O ato que leva pessoas a tirarem a própria vida precisa ser muito abordado e discutido, considerando que é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo, segundo estudo da Opas Brasil. Podemos considerar um problema social.  

Entretanto, somos seres humanos iguais na estrutura, porém únicos na originalidade de cada um, na forma de pensar, reagir, viver e sentir. Como nos ensina o neurocientista Eric Kandel, quanto mais utilizamos o nosso cérebro, mais ele modifica constantemente sua arquitetura, e isso é a base das diferenças entre as pessoas.

Uma vez que todos nós crescemos em ambientes diferentes, fomos expostos a diferentes combinações de estímulos, aprendemos coisas diferentes e tendemos a exercitar nossas habilidades motoras e perceptivas de maneiras variadas, fazendo com que a arquitetura do nosso cérebro seja modificada de forma única.

Esse pano de fundo é essencial para compreender que não é uma coisa simples e óbvia a compreensão do porquê uma pessoa escolhe tirar a sua vida. Se aproximar de uma reflexão sobre o suicídio, significa primeiramente abrir o coração à compreensão da dor de outro ser humano.

Nessa reflexão mais ampla podemos identificar que esse sofrimento é essencialmente ligado a dois aspectos da problemática humana: encontrar o significado da própria vida e construir saudáveis e estruturadas relações indivíduo-sociedade.

Dar significado à própria vida

Aprender a dar um significado e um porquê às próprias ações e saber transformar eventos difíceis e críticos, potencialmente desestabilizastes, em algo que movimenta e incentiva a energia do autoconhecimento e de se reorganizar positivamente diante da vida, pode parecer natural para muitos, mas não é tão obvio.

Na sociedade e, essencialmente, na família e na escola, precisamos ensinar as crianças a treinarem habilidades como flexibilidade, pensamento crítico, criatividade, valores humanos, definição de objetivos e cooperação. Mas também como adultos podemos aprender a visualizar e estabelecer um projeto de vida e saber que no caminhar em direção ao resultado podemos encontrar luz e sombra, dificuldades e oportunidades, sofrimento e alegria, vulnerabilidade e força, permite aceitar os obstáculos e ativar os recursos internos adequados para continuar pela vida.

Esse caminho se torna, então, um processo de contínuo aprendizado e crescimento, por meio do qual é possível dar um significado à própria vida, única e preciosa.

Para isso, é importante também trabalhar na prevenção e na educação ao mesmo tempo. Educação de todos desde muito cedo. É importantíssimo, por exemplo, trabalhar na prevenção de comportamentos autodestrutivos e ensinar os grupos sociais a ter habilidades emocionais saudáveis. Para isso, tanto a educação, quanto a saúde pública precisa ter projetos que cuidem de feridas, carências, dificuldades, traumas, patologias e, assim, poder compreender o que aconteceu com a pessoa para traçar com o profissional de saúde que a acompanha (caso ainda não tenha esse atendimento, estimulá-lo de forma efetiva) um caminho de cura e encontrar outras soluções e saídas para o seu sofrimento que não seja tirar a própria vida.

Paralelamente, é essencial trabalhar na educação, isto é, educar a pessoa à compreensão daquilo que a faz feliz, à identificação dos seus pontos fortes, das suas qualidades, potencialidades  e virtudes, aprender a  enxergar na linha do tempo da própria vida momentos bons do passado e do presente e encontrar a esperança e o otimismo para o futuro. Portanto, é importante ressaltar que educar para ver também o lado bom e positivo da vida é uma questão de saúde pública.

Construção de relações individuo-sociedade

Quem está em um estado de sofrimento intenso, que chega a pensar em suicídio como única solução a sua dor, que percebe sua situação como intolerável e insuportável, tem um sentimento de base de profunda solidão e de impotência, se sente sem uma “rede de proteção” familiar ou social a qual possa pedir ajuda.

Entre o mundo interno e o mundo externo da pessoa acontece um processo dinâmico que se influencia reciprocamente. Por isso, precisamos ficar atentos aos diversos mundos nos quais a pessoa, as crianças e os jovem, especialmente, se encontram. O papel da família é fundamental pelo desenvolvimento das competências socioemocionais, como a autoestima, o reconhecimento do próprio valor como pessoa, a confiança em si mesmo e a autoaceitação.

O papel da coletividade

É fundamental que a pessoa se sinta protegida e crie uma forte ligação afetiva não só com os pais, mas com os parentes, os amigos e vizinhos criando assim uma rede social. O papel da coletividade representada pelos sistemas como a escola, os grupos de amigos, o trabalho, o esporte e as redes sociais são sistemas importantes. pois podem ter influências positivas ou negativas na pessoa. A escola, por exemplo, precisa ter claro o papel de apoio que ela tem e de desenvolvimento de competências sociais e emocionais essenciais como a cooperação, o trabalho em grupo, a empatia, o respeito, a solidariedade, a autorregulação e motivação.

Por fim, temos o contexto cultural mais amplo, o país onde moramos, as suas políticas sociais e de apoio às pessoas, as estruturas sociais que apoiam e protegem o cidadão nas suas fragilidades.  Esses dois mundos, o interno com seus significados e percepções, e o externo, da construção de relações individuo-sociedade, influenciam-se reciprocamente, por isso é importante reconhecer quais os fatores protetivos a eles associados, para poder fortalecê-los e trilhar um percurso de crescimento e autodesenvolvimento na própria vida, aceitando as próprias  imperfeições e vulnerabilidades, mas sem ter medo delas e sem que elas ofusquem a verdade de que não estamos sozinhos, que somos merecedores de ser nós mesmos, de viver o amor, a felicidade e a  realização.

E MAIS…

Pontos importantes no combate ao sofrimento emocional

Na Psicologia, é possível evidenciar cinco qualidades que se fortalecidas na pessoa, ajudam a interagir consigo mesmo e com o ambiente social de forma mais segura, gerando um equilíbrio emocional importante no combate ao sofrimento e aos pensamentos destrutivos que podem levar ao suicídio. São eles:

-Autoeficácia: compreendida como segurança nas próprias capacidades de resolver os problemas.

– Responsabilidade: compreendida como reconhecer que os resultados das próprias ações são determinados pelos próprios comportamentos, então saber assumir a responsabilidade pessoal das próprias ações e não se sentir vítimas de forças externas, mas alimentar o agir, o criar e o estabelecer objetivos e projetos.

– Autonomia: compreendida como reconhecer o próprio valor pessoal e as próprias convicções e valores sem se deixar condicionar excessivamente pela opinião e julgamentos dos outros.

-Motivação: compreendida como a percepção de sermos capazes de encontrar os recursos internos e externos para criar ações.

– Otimismo: compreendida como a capacidade de enxergar o futuro de forma positiva e esperançosa.