Acredito que pelo menos uma vez na vida todos nós já tivemos que lidar com uma pessoa sem limites: alguém que não sabe a hora de parar uma brincadeira (que por vezes deixa de ser engraçada e passa a ser desrespeitosa), um amigo que não consegue ser empático e nem pensar no que outras pessoas estão sentindo ou pensando, ou ainda, uma amiga que vive extrapolando o cartão de crédito e que não tem condições de pagá-lo.
“Os sem limites”, por assim dizer, são vistos como mimados, mal-educados, inconsequentes, arrogantes e, por vezes, perversos e desse modo, não fica muito difícil imaginar como são os relacionamentos sociais e afetivos destas pessoas. Mas, qual será a origem disso tudo?
Relações na primeira infância
As mais variadas teorias da psicologia tratam da importância das experiências e relações na primeira infância.
Assim, acreditamos que neste período tão importante da vida do ser humano, muito é percebido e internalizado pelos bebês e crianças pequenas.
Quem nunca ouviu a afirmação de que crianças são “antenas parabólicas” que captam tudo que acontece ao redor? Captam, inclusive, aquilo que os adultos nem mesmo imaginam que elas estejam percebendo.
Quando eu era adolescente, por exemplo, vi numa dada ocasião uma amiga de minha mãe, uma senhora muito refinada e distinta, ficar horrorizada com sua filhinha de 4 anos quando esta soltou um “pequeno” palavrão ao comentar sobre algo que aconteceu perto de nós. “Que m****, né mamãe?” disse a menininha.
Acredito que aquela senhora nunca pensou que poderia ficar tão ruborizada na vida. Para mim, uma adolescente, foi engraçado, mas para a mãe da menina foi um vexame, e ela logo entrou numa espécie de interrogatório tentando entender onde sua filhinha tão educada e querida poderia ter aprendido aquela palavra inapropriada.
Certamente, a mãe da criança não conseguiu entender nada, porque ela não deve ter ensinado algo assim para ela e nem mesmo devia ser hábito daquela família falar impropérios como o que a menina falou. Mas, em algum lugar ela aprendeu aquela inadequada interjeição.
Assim como a filha da amiga de minha mãe toda criança percebe e guarda interpretações daquilo que vivencia em sua vida. Uma criança ao presenciar uma cena ou viver num contexto não filosofa sobre os fatos. Para ela a vida é como é.
Se os pais vivem gritando e sendo desrespeitosos um com o outro, o que será absorvido e naturalizado pela criança, será a agressão e o desrespeito. Se por outro lado, o convívio com a família faz a criança se entender como o centro de todas as atenções, então é isso que ela vai internalizar – que ela é mais especial que outros.
Amor demasiado
Pais e mães podem não se dar conta, porém, por um “amor demasiado”, sem limites, podem favorecer que a criança cresça se percebendo diferente, percebendo que não pode se frustrar ou percebendo que ela é mais importante que as outras pessoas, inclusive mais importantes que seus irmãos e pais.
E isso traz prejuízos sérios para esse ser humano em formação, já que vai crescer e levar essa ideia e sensação (ainda que inconscientemente) consigo ao longo da vida. Alias, esse é um ponto importante.
Ninguém senta um filho numa cadeira sistematicamente e diz que ele é melhor que as outras pessoas ou que merece mais atenção que os outros.
Geralmente, as ações e reações, as palavras ouvidas, a dinâmica de como família se comporta, a forma como os papéis são vividos no sistema familiar, enfim, tudo isso junto é que promove a internalização de conceitos e também de sensações e memórias.
Além disso, há aqueles casos em que a falta de limites é escancarada. Filhos pequenos que mais parecem mini tiranos matando os pais de vergonha, não são incomuns. Não sei você, caro leitor, mas eu já presenciei cenas em restaurantes e shoppings que mostravam de forma bastante clara quem é que mandava na situação. E não eram os pais.
Cenas lamentáveis de adultos que não conseguem conduzir, orientar e até mesmo acalmar filhos são vistas diariamente em qualquer lugar público. Lastimável.
Emoções e atitudes
Não apenas para os pais e as crianças, mas para quem está em volta. É claro que cada caso é um caso e não podemos (nem devemos) fazer generalizações. Mas, infelizmente tais cenas não são difíceis de se presenciar.
Crianças assim não são ensinadas a desenvolver uma auto regulação das emoções e atitudes. Não têm autocontrole e nem disciplina e por isso mesmo padecem da falta destas. E na vida adulta, a falta dessa auto regulação pode significar muito.
Porém, também há quem se engane e pense que somente a falta de limites pode transformar uma criança mimada em um adulto mimado.
Na verdade, pessoas que vivem em famílias muito rígidas e rigorosas onde quase não se pode brincar ou onde as obrigações são enaltecidas enquanto o relaxamento não é valorizado também podem ser um ambiente propício para formação de um adulto sem limites.
E nesta hora você deve estar se perguntando como um ambiente controlado, ordeiro, com regras (lembrando que estamos falando de um contexto onde não há equilíbrio, onde há rigidez) pode levar alguém a se tornar indisciplinado e limitless.
A resposta está nas estratégias de enfrentamento da realidade utilizadas para se conviver com tamanha rigidez.
Liberar de amarras
Por vezes, de forma inconsciente, pessoas que viveram uma vida mais cerceada, controlada e com pouco espaço para a espontaneidade podem fazer uma compensação extrema dessa realidade infantil, passando a viver na vida adulta totalmente sem limites justamente como uma forma de não se confrontar com os sentimentos e sensações gerados na pela rigidez vivida na infância.
Agindo dessa maneira, a pessoa tentará se liberar de amarras, tentará “ser feliz”, “fazer o que gosta” só que de forma inconsequente. E o mais interessante, é que a pessoa sofre com as consequências do que faz, mas não consegue entender o porquê faz.
Becky é um exemplo clássico de alguém sem limites
No filme “Delírios de consumo de Becky Bloom” podemos ver um cenário parecido. Não fica muito claro no filme como foi a vida Becky durante sua infância.
Mas, sua adultez é cercada de muitos delírios de consumo que têm uma função psicológica para existir. Sua saga entre altos e baixos vai revelando pouco a pouco o quanto toda sua “loucura” por comprar não tinha a ver com uma necessidade imediata por algo, mas sim, com uma necessidade de amadurecer. Becky é um exemplo clássico de alguém sem limites!
Já dizia Lao-Tsé que “na condução das questões humanas não existe lei melhor do que o autocontrole”.
Ter limites e saber se dar limites é uma necessidade humana. A capacidade de se auto regular e encontrar os pontos de equilíbrio para tudo na vida é essencial. É preciso trabalhar, mas também é preciso descansar.
O próprio Deus fez isso, conforme está descrito na Bíblia. É preciso saber ter momentos especiais, em que somos ovacionados, mas também precisamos aprender a lidar com nossas emoções quando não subimos ao pódio.
Ensinar a criança a perder, se frustrar, dividir, esperar, plantar e colher são lições extremamente preciosas para que esta não se torne o adulto que congela o cartão de crédito para não gastar dinheiro (achando inocentemente que a estratégia funcionará) e mesmo assim gasta.
É preciso ensinar que ter limites é uma condição intrínseca do ser humano. E isso não nos rebaixa, não nos diminui.
Só nos ensina que precisamos entender quais são nossos limites para que possamos, inclusive, alcançar lugares altos e nobres na vida.