Acaba de chegar ao Brasil o livro da atriz Jeannette McCurdy “Estou feliz que minha mãe morreu”.

Lançado no ano passado nos Estados Unidos, o título causa impacto mas você chega   a pensar que ela deve estar brincando, porém quando entendemos a história sabemos que não, que o título representa a real felicidade, ou alívio, de não ter mais que conviver com os terríveis abusos aos quais foi submetida desde a infância por sua mãe narcisista e que projetou nela todas as suas fantasias não realizadas. 

Nos últimos tempos cada vez mais se fala sobre o funcionamento narcisista, suas características individuais e nos relacionamentos. Dentre tais características, uma das que se destaca é a capacidade de mentir e distorcer a realidade de acordo com sua conveniência para assim conseguirem o que querem do outro.

Narcisistas estarão em qualquer contexto: desde dentro da família, como a mãe de Jeannette, como no ambiente de trabalho, nas igrejas, na vizinhança. Ou seja, eles podem estar em qualquer lugar.

Nem sempre será fácil indentificá-los. Primeiro que tendem a se relacionar muito bem, superficialmente. Ou seja, quanto menos íntima a relação, mais o narcisista pode parecer a melhor pessoa que você conheceu: simpático, gentil, até altruísta. Isso mesmo.

Porque existe neles a necessidade de ser aceito, adorado, valorizado. Uma vez isso conquistado, você passa a não ser mais tão importante assim, e é nesse momento que a máscara cai e ele revela sua essência egoísta, sem empatia, controladora, competitiva e  com essa necessitada de validação eterna. Mas, de onde isso vem?

Duas infâncias

Quando falamos de um adulto com personalidade narcisista pensamos em duas infâncias: ou uma infância com muitas faltas emocionais, dentro outras, sendo o funcionamento de arrogo e grandiosidade uma maneira desse adulto se defender de, mais uma vez, estar numa situação de vulnerabilidade de qualquer tipo.

Logo, controlar, manipular, ter poder sobre o outro, seria uma estratégia desenvolvida muito precocemente para não mais se enxergar como inferior a ninguém. Ou falamos de uma infância cujos pais criaram o filho como se ele fosse o rei, a rainha da casa, o melhor: “o mais inteligente”, “a mais bonita”, “a que tem mais valor”. Ou seja, os pais projetaram suas próprias convicções narcísicas no filho que teve inflado seu senso de merecimento e valor, internalizando assim uma autoimagem distorcida e incapaz de ser sustentada pela realidade.        

Lembrando que, ter autoestima boa é ter uma relação saudável com você mesmo. O narcisista não tem uma boa autoimagem, ele tem, e busca manter, uma autoimagem apaixonada dele mesmo. Não suportando nada que o faça ter uma percepção contrária.

Daí pensamos nos crimes passionais, muito deles causados por feridas narcísicas abertas, crimes que vieram justamente da não aceitação do fim do relacionamento, do não suportar não ser mais uma fonte de investimento romântico do outro.

Ao ter essa autoimagem apaixonada de si questionada, e por não suportar não mais se ver como único e especial pro outro, muitos vão, literalmente, matar o que os fez se enxergarem da maneira como não toleram se enxergar.    

Movimentos extremos

Crimes são movimentos extremos cometidos, mas o narcisista rejeitado pode até não te ferir fisicamente, mas vai fazer de tudo pra te torturar emocionalmente, pra destruir você e sua autoestima.

Ao abrir uma ferida narcísica neles, provavelmente você nunca será perdoada. Eis uma das características clássicas desse tipo de funcionamento: rancor eterno – o narcisista não perdoa. Aqueles que não te agridem explicitamente, o farão de maneira sutil, e uma das “sutilezas” preferidas deles é ignorando sua existência.

Digamos que vocês precisem continuar convivendo por alguma razão, filhos por exemplo, a relação com ele será muito difícil. Ele vai falar com você o essencial, ou se for algo da conveniência dele, não se iluda, vocês jamais serão amigos, e o que ele puder fazer pra te punir, ele fará. Então não tem jeito pra eles?

Independente da base de construção dessa personalidade, o narcisista sofre sim, mas também faz sofrer. E muito.

Ajuda especializada

Mas, claro, pra ele é o sofrimento dele que conta. E sim, narcisistas podem recorrer à ajuda, podem buscar terapia, e a Terapia do Esquema tem um importante e eficaz trabalho ao tratar pessoas com essa característica.

Situações que abalem seu senso autoengrandecedor como o fim de um relacionamento amoroso (caso ele seja deixado), a perda de um cargo importante do trabalho, dificuldades financeiras etc, são situações que vão gerar raiva e sofrimento e que podem mobilizar o narcisista na busca por ajuda. 

De forma resumida, a Terapia do Esquema vai focar no acolhimento do sofrimento do narcisista que busca terapia, sua dor não é menor por ele ter traços narcisistas. Mas após esse acolhimento inicial, ele será confrontado empaticamente em relação a tais traços.

O objetivo é ajudá-los a conseguir ter mais empatia, aceitar melhor sua vulnerabilidade construindo assim relacionamentos com vínculos mais profundos, menos superficiais, menos egocentrados.

Fazê-los questionar crenças de que para serem amados precisam ser os melhores, ou perfeitos; e aceitarem que a percepção de suas vulnerabilidades trará uma verdadeira conexão emocional com o outro que lhes dará uma verdadeira sensação de segurança, muito mais consistente – ou seja, o oposto do que sempre acreditaram, e em cima do que sempre funcionaram. 

E MAIS…

Não podemos ter certezas generalistas

Algumas pessoas falam que “narcisistas não têm jeito”; como terapeuta não posso em hipótese alguma consentir com isso. Quem somos nós pra ter tal certeza generalista?

Jeffrey Young, e sua Terapia do Esquema, tem um longo e consistente trabalho no tratamento de pessoas com diagnósticos difíceis, como borderlines e narcisistas.

E embora o narcisista não apresente a fragilidade do borderline, são pacientes que sofrem muito também, e aqueles que são capazes de buscar ajuda podem sim melhorar, crescer emocionalmente, se tornarem pessoas melhores para o outro e para eles mesmos.