Segundo dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, até julho deste ano, o Brasil tinha mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres.
A violência contra a mulher tem papel central em discussões e pesquisas acadêmicas atuais e se apresenta como tema de importância fundamental na desconstrução de papéis sociais rígidos estabelecidos entre homens e mulheres. Ela constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Conceitos sociais
Ao longo do tempo, os movimentos feministas trouxeram à baila a sociedade patriarcal existente e que vem aos poucos se modificando. A divisão de tarefas e papéis inicialmente desempenhados por homens e mulheres transformou-se histórica e socialmente em relações de poder estanques, colocando a mulher muitas vezes em situação de submissão e de risco emocional, financeiro e de vulnerabilidade frente ao risco de sofrer lesões. Ao longo do tempo, a mulher partiu para o mercado de trabalho e já não se submete de tão forma silenciosa ao poder masculino como ocorria antigamente.
O tema surge hoje com força e mobiliza os setores da sociedade com o objetivo de prevenção, cuidados especiais com essas mulheres e para a mudança dos conceitos sociais, históricos e culturais subjacentes que ainda perpetuam tais padrões relacionais. A Lei Maria da Penha, n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Violência de gênero
O conceito “violência contra a mulher” é frequentemente utilizado como sinônimo de violência doméstica e violência de gênero, porém existem diferenças entre ambas que precisam ser apontadas. O primeiro conceito está vinculado ao fato de o ato ocorrer no espaço doméstico, e o segundo amplia o primeiro, incluindo crianças e adolescentes vítimas. É também muito usado como sinônimo de violência conjugal, por englobar diferentes formas de violência que envolvem relações de gênero e poder, como a violência perpetrada pelo homem contra a mulher, a violência praticada pela mulher contra o homem, a violência entre mulheres e a violência entre homens (ARAÚJO, 2008). Nesse sentido, pode-se dizer que a violência contra a mulher é uma das principais formas de violência de gênero.
O Conselho Federal de Psicologia estabeleceu também normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero na resolução 08/2020. O conselho orienta que o profissional psicólogo esteja informado sobre os cinco tipos de violência contra as mulheres, tipificados pela Lei nº 11.340/2006, e aponta como necessário que o profissional leve em consideração os aspectos relacionados à sociedade, à cultura, à economia e à subjetividade, assim como as vulnerabilidades e os riscos a que essas mulheres estão submetidas. As questões de raça e classe atravessam as situações de violência de gênero e devem estar compreendidas em todas as atuações das(os) psicólogas(os). O enfrentamento da violência implica também adotar uma posição firme de que não há justificativa para que a violência ocorra.
Porém, é importante o alerta de que a violência doméstica ou as acusações de violência doméstica estão muitas vezes “misturadas” a conflitos familiares, seja como realidade, seja como forma de alienação parental. No caso de uma denúncia, o profissional perito precisa compreender a violência doméstica, assim como a alienação parental, pois, a importante Lei Maria da Penha tem sido usada algumas vezes, infelizmente, como forma de impedir o convívio entre pais e filhos. O diagnóstico diferencial, portanto, é fundamental.
Portanto, faz-se necessário que seja realizada uma avaliação por meio de entrevistas com o objetivo de compreender cronologicamente a evolução da relação entre a mulher e o suposto agressor e como surgem tais critérios no caso avaliado. Que tipo de relacionamento se estabelecia? Existiam padrões abusivos (padrões comportamentais repetitivos de abuso físico, psicológico ou sexual)? Existiam padrões de dependência emocional e/ou financeira?
Atuação na perícia
É fundamental que o perito psicólogo tenha experiência em avaliação psicológica; especialização em psicologia jurídica (pois se diferencia da área clínica); possua conhecimento de psicopatologia; utilize testes, caso se faça necessário; analise dinâmicas e conflitos familiares; e conheça sobre violência doméstica e sobre conflitos familiares em Varas de Família, por exemplo.
Durante as perícias, o psicólogo busca acessar o entrevistado em uma relação quase íntima, onde o periciado pode se expressar com espontaneidade, apesar de saber que tudo que disser será incluído em seu informe e transmitido à autoridade, que decidirá sobre a causa. É importante que o perito tenha acesso aos documentos dos autos.
Visão mais ampla
Nas entrevistas, é importante obter dados da história de vida de cada um e o histórico da demanda judicial.
Não se deve tirar conclusões apenas com a leitura dos autos. Visitas domiciliares e a instituições são importantes, bem como entrevistas com profissionais e familiares envolvidos, para apurar quais foram as circunstâncias da suposta violência, as percepções de pessoas do entorno do relacionamento da vítima e do acusado acerca da vida cotidiana, profissional, da relação com as pessoas, com outras mulheres, da aceitação de regras e limites sociais, do uso de drogas, como lidam com filhos etc.
Enfim, busca-se visão externa e informações complementares à avaliação com as partes. A necessidade da escuta de todos os envolvidos precisa ser levada em consideração, com o objetivo de alcançar uma visão o mais ampla possível do conflito e da dinâmica em questão.