Nunca a superdotação esteve tanto em pauta, e toda essa repercussão sobre o tema ajuda a chamar a atenção para uma condição que, por muito tempo, foi deixada de lado. No entanto, ainda existem muitos mitos sobre o assunto segundo o neurocientista Fabiano de Abreu Agrela, especialista em genômica e membro da Royal Society of Biology, no Reino Unido. “A superdotação se tornou um tema ‘viral’, o que~, por um lado, ajuda a disseminar conhecimento, mas, por outro, espalha muita desinformação. Por exemplo, sempre surgem ‘especialistas’ que não têm realmente um conhecimento profundo, o que contribui para distorcer detalhes sobre a condição”, afirma.
Ele é pós PhD em neurociências, doutor e mestre em ciências da saúde nas áreas de psicologia e neurociência com formações também em neuropsicologia e biologia. Diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito (CPAH), também é membro de dez sociedades de alto quociente de inteligência (QI), todas restritas para pessoas com alto QI comprovado em testes supervisionados. Criou o primeiro relatório genético que estima a pontuação de QI por meio de teste de DNA e o Genetic Intelligence Project (GIP), projeto com estudos genéticos e psicológicos sobre alto QI com voluntários. Autor de mais de 50 estudos sobre inteligência.
O que é a superdotação?
Refere-se a indivíduos com desempenho intelectual, criatividade e habilidades acadêmicas acima da média em habilidades específicas. Normalmente, apresentam interesses diversos e profundos em determinados assuntos. A superdotação sofre influência de diversos fatores, mas tem uma forte relação com genética e pode ser comprovada a partir de testes de QI supervisionados ou teste genético de inteligência, este último é infalível e livre de dúvidas, será o mecanismo mais utilizado em breve.
Quais são os mitos mais comuns sobre a superdotação?
Todo superdotado é autista: este é um mito muito comum, mas não é verdadeiro, não só pela sua generalização, mas por não ter fortes bases científicas. Nem todo superdotado é autista, assim como a maioria dos autistas não é superdotada.
Todo superdotado tem algum transtorno: estudos replicados trazem provas sólidas de que os indivíduos altamente inteligentes não têm mais perturbações de saúde mental do que a população média. Inclusive, a inteligência surge como um fator de proteção para transtornos mentais. Isso quer dizer que existem pessoas superdotadas com transtornos, sim, mas não seriam uma maioria.
Superdotação é um espectro: esta distorção tem sido muito espalhada atualmente, mas é um mito, a superdotação não é espectro, não é transtorno, não é doença, não é nada do que uma pessoa não superdotada poderia comentar, por isso, a experiência de um superdotado poderia responder melhor sobre essa que é uma condição.
O que são os testes genéticos de inteligência?
São importantes ferramentas para entender melhor a inteligência de um indivíduo, de uma forma mais assertiva do que a análise baseada apenas em testes de QI tradicionais já que supervalorização do resultado em testes, estado em que a pessoa se encontra no momento do teste e o profissional que o aplica são determinantes para o resultado. Mas, claro, o teste genético de inteligência deve ser feito junto a um teste que analise o atual estado da inteligência do indivíduo, já que fatores ambientais interferem para aumentá-la, assim como para diminuí-la.
Fale sobre o estudo que está sendo feito nessa área.
Os testes genéticos são o centro de um estudo que busca entender melhor a assertividade da imputação de dados genéticos para a medição da inteligência de uma pessoa. Nosso estudo já analisou a imputação e sequenciamento de dados genéticos de mais de uma centena de voluntários com um QI de 110 a 160. A imputação é uma espécie de interpretação das SNPs não identificadas no teste genético comum, em seus dados brutos, geralmente realizados por empresas como TellmeGen, 23andMe, MyHeritage e Ancestry. O sequenciamento completo de genoma em 30x é o processo de determinar a totalidade da sequência de DNA do genoma de um organismo.
Para quem não tem teste genético, somos representantes TellmeGen da Espanha, que utiliza o laboratório francês Eurofins. Para quem prefere o sequenciamento, trabalhamos como revenda do Nebula, vinculado a Harvard, nos Estados Unidos. Este último, por ser sequenciamento do genoma, tem valor mais significativo com a leitura 30x garantindo o resultado mais correto que se pode ter do genoma de uma pessoa.
Como foi feita a escolha da plataforma usada?
A escolha da plataforma usada para colher os dados genéticos brutos e sequenciamento dos voluntários foi feita com base em testes feitos em mim mesmo e em centenas de outros indivíduos em estudos de caso relacionado aos dados genéticos, pontuação em teste de QI supervisionado e entrevista. Aproveitei o meu estudo sobre inteligência genética para avaliar a eficácia da imputação. Até o momento, foi identificado que, a depender da companhia que foi usada para obter os dados brutos, a margem de erro da imputação pode variar entre 1% 10%.
O sequenciamento é a forma mais completa e assertiva de analisar dados do genoma humano, o que faz com que gere uma estimativa literal, fazendo o método ser considerado padrão-ouro com base em um conjunto maior de variantes, mas permanece sendo um processo caro. O sequenciamento completo é a melhor opção, mas a imputação dos dados brutos funciona com uma pequena margem de erro.
Usando os dados brutos do TellmeGen, por exemplo, temos uma margem de erro bem menor na imputação, também o 23andMe e em seguida o MyHeritage. Quanto maior a quantidade de SNPs nos dados brutos, menor a margem de erro na imputação. Definitivamente, posso considerar que uma margem de erro entre 1% a 10% no relatório de inteligência, 1% a 3% no relatório sobre distúrbios mentais, menos de 2% em personalidade e chegando a 1% em outros traços, posso afirmar que essas margens de erro não impedem um resultado assertivo levando em consideração a margem em casos específicos.
No caso do relatório de inteligência, por exemplo, que é mais complexo, se num determinado estudo 30 pontos é o piso para maior predisposição a um QI acima de 120 pontos, 0 a 3 pontos de margem de erro não são tão significativos, podendo assim confiar absolutamente no resultado já que levamos em consideração que 27 pontos ou 33 pontos são distâncias não tão relevantes para a probabilidade. Por isso, inclusive, a maioria dos estudos são feitos com o uso da imputação devido ao valor investido.
Por isso, a imputação, que é a busca do genoma a partir dos dados brutos, é a forma mais econômica de obter dados genéticos mais abrangentes, mas, em casos identificados no estudo, a margem de erro foi pouco significativa, o que valida o seu uso. Claro, levando em consideração a empresa onde é feito o teste genético. A não ser que contrate uma empresa para valores específicos.