Mesmo antes de ser diagnosticada com lúpus, aos 13 anos, em plena adolescência, eu era intimidada na escola por ser tímida e “nerd”. Comecei a ter febre, dores nas articulações e manchas vermelhas no rosto e, além de tudo o que me chamavam, eu passei a ser estranha e doente também.

Lúpus é uma doença autoimune inflamatória e crônica, que afeta os anticorpos. Ou seja, o que deveria te proteger, age contra você. E é com essa vulnerabilidade que vivem muitos pacientes (inclusive eu). Este texto é sobre o meu processo vivendo com Lúpus há 17 anos, e sobre a minha crise mais recente e mais perigosa, que afetou o coração e os dois pulmões.

Vida real

Por ter Lúpus há muito tempo (descobri aos 13, hoje tenho 30 anos), eu achava que o conhecia. Mas a verdade é que ele é imprevisível – e ataca como um lobo, como o próprio nome da doença sugere: Lúpus vem do latim e significa “lobo”, porque a mancha vermelha característica dos portadores lembravam as manchas de algumas espécies de lobo.

E o fator psicológico influencia muito – isso é comprovado pela medicina. Meu médico reumatologista já dizia: “Seu psicológico tanto pode funcionar como  gatilho para início da doença, quanto piorar o quadro dela e interferir no tratamento”.

A tal mancha acabou ficando mais conhecida por “asa de borboleta” e, na minha opinião, é bem mais coerente. Tanto pelo formato, que lembra de fato as asas de uma borboleta abertas, quanto pela simbologia; a borboleta é um inseto frágil, recluso em casulo, mas, ao mesmo tempo, cheio de cor, de vida, e que tem ânsia por alçar voos mais altos. E muitas pacientes se definem como borboletas.

Meu diagnóstico foi bastante demorado e intenso, pela falta de informação relacionada ao Lúpus que havia na época (estamos falando de 2007).  Junto com a descoberta, vi minha vida mudar de cabeça para baixo! Precisava evitar tomar sol, me alimentar melhor, fazer exercícios. Comecei a tomar corticoide, que me deixou bastante inchada e foi um prato cheio para o bullying que eu já sofria se intensificar.

A notícia sobre a minha doença se espalhou pela escola, e me lembro que a primeira fala veio de uma colega, que chegou de repente e simplesmente perguntou: “É verdade que você vai morrer?”.

Cada dia uma luta

Na época isso me parecia um tanto quanto absurdo. Mas, depois da minha última crise (a terceira, no total, em 17 anos), eu já não sei mais. Quando se tem Lúpus, a gente nunca sabe como vai acordar no dia seguinte.

Era 22 de fevereiro do ano passado, exatos quatro dias depois do meu aniversário. Estava em casa, cansada, recém-chegada de viagem. Minha respiração falhou às 5h da manhã e eu levantei num impulso. Nunca tinha sentido isso na vida!

Fui ao hospital, e um raio-x revelou que eu estava com derrame pleural e pericárdico – meus dois pulmões e o coração estavam com acúmulo de líquido, o que impedia a respiração e colocava meu coração em risco de parar de funcionar. Foi simplesmente desesperador. Fui internada logo em seguida, e precisei usar oxigênio.

Daí para os dois piores meses da minha vida. Foram dois meses de internação, muitos exames, febre todos os dias por um mês e meio. Precisei drenar pulmões e coração, receber transfusão de sangue.

Cada dia era uma luta, e a sensação era de lutar com uma venda nos olhos. Enquanto em alguns dias eu parecia melhorar, em outros o líquido se multiplicava pelos meus pulmões e uma nova preocupação surgia. Eu era uma incógnita para médicos e familiares.

Me veio à mente tudo aquilo que não fiz. O cargo de gerência que ainda não alcancei. O pastel com caldo de cana que não podia comer. Os amigos que não vi. O mestrado no exterior que nunca cursei. O fato de eu ainda não ter conseguido dar uma vida melhor para a minha família. Tanta coisa!

Nasci de novo

Queria muito poder dizer que sim, mas eu não fui capaz de ser positiva todos os dias. O que me salvou foi a fé da minha mãe, o cuidado da minha família, e o apoio dos meus amigos e companheiros de quarto. Um, em especial, era um estudante de medicina que veio do Congo, e passava todas as sextas-feiras à tarde no quarto 311 para me dar esperança, com palavras doces e um sotaque francês. Sempre me animava! Ele estava estudando para ser cardiologista, e, inclusive, não duvido que será o melhor e mais humano de todos.

No final, os médicos testaram um medicamento mais potente utilizado para o Lúpus em casos graves, e comecei a melhorar aos poucos, depois de um mês e meio. Abandonei o oxigênio, tirei os drenos. O cansaço continua, meu corpo nunca mais foi o mesmo, mas não posso negar que nasci de novo.

Também não posso dizer que não aprendi a ser grata e a reconhecer, pela primeira vez, tudo o que fiz de bom. Minha representatividade em conferências de empoderamento feminino e sustentabilidade, minhas reportagens sobre impacto social. O tanto que estudei e trabalhei em projetos legais nessa vida!

Em muitos anos de correria no trabalho, parei para reconhecer os meus progressos. Confesso que era um tanto workaholic; estava sempre a galgar o próximo passo e esquecia do presente. E isso foi o que mais aprendi sobre mim durante essa “experiência”: eu fiz o que pude. Continuo sempre fazendo o que posso, e isso é suficiente.

Viver é mais urgente

Sou jornalista para acabar com a falta de informação, escrevo para equilibrar os sentimentos, e sonho porque acredito. Me priorizei e aprendi a me cuidar. Já viajei sozinha para 14 países e representei algumas vozes silenciadas em conferências internacionais.

É possível se cuidar e se adaptar de acordo com as suas necessidades, ainda que isso exija uma autodisciplina. Mas viver é mais urgente que qualquer procrastinação.

Então, ouso aqui deixar umas palavras de motivação àqueles que enfrentam a batalha discreta de conviver com uma doença (autoimune ou não): que as palavras possam ser força necessária para continuar sendo quem se é.

Às famílias, amigos, companheiros(as) que apoiam quem tem uma comorbidade, aos eternos esperançosos, e às borboletas que desejam continuar voando.