Em tempos de grande evolução tecnológica e científica, mesmo nos grandes complexos hospitalares e consultórios médicos luxuosos, há um mal-estar geral entre pacientes e profissionais da saúde quando a medicina se torna despersonalizada, apressada, fria e protocolar. Mas pode faltar humanização na assistência? Segundo o cardiologista Wellington Bruno, não pode, nem aos pacientes e familiares, nem aos profissionais de saúde.

Seu livro ‘Leito 7: a medicina sem pressa (slow medicine)’, publicado pela editora Appris, reúne a experiência de mais de três décadas do autor dedicadas à medicina pública e privada, utiliza storytelling, referências à leitura de clássicos e da literatura contemporânea, reportagens, filmes e séries para defender a importância da humanização na medicina. Voltada para pacientes, profissionais e estudantes, a obra fala ainda da esperança, dos cuidados paliativos, da assistência interdisciplinar, do tempo e da atenção dedicada aos enfermos.

Bibliófilo confesso, Wellington é graduado em medicina há 35 anos pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde atua como cardiologista faz 30 anos. Especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), é membro da Sociedade Europeia de Cardiologia. Mestre em cardiologia (UFF), doutor em medicina com pós-doutorado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduado em gerontologia e geriatria interdisciplinar (UFF), em geriatria clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – em parceria com Universidade do Porto – e em cuidados paliativos pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP).

O que é e o que engloba uma medicina humanizada?

A medicina humanizada envolve atender seu paciente com empatia e atenção genuína a todos os aspectos do ser humano: biológico, psicológico, social e até espiritual com respeito à individualidade de cada um.

Quais são as principais consequências de uma medicina não humanizada?

As consequências de uma medicina não humanizada, apressada, dominada por protocolos impessoais e apressados, preocupada somente com aspectos científicos, econômicos e técnicos relacionados à doença específica, gera uma sensação de mal-estar, desconfiança e incompletude do atendimento. Deixa um verdadeiro vazio no ser humano. É o que temos observado nas últimas décadas com tendência a piorar nos próximos anos se a classe médica e a sociedade não pararem para refletir sobre o que estamos fazendo e para onde queremos ir.

Como e por que se chegou a essa medicina não humanizada e quais são suas consequências?

A medicina evoluiu muito sob o ponto de vista tecnológico e científico nas últimas três ou quatro décadas. Isso é muito bom e está favoravelmente associada ao envelhecimento da população ocidental, como visto, inclusive, no último Censo brasileiro de 2022. Contudo, no ensino médico e, consequentemente, na prática clínica, observa-se um esfriamento da relação médico-paciente, com atendimentos voltados exclusivamente para a doença e não para o paciente como um ser único, sofrendo os impactos da doença em sua vida.

Paralelamente ao desenvolvimento técnico-científico da medicina, houve o desenvolvimento e a invasão da administração profissional dos serviços de saúde junto com o encarecimento dos métodos diagnósticos e terapêuticos. Há o lado bom para a sustentabilidade dos serviços; contudo hospitais, serviços de saúde e consultórios acabam sendo administrados para o faturamento e não para o atendimento humanizado que o ser humano tanto precisa nos momentos difíceis.

O fato é que nem Adam Smith, nem Hayek, nem qualquer outro grande economista concluiu que a economia seria capaz de resolver todos os problemas humanos. Ou seja, um serviço de saúde não pode ser administrado igual a uma linha de produção de uma fábrica ou uma rede de lanchonetes.

Quais são os caminhos para otimizar e humanizar a consulta, melhorar a assistência e a autogestão da saúde?

Para otimizar e humanizar as consultas por médicos e profissionais, é necessário dar tempo aos pacientes para que possam apresentar suas queixas e expressar todos os aspectos que envolvem suas doenças, suas angústias e o impacto dos sintomas sobre suas vidas. É necessário oferecer uma atenção genuinamente interessada não na doença, mas no doente que apresenta uma doença. Centrar a mente no doente como um todo e não tecnicamente na doença do paciente.

O paciente, por sua vez, pode participar desse processo de otimização da consulta por meio do interesse em informação de saúde e organizando em anotação seu histórico pessoal e familiar de doenças prévias, cirurgias feitas, alergias medicamentosas apresentadas e uma linha do tempo do aparecimento de seus sintomas, incluindo como eles se comportaram até o dia da consulta. Outro ponto importante é jamais deixar de levar exames já feitos e receitas anteriores e medicamentos em uso. Essa organização preparada para a consulta otimiza seu tempo, evita desinformação de esquecimentos normais e evita exames desnecessários e tratamentos equivocados.

Quais sãos as consequências de uma medicina humanizada?

A medicina humanizada é um retorno à medicina como praticada no passado e resulta em satisfação para o paciente e seus familiares, melhor relação médico-paciente e melhores resultados para a saúde de pacientes e dos próprios profissionais de saúde. É preciso refletir sobre o que estamos aceitando e o que estamos fazendo.