Começo este artigo arriscando afirmar que uma grande parcela de nossa população já ouviu falar de Freud, e sabe que tem algo a ver com “o psicológico” das pessoas. Para aqueles que fizeram análise, são psicanalistas ou estudiosos do tema pode parecer pouca coisa, mas não é. Tal popularização do nome de Freud significa que algum espaço para o inconsciente e para as questões que surgem a respeito do sujeito e sua formação psíquica foi construído por sua invenção – a Psicanálise.
O desenvolvimento da teoria
Partindo das observações que fez quando esteve com Charcot, em Paris, no início de sua carreira, Freud foi capaz de atentar-se ao que suas primeiras pacientes diziam e, a partir dessa escuta, criar a Psicanálise. Como qualquer criação, o desenvolvimento de sua teoria, embora tenha se dado de maneira contínua, não foi sempre linear. Ao ler seus escritos, incluindo aí sua numerosa correspondência, podemos acompanhar o esforço da formalização do que era escutado no consultório até, com o avançar dos anos, a preocupação com o futuro da Psicanálise. É desse cuidado para com o futuro de sua invenção que surge a IPA (International Psychoanalytical Association) congregando os psicanalistas da época.
Formada essa primeira associação, hoje, temos consolidada a importância dessa e de outras instituições que surgiram com a preocupação sobre a formação de novos analistas, como âmbito para o debate e para o desenvolvimento teórico. Também, sem dúvida, elas foram incubadoras de outras abordagens psicanalíticas. Talvez Freud vislumbrasse os inúmeros frutos que sua iniciativa inicial deu e sem dúvida ele sabia do caráter revolucionário de sua descoberta. Mas tenho dúvidas se ele aventava a miríade de cores que comporiam a abrangência da Psicanálise nos dias de hoje.
Ecos da escuta afetiva
Sem dúvida, um dos pigmentos mais intensos nessa palheta foi contribuição de Melanie Klein. Nascida em Viena no ano de 1882, inicia sua análise com Sandór Ferenczi, na Hungria – onde morava com sua família e seu marido Arthur Klein – em 1914. Torna-se membra da Sociedade Psicanalítica da Hungria em 1919, muda-se para Londres em 1925, se separa de Arthur em 1926 e ingressa na Sociedade Psicanalítica de Londres em 1927. É importantíssimo sublinhar dessas linhas que Melanie Klein inicia seu percurso analítico a partir de sua própria análise. Isso não é pouca coisa. Ainda hoje todos os que trabalhamos na formação dos analistas – em diversas escolas – temos que repetir a importância da análise pessoal no processo. A análise pessoal não é um item acessório. Levar uma análise até o seu final é uma decisão radical, que implica uma mudança de posição subjetiva que não é sem consequências. Do processo de análise de Melanie Klein, ouvimos os ecos na radicalidade de seus aportes teóricos e em suas escolhas. Longe de repetir ditos teóricos, ela foi capaz de escutar seus pacientes e abrir-se à criação da Psicanálise em seus atendimentos.
Um legado com crianças
Conhecida sobretudo por seu trabalho com crianças, ela aponta a existência de um mundo interno que é construído a partir das percepções que são vivenciadas. Para Klein, a satisfação e a não-satisfação das necessidades primitivas provocam dois afetos primordiais: o amor e o ódio. São eles que vão colorir as primeiras experiências do sujeito. O ódio, advindo da não-satisfação da necessidade no momento no qual é demandada, será percebido internamente como “seio mau” e será fonte de ansiedade persecutória. De outro lado, temos a satisfação, o “seio bom”, criando no mundo interno do sujeito sentimentos de segurança e conforto. Aos poucos o bebê começará a perceber que o “seio bom” e o “seio mau” são um só objeto, e essas vivências possibilitarão as posições em que o sujeito se encontrará nas diversas circunstâncias de sua existência.
Com isso, Klein se distancia do conceito de estrutura do sujeito – que parte de um aspecto mais estático – e cunha a ideia de posição. Em sua teoria, escreve sobre duas posições: a posição esquizoparanóide e a posição depressiva. O trânsito que o sujeito terá entre elas será marcado pelas primeiras experiências vividas.
Melanie Klein foi uma das pioneiras na escuta das crianças pequenas
Uma das pioneiras na escuta das crianças pequenas, a radicalidade de sua dedicação ao trabalho clínico é decididamente inspiradora. É seu trabalho que dá o marco ao que hoje chamamos, na Psicanálise, Escola Inglesa. Depois dela temos Winnicott, Bion… aos poucos essa coluna apresentará muitos dos que contribuíram para que a Psicanálise chegasse até nós.