O Dia das Mães originou-se em 1905, em uma tentativa da filha da ativista social norte-americana Ann Marie Reeves Jarvis, para homenagear o papel da figura materna nas famílias, logo após o falecimento da mãe.

Em 1910, a data tornou-se oficial. Anna Jarvis consagrou Ann como a responsável pela existência da data comemorativa do segundo domingo de maio.

Mas é impossível falar em maternidade sem falar na luta de igualdade de gênero pelos direitos civis, domésticos e sociais da mulher no mundo feito e dominado pelo patriarcado.

Acredito que ao invés de nós, mães, sentarmo-nos em uma mesa bem-posta e celebramos o “dia das mães”, deveríamos ir às ruas em uma paralisação pela exigência da paternidade integral – a responsabilidade dos pais na criação, educação e apoio emocional dos filhos.

Assim, poderíamos ter um “dia das mães” não como uma celebração, mas como um ato político da conscientização da falta paterna e seus devidos danos na vida das de incontáveis filhos.

É evidente mencionar que a maternidade foi vista, na psicanálise freudiana, como algo inerente à feminilidade. Contudo, não há como falar de maternidade sem falar da luta histórica feminista.

O feminismo teve, ao longo do seu decorrer histórico, três ondas. A primeira surgiu em meados do século XIX, na qual as feministas reivindicaram os direitos trabalhistas e a criação da licença maternidade.

E, também, as lutas aos direitos reprodutivos e familiares – aborto e divórcio. Entretanto, essa luta estava, diretamente, ligada à garantia da maternidade. O que parecia bastante revolucionário para a época.

No entanto, foi a partir da publicação do livro da feminista Simone de Beauvoir “O segundo sexo” que se iniciou um movimento de reinvindicação do inatismo freudiano com relação à mulher e aos seus devidos papéis sociais. Essa foi a segunda onda histórica do feminismo, em 1949.

Dessa forma, houve, no feminismo do fim do século XIX, o abandono de ideias igualitárias e o surgimento de questões denominadas por Vásquez (2014, p, 175) de “politização das questões privadas.

Ou seja, a maternidade foi apontada, nas questões feministas de Beauvoir, como defesa de ideias conservadoras da moral e dos bons costumes.

Desse modo, questões relacionadas à liberdade sexual feminina e das práticas de contracepção e do aborto foram problematizadas e teorizadas pela grande feminista francesa. Aquém, surgem abordagens acerca da autonomia máxima da mulher sobre o próprio corpo.

Culpa nossa?

Há cerca de uma década, eu ouvi de um amigo próximo, numa tarde ensolarada de janeiro, um sábado, enquanto bebíamos em uma roda de amigos, a seguinte frase: “As maiores culpadas pelo machismo são as mulheres. Elas têm a oportunidade de mudar o mundo, porque são elas, que criam e educam os filhos”.

Estávamos na minha casa, éramos cerca de 12 pessoas, dentre elas o meu então marido e, maioritariamente, homens gays, com exceção de duas amigas.

Logo, uma discussão acerca da fala absurdamente machista formou-se e, eu me senti demasiadamente agredida. Contudo, não pude entrar na discussão.

Talvez por falta de embasamento, ou pelo impacto de ouvir um enunciado tão agressor do único filho homossexual de uma mãe solteira, nascida em uma família socialmente miserável, que ascendeu socialmente, antes que o seu eterno bebê machista nascesse. Isso se deu graças a sua luta e resistência de poder, no meio de uma família de 11 filhos.

Em síntese, o que ficou explicito para mim, naquela tarde de verão, foi a seguinte pergunta: por que não respondi àquele ataque? Não era só pelo fato de não ter tido embasamento teórico.

Prioritariamente, porque não queria chocar aquele amigo e tantos outros que compartilhavam o mesmo discurso, dentro da minha casa. Foi uma etiqueta que aprendi com a minha mãe semianalfabeta – “nunca maltrate um convidado dentro da sua casa”. Ademais, cresci sendo a filha temporã e caçula, no meio de 13 irmãos. Decidi que nunca seria mãe, aos nove anos, quando presenciei uma irmã a amamentar a minha primeira sobrinha. Mas a razão de eu não querer nunca ser mãe ficou explicitada para mim, naquela tarde de sábado.

Ali, pude compreender que a maternidade é, socialmente, uma obrigação perpétua e esmagadora do ser mulher, em uma sociedade historicamente patriarcal. Só assim a leitura de “O segundo sexo”, na adolescência, começou a fazer um sentido muito apropriado na minha concepção do que é ser mulher, em um mundo construído para os homens e sustentado pela nossa carga de fêmeas reprodutoras – a dominação do masculino sobre o feminino.

O inatismo que ligava às mulheres à maternidade, em uma condição necessária no reconhecimento social, sofreu a consequência da constatação da relação hierárquica mulher-homem, resultando em movimentos na luta política para obter o direito à pílula e ao aborto, em 1970.

A causa dessa luta era a conscientização das mulheres e o seu empoderamento sobre a escolha da maternidade, e não a imposição desta – “uma criança se eu quiser e quando eu quiser” (Scavone, 2001).

As críticas de Beauvoir trouxeram a possibilidade de ampliação da identidade do feminino e a descentralização da maternidade como única probabilidade de realização pessoal. Esse movimento feminista histórico ficou conhecido como “feminismo radical” (Vásquez, 2014).

Entretanto, é de extrema relevância ressaltar que, ainda nos dias atuais, as mulheres são suprimidas em um senso de inferioridade em relação aos homens. Contudo, esse discurso de supremacia do poder e de quem pode contê-lo é vulgarmente ainda adotado por algumas mulheres.

Parte-se do princípio de que falar em maternidade é, indiscutivelmente, falar em feminismo. Portanto, em analogia à fala de Angela Davis acerca do racismo, poderíamos dizer que para que haja um movimento supremo feminista é necessário que as mulheres se unam, em um embasamento feminista, e sejam antimachistas, não só politicamente, mas, sobretudo, dentro dos seus lares cotidianamente.

Peso duplo na gravidez

A maternidade, completamente contrária à paternidade, é algo demasiadamente árduo. A ponto que essa é uma escolha, e aquela ainda uma imposição social eterna.  Mesmo as mães que abandonaram filhos recém-nascidos jamais poderão se libertar de uma marca eterna: “responsabilidade perpétua”.

Como já disse, nunca quis ser mãe. E, no meio de um casamento de 19 anos, tive uma gravidez completamente acidental. Lembro-me com certa angústia o quanto a gravidez foi difícil. Ouvi a vida inteira de mães próximas a mim: “a gravidez foi a melhor fase que eu já tive”; “nunca tinha experimentado um amor tão grande e genuíno”; “sem conhecer o meu filho, já sentia tudo isso por ele” e “o meu maior sonho era ver o rostinho do maior amor da minha vida”. 

Essas palavras foram causando em mim um pavor angustiante. Tremia só de pensar que não amava aquele ser que estava em meu útero e que me causava tantos incômodos.

Apesar de eu ter tido uma gravidez saudável fisicamente, virei um poço de ansiedade e depressão. Atolada de traduções e estudos, o que me ajudou muito, eu não dormia. Achava-me a pior pessoa do mundo, perguntando-me “cadê aquele amor genuíno?”. 

Então comentei com uma amiga distante acerca de todos esses meus pesadelos reais e ela me disse: “cuidado, hein, rejeição causa autismo”. Aquilo me massacrou de uma forma tão desumana, mas senti, também, a certeza de que não queria que o meu filho fosse o sentido da minha vida. Isso é uma carga demasiadamente absurda para colocar sobre um bebê que pesa menos de quatro quilos ao vir ao mundo.

Descobri, naquele momento, que não queria, de forma alguma, ser “a boa mãe comum” de Freud. Pois as mães sentem-se tão afobadas de imposições sociais, de forma a esquecerem-se de que é simplesmente impossível ser a mãe perfeita, dada a nossa condição de seres humanos.

Historicamente, os grandes ditadores e assassinos em massa foram filhos idolatrados pelas mães. O próprio Hitler, como o autor Roald Dahl ilustra no seu conto “Genesis and catastrophe”, foi um desses filhos genuinamente amados desde a fase inicial da gravidez da mãe.

Tendo sido ela o único amor genuíno do maior ditador nazista da história do ocidente. Adolf Hitler foi um filho altamente desejado de uma mulher em um casamento sucumbido pelo machismo e alcoolismo do marido – o sentido da vida dela.

Nós, mulheres, temos que nos apoiar e nos unirmos como os homens se unem. Só assim haverá fatidicamente uma revolução feminista, na qual o tido como “feminismo radical” fará, de fato, diferença na subjetividade feminina. “Se estamos interessadas em compreender e recusar a opressão da mulher, não podemos nos dar ao luxo de negligenciá-las” (Mitchell, 1979).

A mulher sempre foi resumida ao seu papel doméstico – casamento e filhos. Que esse seja um discurso patriarcal hierarquizado, posso compreender, dado ao fato de os homens estarem, historicamente, em um lugar de hierarquia e domínio dos seus devidos poderes políticos, sociais e domésticos. Porém, é demasiadamente massacrante ver as mulheres atribuindo o discurso patriarcal às suas filosofias de vida. Adquirir o discurso do opressor não nos torna em não oprimidas.

Não seremos incompletas por não nos tornar esposas e mulheres. Porém, seremos eternamente vazias se vivermos em um sonho do casamento perfeito – o homem como príncipe encantado.

A realização pessoal vem, unicamente, da profissional, sejamos nós homens ou mulheres. Pois as genitálias e os órgãos de um ser humano não determinam os anseios da sua alma. Mas, no caso das mulheres, elas determinam a sua luta infindável na desconstrução do que é “ser”, para “torna-se”, como aponta Simone de Beauvoir.

Vulnerabilidade social

Eu, mulher negra, como mãe de um menino branco, não poderia deixar de vangloriar a luta do que foi tida como a terceira onda de feminismo (1990) e reconhecer a importância das mulheres negras, como bell hoocks, na formação do que é conhecido como, no mundo contemporâneo, por feminismos plurais.

De forma que se torna impossível, sendo uma intelectual negra, ignorar o que é a maternidade na vida de tantas mulheres em situação de extrema vulnerabilidade. É nessa vulnerabilidade social que o machismo se faz, fortemente, presente e destruidor. Feminicídio, agressão doméstica, total abandono da paternidade.

Quantos por cento dos cidadãos brasileiros possuem um asterisco no lugar do nome paterno? E quantos, mesmo se dando ao luxo do reconhecimento na certidão de nascimento, têm fatidicamente um pai com o qual possa falar de medos, fraquezas, conquistas? O que significa a pensão alimentícia na subjetividade de um ser?

Em síntese, mesmo vendo inúmeras falhas nas teorias freudianas acerca da maternidade, devo ser extremamente grata. Pois foi em uma psicanalista freudiana que tive realmente suporte emocional para sobreviver à gravidez dentro da minha alma feminina, sem traumas profundos.

E penso que, graças ao meu privilégio de mulher negra em ascensão social, pude escapar de levar tatuada na alma a seguinte frase: “Os maiores traumas de um filho vêm das mães”. Não! Tendo a oportunidade privilegiada de aprofundar-me em teorias acerca da maternidade, posso afirmar, com embasamento e propriedade, que os maiores traumas de um filho vêm da santificação imposta socialmente às mães.

E, para superá-los, é necessário que haja um desaprender coletivo do que é ser mulher, mãe e esposa. no mundo patriarcal. Dessa forma, poderemos nos sentirmos capazes da escolha da maternidade sem sucumbir nessa severa sociedade machista.

Referências
Mitchell, J. (1979). Psicanálise e feminismo: Freud, Reich, Laing e mulheres. Belo Horizonte: Interlivros.
Narvaz, M. G.;  Koller, S. H. (2006). Metodologias feministas e estudos de gênero: articulando a pesquisa, clínica e política. Psicologia em Estudo11(3), 647-654.
Scavone, L. (2001). A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu (16), 137-150.          
Vasquez, G. (2014). Maternidade e feminismo: notas sobre uma relação plural. Revista Trilhas da História3(6), 167-181.
Dahl, R. Genesis and Catastrophe. https://letras.cabaladada.org/letras/genesis_catastrophe.pdf. Acessado em 06/052023.