Conduzir assertivamente as intervenções psicoterapêuticas dentro das necessidades de cada paciente é uma das principais responsabilidades profissionais em função de sua repercussão no curso do tratamento. Para os profissionais que atuam com a terapia do esquema, trabalhar os esquemas iniciais desadaptativos (EIDs) é um grande alvo terapêutico, considerando a ligação deles com as psicopatologias e os sofrimentos, aliada à necessidade de construir e fortalecer estratégias que auxiliem no aumento do bem-estar, no fortalecimento emocional e em uma vida mais significativa para as pessoas.

Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela psicóloga Natanna Schütz, autora do Manual de técnicas em terapia do esquema, publicado pela Sinopsys Editora. O livro propõe 198 técnicas diretas para o trabalho com os 18 EIDs, além de inúmeras estratégias, sugestões de tarefas de casa e orientações para os profissionais baseadas em intervenções cognitivas, vivenciais/emocionais, comportamentais e interpessoais.

Na elaboração de cada uma das técnicas e estratégias terapêuticas, foram considerados também conhecimentos advindos de outras linhas de psicoterapia de terceira onda/geração em razão do caráter integrativo que vem se mostrando cada vez mais apropriado atualmente. Além disso, utilizou-se conceitos e estratégias voltadas para o trabalho com os esquemas iniciais adaptativos, que estão ganhando destaque na terapia do esquema em razão do equilíbrio necessário entre os fatores negativos e positivos envolvidos na vida das pessoas, os quais, quando trabalhados em paralelo, podem ser ainda mais eficientes.

Natanna é mestra em saúde e desenvolvimento psicológico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e atua em consultório particular com atendimentos dentro da linha das psicoterapias cognitivo-comportamentais de terceira onda. Também é docente em cursos de especialização, autora e organizadora de livros e materiais terapêuticos na área de psicologia. Além disso, atua com supervisões de atendimentos clínicos e é idealizadora do www.mudese.com.br.

Qual objetivo do livro e como ele pode auxiliar a prática clínica dos psicólogos?

Quando pensei neste livro, parti de uma demanda que os alunos, especialmente de pós-graduação, me traziam de ter uma estrutura mais concreta com o passo a passo de como aplicar as técnicas. Hoje, no meio da psicologia, temos várias técnicas que, muitas vezes, acabam não tendo a funcionalidade que precisariam. Então percebi que era importante trazê-las dentro de uma organização, considerando as bases tão bacanas que temos dentro da terapia do esquema para compreender o funcionamento da mente das pessoas e, consequentemente, poder fazer intervenções mais direcionadas e assertivas dentro das necessidades de cada pessoa. Sendo assim, o livro surgiu com a proposta não apenas de trazer técnicas soltas, mas dentro de todo uma organização, divididas a partir de cada um dos 18 esquemas. Então dividi o livro em partes, focando especificamente em trabalhar cada um dos esquemas dentro de técnicas mais apropriadas e direcionadas àquele perfil de paciente.

No livro, há uma parte de recomendações para os psicoterapeutas que inclui adaptações e outras sugestões de utilização com crianças, pais, adolescentes, famílias casais e grupos. Fale sobre essas diferentes formas de uso.

A terapia do esquema nos dá uma base para que consigamos compreender tanto o adulto individualmente quanto essas demais demandas, porque ela parte de um fundamento que, a meu ver, se enquadra para todos nós, que são as nossas necessidades emocionais. Ao nascermos, assim como temos necessidades fisiológicas, temos necessidades emocionais. E conforme essas necessidades vão sendo supridas, a tendência é que vamos conseguindo ter um funcionamento muito mais saudável, vamos desenvolver esquemas positivos.

Porém, nem sempre, essa é a realidade, pelo contrário. A maioria das pessoas passa por muitas adversidades e não tem muitas vezes as suas necessidades emocionais devidamente supridas, o que leva ao desenvolvimento dos esquemas negativos. E esses esquemas negativos vão impactar todos os âmbitos da nossa vida. A infância, por exemplo, é a base para formação dos esquemas e para o atendimento das necessidades emocionais.

Então, quando se pensa em prevenção, que é algo em que eu mais acredito atualmente – quanto mais prevenimos, menos precisamos remediar depois –, conseguimos trabalhar uma série de estratégias não só com a criança, mas também já entrando na questão dos pais, para que aprendam a suprir melhor as necessidades dos seus filhos e, consequentemente, isso evite a formação de esquemas negativos que precisarão ser combatidos depois. Ou que consigamos já na infância fortalecer a formação de esquemas positivos e, da mesma forma, para os adolescentes, que também estão numa fase de formação em que o suprimento dessas necessidades emocionais vai fazer toda a diferença. E temos excelentes bases na terapia do esquema para fazer esse suprimento.

Fale sobre as diferenças entre a terapia do esquema e outras terapias da terceira onda?

Vou inclusive compartilhar como foi o meu encantamento com a terapia do esquema, por que a busquei. Eu iniciei meus trabalhos enquanto psicóloga clínica com a terapia cognitivo-comportamental clássica. E de fato ela me trazia muita estrutura, muitas bases bacanas para ir trabalhando com as demandas que foram chegando até mim. Mas, muitas vezes, meus pacientes falavam que já tinham muito claras as questões cognitivas, suas crenças disfuncionais, seus pensamentos distorcidos, assim como os comportamentos que precisavam mudar e como fazer essa mudança. O problema era que continuavam sentindo como se aquilo que surgia na sua mente fosse uma verdade dentro da sua história de vida. E isso obviamente me instigou.

Sempre gostei muito da atualização constante, considero ela fundamental. E quando comecei a ver essas questões, me deparei com a terapia do esquema no sentido de que ela trazia justamente muitos conceitos de que precisamos. A partir disso, comecei a estudar e trabalhar com os meus pacientes a terapia do esquema. Depois que os pacientes passaram a se sentir compreendidos dentro dos seus esquemas e supridos dentro das suas necessidades emocionais pelas técnicas e pela relação terapêutica, vi que era possível ir para um nível mais profundo de terapia. E que isso tende a beneficiar muitas pessoas, especialmente aquelas que têm uma história de vida mais conturbada, com muita negligência das suas necessidades emocionais, pessoas que geralmente, por conta disso, acabam desenvolvendo ou transtorno da personalidade ou transtornos do humor.

E também aqueles casos muito persistentes em que existe uma dificuldade de a pessoa mudar mesmo ela tendo toda essa consciência. Às vezes, não precisa nem necessariamente se enquadrar no diagnóstico de um transtorno, mas ela tem uma resistência muito grande em relação ao seu processo, à sua mudança, e, quando ela se compreende dentro de uma esfera mais profunda que a terapia do esquema possibilita, tende a conseguir se engajar melhor justamente por esse sentimento que é uma das grandes necessidades que temos enquanto seres humanos.

Para quais transtornos a terapia do esquema é indicada?

Embora, ainda hoje, as evidências científicas recomendem a terapia do esquema especificamente para alguns casos particulares, especialmente transtornos da personalidade, eu vejo que todo mundo pode se beneficiar em algum grau por compreender suas necessidades emocionais, seus esquemas e sua história de vida. Dentro dessa lógica, o que vamos fazer é trabalhar com determinados pacientes mais técnicas cognitivas e comportamentais da terapia do esquema. Com outros, vamos aprofundar mais as técnicas vivenciais.

Por isso que, hoje, as terapias de terceira geração trabalham muito mais na lógica de integrar as diversas linhas psicoterapêuticas que são baseadas em evidências, que têm a orientação cognitivo-comportamental. Justamente a partir dessa integração, conseguimos um trabalho muito mais completo com as pessoas, o que, por muito tempo, inclusive na psicologia, era visto como algo ruim – se eu seguisse um a linha, não poderia olhar para as outras.

De fato, as linhas mais antigas eram mais incompatíveis umas com as outras. Só que essas novas linhas já foram construídas inspiradas umas nas outras, então elas se integram e se completam muito bem. E é isso que fui buscando fazer, pensando não só em integrar a terapia do esquema com a terapia cognitivo-comportamental clássica, mas também com a terapia focada na compaixão, com a terapia de aceitação e compromisso, porque todas elas trazem algo importante que pode beneficiar certos perfis de pacientes. E isso também foi considerado na construção das técnicas do manual.