamento é esperado e como controlar seus impulsos, ser capaz de esperar, seguir instruções e pedir ajuda aos seus professores, expressar sentimentos e se relacionar bem com os outros”.

A inteligência emocional, segundo Goleman, é sustentada por quatro pilares: autoconhecimento, gestão das emoções, empatia e gestão dos relacionamentos. Desenvolver essas habilidades sociais na infância é algo muito importante. O fato de o nosso cérebro ser social indica que não há como dissociar a aprendizagem dos fatos e contextos sociais. Isso indica a necessidade e o valor das atividades em grupo e colaborativas, bem como o valor dos relacionamentos interpessoais. Trabalhar as competências socioemocionais é um caminho importante para prover ao aluno ferramentas para que possa, por si só, aprender a autorregular e a gerir seu comportamento emocional.

Devemos ensinar modelos de relações respeitosas, em que cooperação, consideração e empatia ajudarão a construir vínculos mais positivos. Ainda assim, para saber conviver com harmonia entre os semelhantes e o resto das pessoas, os estudantes devem identificar e saber reagir diante dos aspectos que prejudicam a convivência.

Na prática, como vimos nas respostas anteriores, é preciso oferecer aos alunos, crianças e jovens, valores como respeito, solidariedade, lealdade, responsabilidade na educação tanto na família quanto nas escolas. “Já na Grécia de há milhares de anos, havia quem acreditasse serem os seres humanos capazes de buscarem em si próprios e entre outros seres a perfeição possível”, afirma o professor José Pacheco. Somente por meio da educação podemos assegurar profundas transformações nas pessoas com quem partilhamos o dia a dia.