Destacamos como interessante o luto e morte se presentificar como rituais culturalmente estabelecidos, quer seja com tons melancólicos, como o Dia de Finados em nossa cultura brasileira, quer seja com ares de festa, como o Dia de los Muertos (Dia dos Mortos), que para a cultura mexicana é um dia de celebrações festivas para lembrança dos que morreram. No caso da sociedade brasileira, falar sobre a morte ainda é um tabu, uma interdição e pode ser algo muito desconfortável, principalmente para as gerações mais próximas do término da longevidade instituída no país, que atualmente é 79,9 anos segundo o IBGE (IBGE, 2020).

A relação existencial com o morrer

Muitas pessoas se recusam inclusive a falar a palavra “morte” ou mesmo usar roupas na cor preta, por ser a marca registrada do morrer presente nos rituais fúnebres e sepultamento. Percebemos também certo distanciamento desses rituais pelas gerações mais jovens, que expressam, por vezes, descrédito no valor social deste ato, bem como uma aversão a participar desses rituais. Na atualidade, observa-se, ainda, uma banalização da morte, quando ela é celebrada como um movimento de retorno ao seu Criador, Deus, como no caso dos “Dançarinos do Caixão” do país Gana, que viralizaram na Internet e viraram meme durante a pandemia da Covid-19. Isso nos mostra outras possibilidades de relação existencial do ser com o morrer. Essas novas tendências do lidar com a morte e o morrer parecem enunciar também outra maneira de nos distanciarmos cada vez mais da morte e negarmos o poder de transformação que ela pode ter. Mas insistimos que é por meio da morte que podemos perceber o real valor da vida e permite, como diz Frankl, eternizarmos nossa existência (Frankl, 2005).

A importância do luto

É possível constatar que as sociedades se organizam simbolicamente de maneiras muito diferentes para lidar com o corpo morto e tornar concreta a finitude da existência. Geralmente, essas formas são compartilhadas em rituais de despedida, mais ou menos fúnebres (na concepção negativa da palavra). Compartilhar o sofrer quase inevitável da perda física de um ente querido ocupa um lugar importante na vivência do luto, processo psíquico, de cunho subjetivo e simbólico, muito importante para elaborar a perda e ausência do outro de forma a não sucumbir a um adoecimento psíquico. É natural e esperado a vivência do luto, que terá duração variável, mas que por vezes pode ser mais difícil que o habitual, o que tem sido chamado de “luto complicado”.

O luto é um processo necessário de elaboração simbólica e psíquica das perdas ao longo da vida e quando não é devidamente investido simbólica e afetivamente pode levar a perda do sentido de vida e ao vazio existencial. Logo, é importante cuidar para que as pessoas possam compreender a necessidade e importância do luto. Para isso, propomos olhar para os rituais fúnebres ou de transição existencial, como insistimos em nomear, como ferramentas que podem ajudar o ser a não lograr a importância do luto na sua transformação e auto transcendência.

E MAIS…

O luto para qualquer perda significativa da vida

Os rituais fúnebres auxiliam no processo de luto e podem ajudar que o sofrimento pelo enlutamento tenha um destino não patológico. Porém, entendemos que esses rituais não deveriam ser exclusivos aos casos de morte física. Propomos que eles sejam entendidos também como um momento de start do processo de luto por qualquer perda significativa da vida, como a perda de um emprego ou mesmo de um status e papel social, como no caso do nascimento em que todos os envolvidos perdem e ganham pela chegada da Sua Majestade o Bebê” (leia artigo publicado neste Portal intitulado Os significados do princípio e do fim).

REFERÊNCIAS:
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
Frankl, V. E. (1978). Fundamentos antropológicos da psicoterapia (R. Bittencourt, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
Frankl, V. E. (2011). A vontade de sentido: Fundamentos e aplicações da logoterapia. São Paulo: Paulus. (Original publicado em 1969).
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2020). Expectativa de vida dos brasileiros aumenta para 76,3 anos em 2018. Disponível em: https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/26103-expectativa-de-vida-dos-brasileiros-aumenta-para-76-3-anos-em-2018.html
Roudinesco, E. (2004). A Família em Desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.