Ao longo da história, os atos de segregação, exclusão e confinamento foram se fazendo sobre os pobres, doentes, os diferentes, as minorias e todo tipo de indivíduo com comportamento que se mostrasse estranho ou diferente do que as sociedades, em cada época, consideravam como “normalidade”.

Durante a Idade Média, o meio para livrar a sociedade da lepra foi confinando os doentes em leprosários que se espalharam por toda a Europa em número assustador, chegando a 19 mil. Assim, o confinamento se alastra como meio da medicina chegar à cura. A doença era tida como resultado do pecado. Além da lepra, outras doenças eram tratadas através da segregação em leprosários, obtendo uma ótima aceitação por grande parte da sociedade.

Na cena pintada por Brueghel, há uma grande quantidade de pessoas em seus afazeres, trabalhos e diversões. Na região central do quadro, existe uma pequena cabana, destinada a um leproso, separada de todos e com uma cruz em cima, significando assim que era mantida pela igreja. Isso porque a doença era considerada expiação pelos pecados, assim, segregação se tornou uma maneira de, assim, se chegar à salvação.

Com essa segregação e o término das Cruzadas no final da Idade Média, cessando também a contaminação devido ao contato com o Oriente, a lepra desaparece, os doentes foram diminuindo até chegar a um número insignificante.

O fenômeno da Sífilis

A doença da lepra desaparece, mas as estruturas subsistirão. Então, os indivíduos com sífilis passarão a ser abrigados nos leprosários. Essas pessoas vão se estabelecer como doentes para serem tratados, e uma longa série de tipos de tratamento será posta à prova. Os loucos, neste momento de término da Idade Média e início da Renascença, têm outros destinos dentro das comunidades e cidades.

O louco, insano, o “cabeça alienada”, ou simplesmente alienados, sofrem cirurgias na cabeça para lhes tirar de dentro a “pedra da loucura”. A iconografia para este tipo de procedimento é muito vasta. Esse procedimento cirúrgico é conhecido por trepanação, trata-se de um processo realizado desde a época Mesolítica.

Achados arqueológicos

Achados arqueológicos atestam que esse procedimento era feito com ferramentas de pedra rudimentares, provavelmente com objetivos ritualísticos ou espirituais. Hipócrates (460-370 a.C., considerado o “pai da Medicina”) relata a sua utilização em casos de lesões cranianas por ferimentos de guerra. Durante a Idade Média, esse procedimento era feito acreditando-se que, assim, a loucura “escapasse” da cabeça.

Todavia, os loucos, nesse período, também tinham outros destinos. Muitas vezes as autoridades da cidade pagavam para que navegadores os retirassem das ruas e praças e os levassem para outro lugar. Um processo de “limpeza” que era feito visando à normalidade de volta às ruas, sem os riscos que essas pessoas acarretavam aos outros moradores.

 Isso era feito muitas vezes tendo em vista outra prerrogativa. Dizia-se que eles eram levados em peregrinação para encontrarem a cura em outras cidades. Dessa maneira, os loucos realizavam uma peregrinação em busca da razão perdida. Só que, no meio do caminho, os navegadores os “perdiam”. Havia barcos que percorriam os rios agregando loucos e outros párias para uma falsa peregrinação.

A Nau dos Insensatos

Em 1494, na cidade de Bergmann, Alemanha, é publicado um poema chamado “Das Narrenschiff”, “A Nau dos Insensatos”, de Sebastian Brant (1458 – 1521), no qual um grupo de loucos ruma ao Paraíso dos Tolos, um lugar chamado Narragonia. Brant expõe com habilidade os vícios e problemas de sua época. O pintor Albrecht Dürer (1471 – 1528) fez muitas gravuras narrando os acontecimentos desses versos de Brant.

A figura do louco na Idade Média também está associada à figura do filho que abandona a família e depois retorna como filho pródigo. Está ainda ligada à figura do vagabundo errante, dos que não se enquadram nas atividades da sociedade. Essa figura é muito retratada de maneira simbólica nos baralhos de Tarô, cujas origens remontam à Idade Média.

Também não se pode deixar de relatar a relação do louco com a figura do bobo da corte e dos bufões, atores nas representações medievais de autos e peças improvisadas sobre carroças ou palcos móveis nas ruas ou praças por onde passavam. Enfim, peregrinos, loucos, andarilhos, alienados, atores, bobos da corte, bufões, filhos pródigos, vagabundos, eremitas, todos eles dentro de uma imagem de indivíduo à margem da sociedade.

Reforma administrativa

Em Paris, no ano de 1656, tem início àquela que seria apenas uma reforma administrativa, uma reorganização entre vários estabelecimentos, mas que se mostrou como o ápice de um tratamento absolutamente desumano, impingido a milhares de pessoas. Nesse ano é fundado o Hospital Geral de Paris.

Conhecido como Hospital de Salpêtrière (originalmente era uma fábrica de pólvora, salitre, em francês, se escreve salpêtre), o diretor era nomeado por toda a vida e tinha poderes absolutos, tanto interna como externamente, em toda a cidade de Paris. O diretor podia decidir, julgar e executar.

No hospital, os diretores dispunham de celas, postes com correntes, prisões. Sua soberania era quase absoluta, suas sentenças inapeláveis, o Hospital Salpêtrière era tudo, menos um estabelecimento médico. Ficou conhecido pela sua enorme população de ratos e pelas condições miseráveis em que seus reclusos eram mantidos.

Filhas da Alegria

Todos os não desejados da sociedade eram para lá enviados, como mostra o quadro de Étienne Jeaurat (1699 – 1789), onde uma carroça com prostitutas adentra os portões do hospital. O quadro se chama “conduzindo as Filhas da Alegria ao Salpêtriére”. Filhas da Alegria. em francês, é sinônimo de prostituição.

Às vésperas da Revolução Francesa, tornou-se o maior hospital do mundo, abrigando uma quantidade absurda de 10 mil pacientes. Por ocasião dos Massacres de Setembro de 1792, o hospital foi invadido por uma multidão de miseráveis com a intenção de libertar prostitutas, mas em meio ao descontrole, 35 mulheres foram assassinadas.

O diretor que revolucionou o tratamento com os pacientes e iniciou um movimento de humanização jamais visto no Salpêtriére, foi Philippe Pinel (1745 – 1826), um dos precursores da Psiquiatria moderna. Responsável por separar os doentes dos criminosos e libertá-los das correntes, Pinel baniu tratamentos antigos como sangrias, vômitos induzidos, purgações, substituindo-os por tratamento digno e de respeito que incluía terapias ocupacionais.

E MAIS…

Hospitais gerais abrigavam loucos, histéricas e prostitutas

Os antigos leprosários vão se tornando hospitais gerais, para lá são levados todo tipo de gente, doentes curáveis e incuráveis, loucos, histéricas, epiléticos e soldados feridos em guerra. Torna-se um lugar também com celas, tanto para loucos como para ladrões, tanto para prostitutas como para histéricas, tanto para sifilíticos como para assassinos. Hospital, prisão, asilo, reformatório, nomes diferentes para um mesmo lugar.

Alguns pintores se aventuraram a percorrer esses recintos em busca de inspiração ou maneira de mostrar a simples realidade, em busca de algo que se mostrava distante, mas ao mesmo tempo escondido sob os tapetes de todos os salões das altas sociedades, uma realidade a ser mascarada.

E os pintores não se limitavam a apenas retratar, iam além, denunciando atos bárbaros cometidos contra as mulheres. Em meio a um momento em que a Inquisição assumiu-se absolutamente poderosa, mulheres acometidas de algum distúrbio, algum sintoma histérico, eram levadas para a prisão ou acusadas de bruxaria e mortas na fogueira. Goya, na Espanha, denuncia esse tipo de evento em sua obra, na qual uma mulher é simplesmente levada embora no meio da noite, suspeita de feitiçaria, e submetida a julgamentos sumários.