No Brasil, elas despontaram nos anos 2000 como resposta à necessidade de formar talentos internos e disseminar a cultura organizacional. No entanto, duas décadas depois, o cenário é de estagnação, obsolescência e, em muitos casos, extinção. Enquanto isso, os Estados Unidos avançam com modelos mais robustos, integrados e orientados por dados.

Segundo a ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento), o número de universidades corporativas ativas no Brasil caiu mais de 35% entre 2015 e 2023. Além disso, uma pesquisa da Fundação Dom Cabral revelou que apenas 18% das universidades corporativas no país têm indicadores claros de ROI (retorno sobre investimento). Ou seja, elas operam sem demonstrar valor tangível para o negócio.

Muitos desses espaços se tornaram departamentos inflados, burocráticos e desconectados da estratégia, focando em cursos genéricos e sem vínculo com as competências críticas da organização. A digitalização, que deveria impulsionar a reinvenção do modelo, foi tratada apenas como substituição de aulas presenciais por videoaulas, em vez de repensar toda a arquitetura pedagógica.

Conceito original

A universidade corporativa, em seu conceito original, é uma ferramenta de transformação cultural, retenção de talentos e diferenciação competitiva. No entanto, no Brasil, muitas empresas ainda tratam o tema como “custo” e não como “investimento”. Cortes orçamentários na área de Educação Corporativa são os primeiros em épocas de crise — o que revela a fragilidade do seu posicionamento estratégico.

Um estudo do Instituto Locomotiva (2022) mostra que 62% dos profissionais brasileiros nunca participaram de programas de desenvolvimento alinhados com sua função ou plano de carreira**. Isso revela um descompasso entre a promessa da universidade corporativa e sua real entrega.

Nos Estados Unidos, o cenário é bem diferente. A Corporate University Xchange estima que mais de 80% das empresas da Fortune 500 mantêm universidades corporativas ativas, com estrutura própria, budget específico e alinhamento direto com a estratégia de negócios.

A McDonald’s University, a Disney University e a Deloitte University, por exemplo, são referências globais por integrarem dados, inteligência artificial, trilhas personalizadas e capacitação de líderes e acima de tudo análise de comportamento organizacional. Elas são vistas como centros de inovação organizacional, e não apenas como áreas de treinamento.

Formação de líderes

Mais do que isso, os americanos entenderam que a universidade corporativa é um ativo de branding e cultura organizacional. A formação de líderes, o estímulo à aprendizagem contínua e a aplicação prática do conhecimento são métricas centrais de performance.

Entre os fatores que explicam a decadência das universidades corporativas no Brasil, destacam-se:

  1. Falta de patrocínio da alta liderança: Muitas iniciativas são delegadas ao RH sem o engajamento estratégico do C-Level.
  2. Ausência de cultura de aprendizagem: A aprendizagem ainda é vista como evento pontual, não como prática contínua.
  3. Desalinhamento com os desafios do negócio: Muitas universidades corporativas operam com conteúdo desatualizado e sem conexão com indicadores críticos.
  4. Baixo investimento em tecnologia educacional: Enquanto os EUA avançam com IA, realidade virtual e data analytics, o Brasil ainda luta com plataformas LMS engessadas.

É tempo de decidir

A universidade corporativa brasileira precisa urgentemente de uma reengenharia profunda. É necessário abandonar o modelo burocrático e migrar para uma abordagem ágil, centrada no desenvolvimento de competências críticas e impulsionada por dados. Caso contrário, continuará sendo uma peça decorativa, desconectada da realidade do negócio.

Enquanto os Estados Unidos consolidam suas universidades corporativas como estratégia de sobrevivência e competitividade, o Brasil parece abandoná-las no porão das prioridades.

É tempo de decidir: vamos revitalizar esse instrumento poderoso de gestão do conhecimento ou aceitaremos sua morte lenta e silenciosa?

Referências Bibliográfica
ABTD – Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento
Relatório Anual de Tendências em T&D (2023).
Disponível em: https://www.abtd.com.br
Fundação Dom Cabral (FDC)
Estudo sobre a Gestão do Conhecimento nas Empresas Brasileiras (2022).
Disponível em: https://www.fdc.org.br
Instituto Locomotiva
Pesquisa sobre Aprendizagem Corporativa e Engajamento Profissional no Brasil (2022).
Disponível em: https://www.institutolocomotiva.org.br
Corporate University Xchange
Corporate Learning Factbook (2023).
Disponível em: https://www.corpu.com
Bersin by Deloitte
Bersin, Josh. The Rise of the Corporate University: Learning and Leadership Development in the 21st Century. Deloitte Insights, 2022.
Disponível em: https://www2.deloitte.com
Harvard Business Review
Christensen, Clayton; Raynor, Michael. Why Companies Fail to Learn. Harvard Business Review, 2021.
Disponível em: https://hbr.org
CLO Magazine – Chief Learning Officer
The Business Value of Corporate Universities (2023).
Disponível em: https://www.chieflearningofficer.com
SENGE, Peter.
A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização que Aprende. Rio de Janeiro: BestSeller, 2014.