Quase 18 é o filme ideal para se assistir na adolescência ou para assistir e compreender essa fase da vida mesmo que já tenhamos passado por ela. No enredo, acompanhamos Nadine (Hailee Steinfeld), que a princípio parece ser uma adolescente esquisita, dramática e exagerada, mas qual adolescente não é assim? A jovem se sente excluída de todos os grupos: não se acha bonita, não é inteligente, não pratica esportes… Totalmente oposto de seu irmão, Darian (Blake Jenner), que é mais velho, bonito, tem várias amizades e acaba conquistando Krista (Haley Lu Richardson), única amiga de infância da protagonista. A partir daí a personagem principal passa a tomar inúmeras decisões erradas que a colocam em perigo.

Na primeira cena, vemos Nadine indo até seu professor e dizendo que pretende acabar com a sua vida por causa de um ato impulsivo. A história leva esse e outros momentos com um certo humor (não que a personagem vá tentar acabar com sua vida, mas já é algo para prestarmos atenção). A jovem de 17 anos se sente excluída, acredita que não é escutada nem compreendida e está enfrentando desafios emocionais e sociais típicos da adolescência, como a busca por identidade, aceitação e conexão, mas que são agravados por alguns fatores.

Dinâmica familiar

O filme se passa alguns anos após o falecimento de seu pai, e a nossa protagonista se encontra perdida em uma dinâmica familiar conflituosa com sua mãe e seu irmão. Em meio ao caos, a única pessoa com quem Nadine sente que pode contar é sua melhor amiga, Krista, afinal, elas partilham inúmeros momentos desde a infância. Agora que tivemos um panorama geral da vida da personagem principal, podemos tentar compreender alguns momentos do filme e os motivos pelos quais ela tem certos comportamentos.

Envolvida em uma melancolia, Nadine divide sua vida entre escola e casa, onde habita uma relação complicada marcada pela falta de comunicação e uma sensação profunda de desconexão com seu irmão e sua mãe. Com a mãe, Mona (Kyra Sedgwick), a dinâmica é tensa e distante, em que ela parece não compreender as questões emocionais da filha, frequentemente comparando-a com o irmão mais velho. Em cenas como o jantar em família, Nadine tenta compartilhar seus sentimentos, mas é ignorada e acaba gritando: “Ninguém nessa família se importa comigo!”

Já com Darian, a relação ultrapassa a típica rivalidade entre irmãos. Nadine vê o irmão como o “filho perfeito” – popular, bem-sucedido e admirado pela mãe –, enquanto ela se sente constantemente inferiorizada (em função da constante comparação). Além da comparação em casa, Nadine não é uma adolescente muito sociável e sua única amiga é Krista. A protagonista se sente traída ao descobrir que sua melhor amiga está se envolvendo com seu irmão (com quem tem seus conflitos familiares), o que desencadeia sentimentos intensos de raiva e frustração.

Falha

A teoria da autodeterminação (Deci e Ryan, 2000) destaca que o pertencimento é uma das três necessidades psicológicas básicas ao lado de autonomia e competência. Quando essa necessidade não é atendida, especialmente no ambiente familiar, pode levar a problemas de ajustamento emocional. Podemos ver a falha do atendimento dessa necessidade nas cenas de Nadine com sua família.

Essa teoria propõe que os seres humanos têm três necessidades psicológicas básicas que são essenciais para o bem-estar, o crescimento pessoal e a motivação: autonomia, competência e pertencimento. Quando essas necessidades são atendidas, as pessoas tendem a se sentir mais realizadas, engajadas e emocionalmente saudáveis. No entanto, quando uma ou mais dessas necessidades não são satisfeitas, especialmente no ambiente familiar, podem surgir problemas de ajustamento emocional, como ansiedade, depressão e baixa autoestima.

Autonomia: refere-se à necessidade de sentir que nossas ações são autoescolhidas e alinhadas com nossos valores e interesses. Quando as pessoas se sentem autônomas, elas experimentam um senso de controle sobre suas vidas.

Competência: é a necessidade de se sentir eficaz e capaz de realizar tarefas e alcançar objetivos. A competência está ligada à sensação de domínio e ao crescimento pessoal.

Pertencimento: é a necessidade de se sentir conectado aos outros, de ter relacionamentos significativos e de ser aceito e valorizado por um grupo ou por uma comunidade. O pertencimento está diretamente relacionado à sensação de ser amado, compreendido e apoiado.

Conexões

O pertencimento é especialmente crucial no ambiente familiar, pois é o primeiro espaço onde se desenvolvem as conexões sociais e emocionais. Quando essa necessidade não é atendida, pode levar a uma série de problemas emocionais e comportamentais. No filme, muito se escuta que Nadine é uma adolescente mimada, sem controle emocional, até mesmo egoísta, mas o que muitos não param para analisar é quais consequências que as dinâmicas familiares disfuncionais e a falta de pertencimento causam na personagem. A jornada da jovem reflete os impactos profundos que a exclusão e a desconexão emocional podem ter no desenvolvimento de um adolescente.

Sendo um exemplo perfeito de como os adolescentes podem agir ao não ter essa necessidade suprida, a falta de pertencimento leva a personagem à solidão e ao isolamento (tanto dentro da família quanto em seu círculo social), à baixa autoestima e ao sentimento de inferioridade (constante comparação com Darian, visto como o “filho perfeito” com quem não tem como competir), a comportamentos autodestrutivos, busca por validação, dificuldade de socialização, sentimentos de raiva e frustração (com os quais não sabe lidar).

Como a cena em que ela pede pra Krista escolher entre ela e seu irmão, pois não poderia ter os dois, podemos ver a forma como Nadine se sente excluída e como esse relacionamento simboliza algo que a exclui, reforçando sua sensação de não pertencer a lugar nenhum, como se a amiga tivesse “escolhido” Darian em vez dela. Aqui também vemos uma dificuldade em lidar com a complexidade das relações humanas, vendo a situação em termos de “ou isso, ou aquilo”, sem conseguir enxergar a possibilidade de coexistência ou de múltiplas conexões.

Nesse tempo, Nadine encontra conforto e ajuda em seu professor, que é quase tão mal-humorado quanto ela. Os dois tem ótimas conversas, e ele é o responsável por ajudá-la a expandir seus horizontes e ver além dos problemas passageiros, mas não é o profissional correto para ajudá-la embora tenha causado grande mudança no pensamento da personagem.

Sintomas depressivos

Além de tudo o que vemos, como (futuros) psicólogos, podemos observar sintomas depressivos na protagonista, especialmente quando descobrimos que estudos mostram que a falta de pertencimento está associada a ansiedade, depressão, solidão e baixa autoestima. A psicologia nos mostra que a depressão muitas vezes surge de uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais.

No caso de Nadine, a ausência de conexões significativas e a sensação de exclusão desempenham um papel central uma vez que isolamento emocional é um gatilho comum para a depressão. Inúmeras cenas nos chamam atenção para a depressão da personagem, como a cena inicial já citada ou quando ela está no carro, chorando e dizendo “eu não aguento mais me sentir assim” ou quando fala “eu só quero me sentir viva, como se eu importasse para alguém”.

Psicoterapia

A psicologia nos mostra que o pertencimento é uma necessidade humana fundamental e sua falta pode gerar consequências profundas para a saúde mental. Podemos ajudar e trabalhar com essa paciente a partir da criação de um setting terapêutico seguro e acolhedor, em que ela possa se expressar livremente e se sentir ouvida. Em sessão, seria importante investigar as relações familiares e sociais da paciente, identificando possíveis fontes de exclusão ou desconexão (poderíamos explorar sua relação com a mãe e o irmão, ajudando-a a entender e processar esses vínculos).

Também deve-se explorar um trabalho com a autoestima da paciente, que internalizou uma visão negativa de si mesma. Podemos ajudá-la a reconstruir a autoestima focando em suas qualidades, conquistas e potencialidades (técnicas como reestruturação cognitiva podem ser úteis para desafiar crenças negativas).

Para pacientes com dificuldades de socialização, como Nadine, é importante trabalhar habilidades sociais e comunicação assertiva, além de incentivar a socialização por meio de grupos de interesse, atividades comunitárias ou voluntariado. Ainda há a possibilidade de terapia família em casos nos quais a dinâmica é disfuncional, ajudando a melhorar a comunicação, resolver conflitos e fortalecer os vínculos familiares.

Livros e outras ferramentas

Para ajudar você com pacientes como Nadine, temos algumas dicas de livros e ferramentas terapêuticas. Podemos iniciar com A arte de ouvir o adolescente: cards para se conectar com o adolescente com base na psicologia positiva (Lêda Zoéga Parolo) e Assertividade na adolescência: 100 cards para avaliar e desenvolver habilidades assertivas (Shirley Simeão, Giselle Pessoa, Ana Victória Lima e Jordana Beatriz Sales) para serem usados em sessão .

Podemos recomendar que Nadine leia Assertividade na adolescência: expressando desagrado e recusando pedidos (Shirley Simeão e Ludmila Rodrigues) ou até mesmo fazer a leitura em sessão e ir trabalhando os tópicos levantados pela leitura.

Para ajudar na estruturação das sessões, os livros Sessões de psicoterapia com crianças e adolescentes: erros e acertos (Eduardo Bunge, Mariano Scandar, Francisco Musich e Gabriela Carrea) e Mais tarefas terapêuticas para clínica cognitivo-comportamental: atividades por objetivos clínicos (Sabrina Martins Barroso) serão seus melhores amigos.

E uma dica bônus: pacientes como Nadine poderiam se beneficiar da autocompaixão, e o trabalho pode começar com os cards Autocompaixão: reflexões para desenvolver autocompaixão (Luana Ribeiro e Maria Eduarda de Freitas).