Profissionais da saúde – pública, suplementar e corporativa estão preocupados com o alarmante aumento de 38% nos afastamentos por transtornos de saúde mental no ambiente de trabalho.

Segundo o Ministério da Previdência Social foram concedidos, no ano passado, 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais no Brasil, 38% a mais do que em 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios. Em 2021, foram 200.244. Esses números contemplam os benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e os benefícios por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez).

Já a pesquisa realizada com 8.980 trabalhadores de diferentes níveis hierárquicos no País, obtida pelo Valor Econômico, mostra que 48% têm risco sofrer um distúrbio mental e 44% sofrem de insônia.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), 300 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, e de acordo com os números do último mapeamento sobre a doença, realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de pessoas. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos, com 5,9% da população que sofre de transtornos de depressão.

Um estudo epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde revela que nos próximos anos até 15,5% da população brasileira pode sofrer depressão ao menos uma vez ao longo da vida.

Brasil é o líder de ansiedade

É o que aponta outro estudo recente da OMS: 9,3% da população brasileira sofre com ansiedade, e 7 em cada 10 diagnósticos de ansiedade e depressão são destinados às mulheres.

Para o Dr. Ricardo Pacheco, médico, gestor em saúde, diretor da Oncare Saúde e presidente da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho), a mulher está mais suscetível pelo acúmulo de funções e muitas vezes, pela falta de apoio.

“Muitas enfrentam a pressão de equilibrar a vida profissional e as responsabilidades domésticas, o que pode aumentar significativamente os níveis de ansiedade. A discriminação no ambiente de trabalho e as desigualdades de gênero podem ser fontes adicionais de estresse e ansiedade para as mulheres. Sem contar que têm trabalhadoras que ainda experimentam a síndrome do impostor, duvidando de suas realizações e sentindo-se inadequadas, o que pode aumentar os níveis de ansiedade”.

Impactos na Saúde Suplementar

Segundo o levantamento mais recente doInstituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o percentual de beneficiários de plano de saúde com depressão passou de 11,1% para 13,5%, de 2020 a 2023. Em novembro do ano passado, havia 50,9 milhões de beneficiários no País.

A pesquisa corrobora o fato divulgado pela OMS – que a maior prevalência da depressão ocorre entre as mulheres. O resultado da análise indica que houve aumento de casos entre 2020 e 2023, de 15,3% para 18,5%, respectivamente. Assim, uma a cada cinco beneficiárias de planos de saúde apresentam a doença.

Para o médico e gestor em saúde, o aumento acomete uma população economicamente ativa. “O maior volume de casos de interações por depressão está entre os jovens de 18 a 39 anos. O número subiu de 9,8% para 13% dos beneficiários nessa faixa etária, com crescimento de 3,2 pontos percentuais. Os dados mostram que a pandemia da covid-19 foi um dos agravantes para o aumento de casos de doenças relacionadas”, afirma Dr. Ricardo Pacheco.

O levantamento mostrou também que a quantidade de eventos registrados por ano teve como causa o CID F411, relacionado à ansiedade generalizada que cresceu nos últimos anos. De 2018 para 2022 o número de casos mais que dobrou – de 794 para 2.100.

Debate nas empresas 

É o que aponta o estudo People at Work 2023, realizado pelo ADP Research Institute – que ouviu 32.612 trabalhadores em 17 países, sendo 1.412 no Brasil, e mostrou como o tema de fato está circulando mais abertamente nas empresas. Globalmente, 68% sentem poder ter conversas sinceras sobre sua saúde física no trabalho e 64% afirmam o mesmo em relação à saúde mental. No Brasil, são 65% e 63%, respectivamente.

Por outro lado, 57% dos trabalhadores globalmente e 43% dos brasileiros não acham que seus gestores ou colegas estão preparados para conversar sobre saúde mental no trabalho sem julgamento.

Fatores e consequências

Para o diretor da Oncare Saúde, diversos fatores contribuem para o aumento significativo nos afastamentos relacionados à saúde mental. “Uma carga de trabalho intensa, prazos apertados, ambientes competitivos e a pressão constante para atingir metas podem criar um terreno propício para o desenvolvimento de transtornos mentais. Além disso, a pandemia global trouxe consigo desafios adicionais, como o isolamento social, a incerteza econômica e a adaptação às mudanças no formato de trabalho, o que intensificou os estressores no ambiente profissional”.

Já Cinthia Bueno Espadafora, Engenheira de Segurança do Trabalho e Diretora Técnica da Oncare Saúde, lembra que a falta de reconhecimento e aceitação dos problemas de saúde mental também desempenha um papel crucial nesse aumento. “Muitas vezes, os trabalhadores hesitam em buscar ajuda devido ao estigma associado aos transtornos mentais, o que pode levar ao agravamento dos sintomas e, eventualmente, ao afastamento do trabalho”.

E MAIS…

Distúrbios mentais mais comuns no trabalho       

São várias as doenças mentais que podem acometer o trabalhador, muitas vezes devido a uma combinação de fatores pessoais, profissionais e ambientais.

As mais comuns são o estresse (que pode levar a problemas mentais e físicos), a depressão (que pode ser desencadeada por uma série de fatores), a ansiedade (o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) pode impactar significativamente o desempenho no trabalho), a Síndrome de Burnout (frequentemente associada a ambientes de trabalho com altas demandas, pouco reconhecimento e falta de equilíbrio entre vida profissional e pessoal), transtornos do sono (que podem levar a distúrbios como insônia ou síndrome da apneia do sono), transtornos alimentares (como anorexia ou bulimia), e o abuso de substâncias (até para lidar com o estresse, a pressão e os desafios no trabalho).

De acordo com a engenheira da Oncare, é importante destacar que essas doenças mentais podem resultar de uma interação complexa entre fatores individuais, organizacionais e sociais. “O apoio adequado, tanto a nível pessoal quanto organizacional, pode desempenhar um papel crucial na prevenção e tratamento dessas condições”, ressalta Cinthia Bueno.

O médico Ricardo Pacheco complementa afirmando que iniciativas implementadas pelas empresas podem reverter esse quadro de adoecimento mental de seus colaboradores. “Iniciativas como programas de bem-estar no local de trabalho, políticas de gestão do estresse e acesso a serviços de saúde mental são essenciais para promover um ambiente de trabalho saudável”.

Nesse sentido, os especialistas concordam que empresas especializadas em saúde e segurança no trabalho têm condições de melhor amparar o trabalhador que dê sinais de que algo não vai bem. “As estruturas organizacionais muitas vezes não estão equipadas para lidar com questões de saúde mental de maneira eficaz. A falta de programas de bem-estar, recursos adequados e uma cultura de trabalho que valorize o equilíbrio entre vida profissional e pessoal contribui para a deterioração da saúde mental dos colaboradores. É exatamente para suprir essa demanda que algumas empresas especializadas se destacam, oferecendo um serviço voltado à saúde, inclusive mental, de forma preventiva e efetiva”, refletem.