As dificuldades que enfrentamos na atualidade não sugerem soluções fáceis, exequíveis e universais. Tais adversidades requerem ações coerentes, firmes e positivas, de modo a tornar realidade o quadro de futuro que tanto desejamos.

Os desafios que temos pela frente também se explicam pelas dimensões continentais e multiculturais do Brasil. A diversidade cultural e as desigualdades sociais já existentes foram reveladas de modo mais explícito diante da necessidade de combater a pandemia de Covid-19. Também temos que considerar os problemas de gestão e políticos partidários, que dificultam a construção de alinhamentos estratégicos entre municípios, estados e nação.

Muito se tem comentado a respeito das condições necessárias às nossas sobrevivências física e psíquica num contexto social tão adverso. Tais conversas têm trazido à tona preocupações com a higiene pessoal e do ambiente, com as seguranças físicas e psicológicas, com a precariedade das moradias, com a renda e o saneamento básico insuficientes, com a corrupção e os desvios de dinheiro público.

Situações adversas

As adversidades do momento parecem potencializar a busca e a oferta de “remédios milagrosos” e universais para aliviar a ansiedade, o estresse, a síndrome do pânico, entre outros malefícios decorrentes da propagação da Covid-19. Assim, as “soluções”, como cursos, livros superficiais e palestras, podem parecer opções ótimas às pessoas, que buscam apoio para encontrar um pouco de alegria.

Temas como gratidão, felicidade, resiliência e inteligência emocional, por exemplo, são conceitos, não raro, mostrados de modo simplista, utilitarista e de fácil aplicação. Aliado a isso, o uso de conceitos e de ferramentas por pessoas sem formação e contextualização adequada, poderá gerar consequências negativas à saúde dos indivíduos.

No entanto, considerando os cuidados necessários, a área de conhecimento da Psicologia Positiva dispõe e sugere muitas possibilidades de ação, seja para pessoas, grupos ou organizações, sobretudo em situações de tensão e de grande risco.

Tais ensinamentos e práticas poderão ajudar na modificação de comportamentos negativos ou pessimistas, tornando-os mais saudáveis: quando mudamos o que pensamos e sentimos, aumentamos a possibilidade de adotar práticas mais assertivas, empáticas e construtivas.

As nossas escolhas podem mudar sobremaneira os rumos do que estamos vivenciando. O que acontece importa, mas o modo como pensamos e nos sentimos em relação a isso é fundamental e pode fazer toda a diferença. As pessoas que desfrutam a vida e encontram sentido para viver, não raro são as mesmas que enfrentaram desafios, extraíram aprendizados importantes, se fortaleceram, não desistiram e os superaram.

O legado deixado por Victor Frankl, a partir das experiências que teve no campo de concentração nazista, na Segunda Guerra Mundial, mostram o significado de ser humano, que é expressar o potencial de enfrentar uma situação compreendida como ameaçadora, mantendo o equilíbrio e não abrindo mão do sentido da vida. Isso se explica por que temos uma capacidade e vontade de viver sempre “mirando o futuro”.

Em circunstâncias difíceis, podemos extrair lições para aprender, crescer e encontrar a felicidade, não confundindo-a somente com sucesso material ou poder aquisitivo. Também precisamos compreender que sempre teremos escolhas que permitam o autocontrole da vida.

Dinheiro não é tudo

Evidências científicas mostram que condições materiais de existência insuficientes tornam as pessoas infelizes. Quando em condições de extrema pobreza, os níveis de felicidade dos seres humanos tendem a ser baixos. Contudo, ao melhorarem o poder aquisitivo, não se evidencia na mesma proporção o aumento dos índices de felicidade.

Os estudos também revelam que, quanto mais materialistas, menos felizes somos, e que o fato de termos boas amizades influencia positivamente na felicidade. Ou seja, não existem conexões positivas intensas entre felicidade e melhoria econômica. Consequentemente, precisamos rever a ideia de que, quanto mais ricos financeiramente, mais felizes seremos. À guisa de ilustração, nas últimas décadas, o poder aquisitivo mais que dobrou em países com baixos índices de pobreza, como Estados Unidos, Japão e França, mas a satisfação geral com a vida mudou muito pouco.

Levando isso em conta, o propósito do indicador Felicidade Interna Bruta, da Organização das Nações Unidas (ONU) é o de contribuir para o equilíbrio econômico e o progresso social de todos os povos. Tal princípio confirma a relevância que a satisfação das necessidades e expectativas de sobrevivência, de segurança, de pertencimento, de autoestima, de aprendizado, de estética, de criatividade e de autorrealização têm para os seres humanos.

Como bem lembra a letra de uma música do pop rock nacional, ‘além de comida e bebida, desejamos diversão, arte, saída para qualquer parte, amor e prazer para aliviar a dor’. Precisamos de dinheiro, mas também de felicidade num sentido mais amplo, além das condições materiais de existência, da posição social e do poder aquisitivo.

Futuro que queremos

O contexto de pandemia criou oportunidade para revermos atitudes e comportamentos, diante das desigualdades observadas em nossa realidade. O que temos ainda por fazer? Qual mundo queremos deixar para as futuras gerações?

Precisamos de alternativas que possibilitem construir o futuro que almejamos. Necessitamos equilibrar trabalho e vida pessoal, aprimorar nossos relacionamentos no âmbito profissional e em outros espaços das nossas vidas. Também será essencial encontrar sentido no que fazemos, ajudar na superação dos desafios que nos são impostos pelas guerras, pela miséria, pela injustiça social, pela desigualdade na distribuição econômica e pela destruição do meio ambiente.

Enfim, devemos construir rotas mais elevadas, que transcendam do “isso ou aquilo” para o “isso e aquilo”. Não é o meu jeito ou modo de pensar ou o seu jeito ou modo de pensar. É necessário transitar para algo maior, do individual para o coletivo, por meio da criatividade sinergética, de transformação para o “nosso jeito”, o qual significa um modo elevado de pensar, sentir e fazer.

É nosso dever contribuir com a construção de um mundo digno e justo. Tal propósito não depende somente de nós, mas também tem a ver com as escolhas que fizermos ao longo das nossas vidas. Para isso, será primordial “esperançar”, não esperar por dias melhores. Não podemos continuar tolerantes e coniventes com a realidade atual, na qual tem predominado o individualismo, o consumo exacerbado e o ritmo fútil e frenético de vida.

Não existe percurso certo ou receita para isso. O caminho se constrói ao andar. Ao se caminhar, a esperança precisa ressurgir enquanto contraponto da desesperança. A esperança não é sinônimo de ilusão ou de passatempo. O “esperançar” não supõe certezas, mas tem como suposto o estabelecimento de rotas ou caminhos que nos permitam andar. A transformação não é impossível, mas não podemos nos omitir. Precisamos tentar.

E MAIS…

A felicidade no desenvolvimento de uma nação

A felicidade nas relações pessoais, no trabalho ou em outros espaços de vida, é um direito inalienável de todo ser humano. A Felicidade Interna Bruta (FIB) é um indicador das Organizações das Nações Unidas (ONU) criado como medida complementar ao Produto Interno Bruto (PIB).

Para a ONU, o desenvolvimento de um país não se explica somente por meio do PIB, que representa os bens produzidos e os serviços prestados pelo povo de uma nação, num período de tempo. É importante considerar quesitos como bem estar humano, esgotamento dos recursos naturais, cuidados com a família e utilização do tempo de forma equilibrada, adequada e prazerosa para analisar o FIB. Não levar em conta os indicadores da FIB limita e distorce os padrões necessários de qualidade de vida, bem estar e de felicidade.

Tal estado psicológico positivo tem consequências nas saúdes física, psíquica e espiritual da sociedade em geral, o que ajuda a elevar o índice de desenvolvimento humano e a Felicidade Interna Bruta (FIB) das comunidades humanas nos diferentes continentes da Terra.

Pesquisas afirmam que as condições materiais de existência constituem base importante para a felicidade humana. Mas também devem ser consideradas: as conexões positivas (relações de ajuda, de gentileza, de gratidão e de solidariedade); os fatores pessoais, como o autoconhecimento, a autoestima, o desenvolvimento das virtudes, das forças de caráter e das qualidades psicológicas positivas; como também, os componentes transcendentais, tais como o sentido da vida e a consciência de fazer parte de algo superior ou maior.

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