Os filhos, em geral, percebem o cheiro da ausência, o eco das despedidas, e sentem na pele aquilo que nem sempre é dito, que o amor, às vezes, também se separa.
Conversar com os filhos sobre a separação também é muito doloroso, mas é uma conversa para escutá-los e para informar o que eles provavelmente já percebiam, mas ainda não lhes tinha sido dito. Mudanças irão acontecer. Será preciso ajustar a nova vida.
Estruturas emocionais
O divórcio é, sem dúvida, uma experiência que atravessa e reorganiza as estruturas emocionais de uma família. Quando casais se separam, a ruptura não se dá apenas no contrato social, mas também na tessitura simbólica que sustentava o núcleo familiar.
Para os filhos, esse movimento costuma ser vivido com angústia, medo e, muitas vezes, fantasias de perda e abandono. Para os pais, o desmoronamento de um projeto.
Diante de tudo isso, surge uma questão sensível, porém fundamental: qual é o impacto para os filhos quando seus pais escolhem, após o divórcio, refazer sua vida amorosa?
Perdas e rupturas
Na perspectiva psicanalítica, o sujeito se constitui na relação com o desejo do Outro. O desejo, aqui, não se refere simplesmente à vontade ou a uma busca por prazer, mas àquilo que move o sujeito em sua existência, àquilo que lhe dá sentido.
Quando os pais se autorizam a desejar, no amor, na vida, nas relações, transmitem aos filhos uma lição fundamental: a vida continua, o desejo é pulsante, e é possível e saudável reconstruir-se após perdas e rupturas.
E então, surgem mais perguntas, aquelas escondidas nos cantos da alma: “É certo, é possível, é justo, que meus pais voltem a amar outra pessoa?”
A psicanálise, que ouve o que está nas entrelinhas do que é dito, responde com doçura e verdade: Sim. É não só possível, como profundamente necessário.
Permanecer estagnado, identificado exclusivamente ao lugar de “mãe” ou “pai”, renunciando à possibilidade de viver novas experiências amorosas, pode, muitas vezes de maneira inconsciente, transmitir aos filhos mensagens que reforçam culpas, medos ou fantasias de que eles seriam responsáveis pela solidão dos pais.
Reorganização afetiva
Para uma criança, ou até mesmo para um adolescente, observar que seus pais podem se reorganizar afetivamente, reencontrar parceiros, reconstruir vínculos, é uma vivência que promove uma elaboração saudável da castração simbólica: o entendimento de que os pais não existem exclusivamente para os filhos, de que eles têm uma vida pulsante fora da parentalidade.
Esse reconhecimento é fundamental no processo de diferenciação psíquica, no descolamento saudável da simbiose infantil, possibilitando que os filhos também aprendam, futuramente, a lidar com frustrações, perdas e recomeços.
Sentimentos ambíguos
Quando um dos pais se mantém rigidamente identificado ao papel de “mártir do divórcio”, não se permitindo amar novamente, corre-se o risco de gerar, nos filhos, sentimentos ambíguos:
• Culpa inconsciente, como se a felicidade do pai ou da mãe estivesse condicionada a eles.
• Ansiedade diante da percepção (frequentemente não verbalizada) de que aquele pai ou mãe permanece estagnado no sofrimento.
• Dificuldade futura de elaborar perdas e separações nas próprias relações amorosas, já que o modelo observado foi de não reelaboração, de congelamento do luto, dificuldade deles próprios se separarem dos pais para construírem a própria vida, entre outros.
Ao se abrirem novamente para o amor, os pais não estão simplesmente buscando satisfação pessoal, embora isso também seja legítimo, mas estão, sobretudo, transmitindo aos filhos uma verdade psíquica: o desejo é o que sustenta a vida. E a vida, inevitavelmente, é feita de ciclos, de encerramentos e de recomeços.
Essa vivência ajuda os filhos a internalizarem que é possível atravessar dores, elaborar frustrações e ainda assim encontrar sentido, alegria e amor em novas formas, em novos encontros.
É claro que essa reconstrução deve ser feita com responsabilidade afetiva e sem pressa de ocupar o espaço que ficou vazio. Os filhos jamais devem ser usados como confidentes dos pais, nem colocados em posições que os tornem árbitros, julgadores ou substitutos emocionais. Aqui, cabe ao adulto sustentar sua posição subjetiva: ser pai ou mãe, e também ser sujeito desejante.
Tempos psíquicos
O processo exige comunicação, escuta, respeito aos tempos psíquicos de todos os envolvidos e, sempre que possível, a busca por espaços de elaboração, seja na psicanálise, na terapia ou em práticas reflexivas que permitam atravessar o luto da separação de forma íntegra.
Quando um pai ou uma mãe se permite amar de novo, não está negando sua história, nem rejeitando a dor que ficou. Está, antes de tudo, ensinando, não só com palavras, mas com o corpo e com o gesto, que a vida não acaba na perda, nem no luto.
Que o amor não é um objeto finito, não se esgota, não tem dono nem prazo de validade. O amor muda de forma. Se refaz. Se reinventa.