“Aquele que já não consegue sentir o espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados.” (Albert Einstein)
Parece que não somos mais a capazes de nos surpreender e encantar com a nossa vida, envolvidos em uma condição que anestesia mental e emocional.
Cada ano tem seus aspectos positivos e negativos. Em 2020, a pandemia trouxe à tona muitos problemas, de várias ordens e naturezas, uma crise histórica que atingiu o mundo inteiro. Tivemos que enfrentar aspectos que não havíamos programado, que não faziam parte dos nossos sonhos e esperanças, tivemos que encontrar toda a nossa boa vontade e paciência para tentar não perder de vista os pilares essenciais da nossa existência.
Nesse contexto, ainda mais complexo que estamos passando, será que continuamos capazes de nos maravilhar, encantar e surpreender positivamente com nós mesmos e com a vida?
Retornar ao essencial
Pode ser que a pandemia possa ter nos estimulado a perceber a necessidade de retornar ao essencial, ao simples, aos contatos humano, a ajuda recíproca, a limpar os “óculos” com os quais enxergávamos a realidade e a nos questionar sobre as nossas atitudes como indivíduos, humanidade e sociedade. Será que a situação de emergência pode nos ajudar a perceber que colocar a poeira debaixo do tapete não funciona, que mais cedo ou mais tarde, a vida levanta o tapete com as consequências que conhecemos e nos impulsiona a resolver de verdade o que precisa ser enfrentado?
Quando o homem moderno perde a capacidade de se surpreender e maravilhar, perde também o amor pela vida, pois ele não se permite mais dedicar momentos para parar, observar, contemplar o mundo nos seus variados aspectos, ocupando como está a viver no “piloto automático” que lhe oferece um mínimo de falsa sensação de segurança.
Será que era disso que estávamos precisando: se reencontrar, dar valor às coisas simples da vida, poder reconhecer a importância do essencial e nos encantar e maravilhar novamente com isso?
Olhar de criança
As crianças têm essa capacidade se de surpreender com a vida e proteger e nutrir esse sentimento é uma das tarefas educacionais que os adultos nunca devem esquecer de realizar, proporcionando assim às crianças a oportunidade de se maravilhar com a beleza que a vida e a experiência oferecem.
Quando crianças ficamos maravilhados com as pequenas coisas, ficamos encantados diante de uma flor, da lua cheia, da chuva que cai, de um doce gostoso. Ao crescer, esta habilidade parece que se perde e nada é mais emocionante e entusiasmante.
Com o tempo, o adulto começa a se tornar mais rígido, pragmático, às vezes cínico.
Ele acha que aprendeu tudo, que conhece o suficiente para saber como o mundo funciona, tudo se torna óbvio, insignificante, cansativo, ele pensa que não serve lutar por um ideal de uma sociedade justa e ética, pois não vale a pena, não terá resultado, então se fecha na própria “zona de conforto” e tende a reprimir o sentimento de surpresa e maravilha que o levaria à liberdade, à curiosidade, ao interesse e à motivação para criar algo novo e sair da mesmice.
Emoção da surpresa
A surpresa é uma das seis emoções definidas como primárias e fundamentais e consideradas universais, (Paul Ekmann e Frieser – 1992) quer dizer que todas as pessoas manifestam e conseguem reconhecer. Mas o que é mais interessante é que a emoção da surpresa pode ser definida como o precursor de todas as outras emoções, ela põe a curiosidade em movimento; nosso sistema de atenção é estimulado e transmite a direção à nossa capacidade cognitiva, preparando-nos para querer descobrir, aprender e aprofundar algo novo.
A surpresa é uma habilidade inata, mas muitas vezes inutilizada por causa do lento e contínuo desgaste da vida moderna. Desta forma, a colocamos de lado ou a sufocamos, sem perceber que, ao perder esse impulso vital, estamos sacrificando partes essenciais de nós mesmos: a parte criativa, visionária, exploradora e aberta a aprender.
Sem a capacidade de se maravilhar, como podemos então criar objetivos, planos e desejo de descobertas em nossa vida? E esse ano provavelmente precisamos de uma dose extra da capacidade de se encantar para acreditar no futuro e manter o foco nos próprios sonhos. Sonhos que irão acontecer no futuro, mas é hoje, com nosso entusiasmo e encantamento, que os criamos. Hoje é o dia que define o amanhã. Somos, portanto, chamados ainda mais a manter dentro de nós um espírito de criança, capaz de conservar a curiosidade pelo conhecimento e o prazer da descoberta.
Pequenas e grandes alegrias
Só assim podemos ser testemunhas sinceras e agradecidas, mesmo no cansativo cotidiano, de como a surpresa e o encantamento pela existência pode tornar belas e especiais as experiências simples da vida, com suas pequenas e grandes alegrias.
Hoje, mais do que nunca, somos chamados a manter dentro de nós o espírito da nossa criança interior, capaz de preservar a curiosidade, a alegria, a liberdade e o prazer de ver o mundo com um olhar novo e mais amplo, com uma energia de explorador e uma confiança inabalável nas possibilidades que a vida oferece, condições essas necessárias para mudar de perspectiva , enxergar com entusiasmo novos horizontes a ser conquistados, caminhar com determinação rumo ao resultado escolhido e abrir as portas para a realização e a felicidade.
O resgate ao encanto
Pablo Neruda dizia que a maravilha e o encanto nos olhos permitem ler a história que está dentro de todas as coisas. Com esse sentimento que Neruda tão bem descreveu, podemos sentir estimulada dentro de nós a necessidade de resgatar a capacidade de nos surpreender e maravilhar, reconquistar a coragem de transformar o que precisa, de redefinir ações e agir com ética e respeito pelos outros seres humanos e pelo planeta, repensar nossos objetivos e propósitos e não perder o brilho do encantamento no olhar que permitirá preencher o nosso coração de emoções.