Quais filmes adolescentes fazem um enorme sucesso nós já sabemos, mas uma das tramas mais lembradas dos anos 2000, com certeza, é “Meninas malvadas” e os desafios do colégio. Caso você não se lembre, na história, acompanhamos Cady (Lindsay Lohan), uma menina que teve aulas em casa enquanto morava na África com seus pais. Após se mudarem para os Estados Unidos, ela começa a frequentar a escola pública e recebe uma rápida introdução às leis de popularidade que dividem seus colegas, se metendo em vinganças e uma espiral de incertezas, fingimentos e solidão.

Após (re)assistir ao filme, uma lâmpada se acendeu em minha cabeça com a ideia de utilizar a terapia de aceitação e compromisso (ACT, pronunciada como uma palavra única, do inglês acceptance and commitment therapy) com a protagonista. Mas como faríamos isso?

O filme foca principalmente na dinâmica de poder entre os alunos, especialmente as meninas populares, lideradas por Regina George (Rachel McAdams) e seu grupo, as plastics, que dominam a escola com a aparência impecável, fofocas e manipulação psicológica. Cady, inicialmente, era uma aluna distante e ingênua, até que começa a se envolver e a se transformar em alguém irreconhecível para si mesma à medida que se infiltra no grupo e começa a absorver os comportamentos de suas novas amigas.

O enredo tem uma “mistura de mundos”, em que a protagonista não entende as regras implícitas do grupo e precisa se adaptar, se perdendo um pouco nesse mundo de superficialidade e jogos de poder. No entanto, há uma virada quando Cady percebe o quanto está se distanciando de sua verdadeira essência e de quem ela realmente é, o que leva a um processo de autodescoberta.

Identidade

Na trama, Cady passa a ser a nova menina má da escola, “roubando” o lugar de Regina após tramar inúmeras armadilhas para ela perder o namorado, as amigas e o corpo perfeito. Quando consegue o que deseja, Cady se torna pior que o antigo grupo, tratando mal inclusive aqueles que a acolherem e se tornaram seus amigos no início, até que Regina decide se vingar estragando por completo não só a imagem que Cady construiu, mas todos os segredos e amizades da escola.

Embora o enredo principal gire em torno das rivalidades típicas do ensino médio, o filme também explora a ideia de identidade e a pressão para se conformar, além das complexas relações de amizade entre meninas. As situações cômicas e os diálogos memoráveis ajudam a manter o filme leve, enquanto, ao mesmo tempo, sublinha as tensões que existem nos grupos sociais da adolescência.

Nova visão

A terapia de aceitação e compromisso irá trazer uma nova visão para lidar com a dor e o sofrimento. Os seres humanos lidam com diferentes tipos de dor, lutam contra essas dores, se preocupam… A ACT nos convida a viver uma mudança de perspectiva. Ao nos deparamos com problemas, temos a tendência de buscar a solução. O problema é quando usamos esse mesmo padrão em nossas experiências internas e nos frustramos ao não encontrar a solução para os momentos dolorosos. A ACT não propõe eliminar a dor, mas tem foco em como lidamos com ela, e o seu nome já diz tudo, é uma terapia baseada na aceitação da experiência e no comprometimento com seus valores, buscando criar maior flexibilidade cognitiva.

Inflexibilidade

Para a ACT, o principal motivo para infelicidade é a inflexibilidade. No filme, Cady demonstra uma inflexibilidade psicológica quando se convence de que precisa “derrubar” Regina George a todo custo para poder finalmente alcançar a popularidade e ter o status social que deseja. Esse comportamento fica evidente quando Cady, já completamente imersa no mundo das plastics, começa a planejar a queda de Regina de maneira obsessiva, estando distante de seus valores, agindo de acordo com a evitação experiencial e imersa na fusão cognitiva. Mas o que são esses conceitos?

Evitação experiencial: é a tentativa de evitar ou suprimir pensamentos, sentimentos e emoções desconfortáveis em vez de enfrentá-los de maneira aberta e consciente.

Fusão cognitiva: é o processo pelo qual uma pessoa se “funde” com seus pensamentos a ponto de acreditar que eles definem sua realidade ou identidade.

Falta de contato com seus valores: acontece quando uma pessoa se distancia de suas próprias crenças fundamentais e começa a agir de maneira descompassada com o que realmente importa para ela.

Inação, impulsividade ou evitação persistente: se referem a comportamentos disfuncionais que surgem quando uma pessoa evita tomar ações baseadas em seus valores ou age sem considerar as consequências emocionais.

Atenção inflexível: processo no qual uma pessoa se concentra de forma rígida e excessiva em um pensamento, uma emoção ou um objetivo, tornando-se incapaz de perceber a experiência completa e as alternativas disponíveis.

Apego ao eu conceitualizando: quando a pessoa se apega rigidamente a uma identidade ou imagem de si mesma como se essa fosse a única maneira de ser e de se relacionar com o mundo, o que impede a flexibilidade emocional e comportamental.

Esses são os seis processos que geram a inflexibilidade cognitiva, a maior causadora de sofrimento.

Flexibilidade

Mas como podemos viver a vida plena e feliz de acordo com os nossos valores? Quais processos devem estar alinhados com nossa vida? A flexibilidade cognitiva age com seis processos terapêuticos centrais, que são:

Aceitação: é a alternativa à evitação experiencial, se refere à habilidade de estar presente e experimentar as emoções, os pensamentos e as sensações que surgem sem tentar controlá-los, evitá-los ou se prender a eles.

Desfusão: refere-se à prática de se desvincular ou se distanciar de nossos pensamentos de modo que eles não controlem nosso comportamento ou nos definam como pessoas, sendo apenas eventos mentais.

Tomada de perspectiva flexível: esse processo envolve a capacidade de se distanciar de uma visão rígida de si mesmo e do mundo para que se possa ver as situações e os pensamentos de diferentes ângulos e, assim, fazer escolhas mais conscientes e alinhadas com os valores em vez de reagir de maneira automática e limitada.

Ação comprometida: envolve a prática de tomar ações consistentes com o que realmente importa para você mesmo quando há desconforto, dificuldades ou distrações internas (como pensamentos e emoções difíceis).

Valores: eles são a base para a ação comprometida e orientam as escolhas e os comportamentos de forma a garantir que vivamos uma vida mais alinhada com o que realmente importa para nós em vez de ser guiados por impulsos, medos ou distrações. São descritos como direções ou qualidades de ação que orientam a maneira como desejamos viver. Eles representam o que é mais importante para nós, não em termos de objetivos concretos ou resultados específicos, mas como a forma de viver que queremos alcançar em diferentes áreas da vida.

Atenção flexível ao presente: significa ser capaz de observar e vivenciar o momento atual sem se perder em ruminações passadas ou preocupações futuras e também sem se fixar rigidamente em um único pensamento, sensação ou percepção. É a capacidade de estar consciente de suas experiências internas e externas de uma maneira aberta e sem julgamento, permitindo que essas experiências venham e vão sem que você se envolva excessivamente com elas.

Aceitação

No início do filme, Cady está imersa em um ambiente desconhecido, provocando insegurança e ansiedade, que são naturais, mas ela tenta evitá-los, acreditando que, para ser aceita, precisa se encaixar nas expectativas dos outros. A primeira grande mudança que a ACT poderia proporcionar a ela é o processo de aceitação. Em vez de tentar suprimir ou fugir desses sentimentos de inadequação e ansiedade, poderia aprender a aceitá-los como parte de sua experiência humana.

Ao longo da trama, Cady se identifica fortemente com os pensamentos que tem sobre si mesma e sobre os outros. Por exemplo, ela começa a acreditar que precisa ser cruel, manipuladora ou “plástica” para ser aceita e amada. Esses pensamentos, como “eu não sou popular o suficiente” ou “eu preciso ser como elas para ser aceita”, acabam influenciando suas escolhas e seus comportamentos.

A ACT ensinaria a protagonista a se distanciar desses pensamentos, percebendo-os como eventos mentais passageiros, e não como verdades absolutas sobre quem ela é. A adolescente aprenderia que os pensamentos não têm poder sobre ela a não ser o poder que ela dá a eles. Além disso, o conceito de atenção flexível ao presente poderia ajudar a se reconectar consigo mesma.

Ação comprometida

Outro aspecto importante da ACT é a ação comprometida com base em valores. Cady, no início, age de maneira contrária aos seus valores autênticos, buscando aprovação de forma desesperada, muitas vezes mentindo, manipulando e prejudicando os outros no processo. No entanto, ao identificar o que realmente importa para ela – como amizade, honestidade e respeito –, poderia começar a tomar ações que estão mais alinhadas com esses valores.

Por fim, o conceito de eu observador pode ser particularmente útil para Cady. Ao longo do filme, ela se perde nos papéis que assume: a nerd que é invisível e a plastic que se encaixa nas expectativas dos outros. Isso a faz se sentir desconectada de quem ela realmente é. O eu observador, um dos conceitos centrais da ACT, ensina a pessoa a se distanciar dessas identificações e ver seus pensamentos e suas emoções como algo passageiro, não como uma definição do que ela é.

Com esses princípios da ACT, Cady poderia, ao longo da história, superar os desafios que enfrenta com mais autoconhecimento e flexibilidade psicológica. Ela aprenderia a lidar com suas emoções de maneira mais saudável, a questionar pensamentos e crenças limitantes, a viver no momento presente e a tomar decisões alinhadas com seus valores.

Quer aprender mais sobre ACT? Confira os livros Terapia de aceitação e compromisso, Saia da sua mente e entre na sua vida: a nova terapia de aceitação e compromisso e Aprendendo ACT: manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas, publicados pela Sinopsys Editora, para compreender melhor essa abordagem e viver de acordo com seus valores.