É corrente o paciente no divã, depois de uma semana ruim com seu idoso, confessar que pensou/desejou ou até sonhou com a morte do mesmo e se sentiu feliz e aliviado num primeiro momento, mas agora se mostra assustado com tais pensamentos e se enche de culpa por isso. Como querer que seu pai ou mãe morram se os ama tanto?
Cabe ao analista esclarecer-lhe que querer a morte de alguém, na maioria das vezes, é apenas o desejo de extinguir o problema que lhe parece sem solução naquele momento e não a vontade de ver o outro morto na literalidade.
O carinho com o familiar idoso
É comum encontrarmos em cada família um idoso que requer cuidados, afinal o tempo médio de vida tem se prolongado.
Essa situação traz uma série de questionamentos, tal como determinar qual o momento correto para efetivamente passar a cuidar das contas bancárias, dos pagamentos das despesas, da contratação de um assistente ou da colocação numa casa especializada, já que nem sempre a transição é fácil, dado a relutância do idoso em admitir que precisa de ajuda e a indecisão da família que receia se precipitar e reduzir-lhe a autonomia.
Por isso a interlocução entre os familiares quase sempre é fonte de grande estresse e conflitos e tais decisões normalmente são tomadas não de forma preventiva, mas sim quando o idoso adoece ou se machuca com certa gravidade.
Mas não é só. Se o idoso ainda é acometido de uma doença é usual que os familiares entrem em “negação” e levem um bom tempo até aceitarem a sua nova condição. É que já não é fácil encarar a finitude de um pai ou mãe e se aos últimos anos de vida deles somar-se uma doença, aí então a confusão está formada.
Qual a carga que se pode aguentar?
Do ponto de vista de quem toma para si esta tarefa, evidencia-se que este trabalho é mal dimensionado, pois o eleito não faz ideia do que virá pela frente e acaba que normalmente o encargo é muito maior do que o esperado.
Se se tratar de um pai ou uma mãe, muitos são os relatos dos conflitos constantes, com trocas de ofensas de parte a parte. O idoso a ser cuidado também pode ser muito cruel trazendo à tona vários sentimentos (decepções) guardados a respeito daquele (a) filho(a) e a recíproca é verdadeira, ou seja, também os filhos costumam colocar para fora todas as mazelas por eles registradas em relação aos seus pais.
Forma-se uma relação de extrema ambiguidade: amor (sentem falta na ausência do outro) e ódio (querem destruir o outro), chegando em alguns casos até mesmo à agressão física.
Além das “verdades” que são cuspidas pelos envolvidos, trava-se a inevitável batalha diante da troca de papéis, vale dizer, do (a) filho (a) cuidando dos pais. É o (a) filho (a) querendo controlar horários, hábitos e rotinas instaladas há anos pelos pais, determinando-lhes o que e como fazer e estes se indispondo e não aceitando serem “fiscalizados”.
Também é grande a reclamação no tocante às inúmeras demandas do idoso que quer isso ou aquilo, no dia tal e hora x, ou seja, que as coisas se deem como ele está impondo, deixando o outro na condição de estar sempre à sua disposição. O desgaste diário, assim, é enorme.
Psicoterapia para o cuidador
Para sobreviver a tudo isso trago algumas alternativas para evitar o adoecimento daquele a cujos cuidados encontra-se o idoso.
A primeira delas é se submeter a uma terapia, onde poderá colocar toda a dor pela qual está passando, compreender seus sentimentos, ser acolhido, deixar de se sentir “sem saída” e descobrir outras opções.
Não dedicar tempo integral aos cuidados do idoso, guardando para si tempo para olhar para sua própria vida, com trabalho, estudo e, principalmente, lazer, é fundamental, por isso é tão importante o revezamento com outras pessoas (familiares e cuidadores) nessa tarefa. Também, tirar vários períodos, ainda que curtos, de distanciamento do idoso, em pausas saudáveis para desligamento da rotina exaustiva que em geral é instalada. Saber impor limites aos desejos dos idosos, dizer “não” quando preciso, assim como se faz com as crianças, é de suma importância. Reconhecer quando parar, ou seja, admitir quando não tem mais condições de prosseguir com esse encargo, o que é possível quando se está ciente dos próprios limites. Por último, repartir/compartilhar preocupações, decisões com os familiares, não tomando tudo para si, ainda que tentado a tanto.
Você pode se perguntar o porquê desta última menção feita e explico a razão, é que também se mostra muito comum àquele que toma a responsabilidade direta de prestar os cuidados, de sentir-se meio que “dono” de todas as informações a respeito do idoso, de sentir-se indispensável e de irritar-se com qualquer interferência dos demais familiares. Cria-se uma verdadeira “bolha” onde estão apenas o idoso e o parente por ele responsável.
Esta é uma condição bastante complicada quer para os demais familiares que se sentem alijados de tal processo, do qual muitas vezes gostariam de participar, quer para o próprio responsável, porque com isso se forma uma grande sobrecarga sobre ele próprio, usualmente nem vive mais sua vida, não sente mais desejos e é acometido por depressão e ansiedade.
Estrago emocional e psíquico
Quanto se sentir responsável por aquele idoso o satisfaz e lhe faz bem? Por que lhe parece bom sentir-se indispensável? Quanto estar nesta condição o ocupa o suficiente para que não olhe para sua própria vida e se depare com seus próprios problemas? O que sobrará da sua vida quando o idoso se for? Essas são perguntas pertinentes e que devem ser feitas por aquele que assume o encargo de cuidar de um idoso.
Agora, acrescer-se a tudo isso um estado de pandemia como vivemos e o resultado será um estrago emocional e psíquico.
Bem, é importante que cuidemos de nossos idosos, claro, mas o que devemos atentar é que antes temos que estar saudáveis e fortes emocionalmente, temos que cuidar de nós mesmos com prioridade para atendermos bem ao outro em qualquer circunstância.
Já para aqueles que estão afastados de seus pais que tal refletirem sobre o perdão? Todos erramos, pais erram, e muito!
Sobre o registro de não receber afeto dos pais, é preciso dizer que muito disso lhes é transmitido pelos seus antepassados que tinham esse ”padrão” e, portanto, eles estão apenas repetindo um modelo familiar e nesse caso, romper com esse modelo requer aprendizado.
Por outro lado, é imprescindível esclarecer que afeto não é apenas o dizer o quanto se ama, o abraçar, o beijar, mas sim dar educação, alimento, vestuário, o brincar, o ensinar, o repreender, tudo isso também é amor.
Por fim, penso que perdoar é um verbo que necessita ser conjugado com mais facilidade e frequência, já que com força ele nos mostra que amanhã mesmo nós podemos precisar pedir perdão a alguém.
Tudo isso faz lembrar que a vida passa ligeira e que podemos tentar fazer melhor. É sobre o que diz a canção de Ana Vilela:
“Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si
É sobre saber que em algum lugar alguém zela por ti
É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz.
É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós.
…
Segura teu filho no colo
Sorria e abrace seus pais enquanto estão aqui, que a vida é trem-bala parceiro e a gente é só passageiro prestes a partir…” (Trem-bala)
Mal de Parkinson e Alzheimer na terceira idade
Como aceitar que seu pai (ou mãe) está senil, com Mal de Parkinson ou Alzheimer? É habitual ver que se afastam do idoso exatamente por não suportarem vivenciar tal condição. Não dão conta, não conseguem lidar com isso.
Assim, não se trata de falta de amor, mas da condição pessoal de não se estar preparado para olhar a própria finitude e a do outro.
Mas outras situações também aparecem com bastante frequência, como a dos filhos que apontam as “falhas” dos pais para deles se afastar na velhice. Uns dizem:” minha mãe/pai gosta mais do meu irmão que é o preferido” ou “eles não ligam para meus filhos”; “deixaram de fazer tal ou qual coisa para mim”.
Trazem lembranças da frieza da mãe/pai que não os abraçava ou nunca lhes disse que os amava. É verdade que há pais ”frios”, no sentido de serem mais racionais e pouco emocionais que acreditam que amar é o bastante, não havendo necessidade de explicitar esse amor. Mas há outros que gostariam de exprimir seus sentimentos e simplesmente não conseguem, não sabem como dizer “eu te amo filho”.
Não esqueçamos, ainda, que há os pais excessivamente apegados que também são objeto de reclamação, por “amarem demais” e sufocarem seus filhos.
De modo geral, aqueles filhos que delegam a incumbência dos cuidados dos pais a um determinado (a) irmão (a) o fazem trazendo várias justificativas, como acima referi, optam por se afastarem e mais tarde, já na ausência dos pais, se sentem culpados por não terem acompanhado seus últimos dias.
Diante desse quadro e, é claro, também por questões outras, como maior afinidade, maior disponibilidade ou proximidade, acaba que uma pessoa é “eleita” ou se “apresenta” como aquela que vai lidar com o idoso mais diretamente e daí começam inúmeros problemas.