Com o Stitch em alta este ano, não posso deixar de lembrar de um filme que se fez muito presente na minha infância. Lilo & Stitch sempre foi um dos meus desenhos favoritos. Lilo sempre se metia em confusões que me arrancavam risadas, e Stitch com certeza é o bicho de estimação mais difícil de cuidar, mas a relação existente entre eles em meio às confusões sempre me fazia retornar ao filme e (re)assisti-lo inúmeras vezes.

Não podia deixar passar a oportunidade de falar sobre esse filme e seus personagens com vocês, e foi inevitável associá-lo à teoria do apego ao lembrar das cenas e falas da trama. Disponível na Disney+, o filme de 2002 se passa no Havaí e acompanha a história de Lilo, uma menina órfã que vive com sua irmã mais velha, Nani, e Stitch, uma criatura alienígena que elas adotam no canil.

Nos primeiros minutos, conhecemos Stitch, que foi criado como uma força indestrutível que vai parar na Terra ao fugir dos agentes que tentam se livrar dele. Logo após, somos apresentados à pequena Lilo e sua única família, Nani, sua irmã mais velha. No início, vemos Lilo nadando, tirando fotos e participando da aula de dança e percebemos que ela tem uma tendência ao exagero e à catastrofização.

Ao chegar em casa, Nani se depara com Lilo trancada, sem querer abrir a porta, enquanto espera a assistente social. Esse é um momento muito importante para a nossa análise, pois Lilo conta coisas horríveis que colocam em jogo sua guarda com a irmã. Na primeira interação que vemos entre elas, Lilo e Nani discutem e gritam uma com a outra. A pequena protagonista fala “então me vende e compra um coelho”, e Nani responde dizendo que compraria, pois ele ficaria quieto e se comportaria melhor.

Insegurança

Aqui já podemos identificar elementos que remetem à teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby e Mary Ainsworth. Lilo, que perdeu os pais, vive em um ambiente instável, onde Nani, embora seja amorosa, está sobrecarregada com responsabilidades e insegura sobre o futuro das duas. Essa inconsistência no cuidado faz com que Lilo desenvolva um apego inseguro-ambivalente, caracterizado pela ansiedade de separação e pela busca constante por atenção e validação.

Podemos ver que Lilo se encontra em um ambiente emocionalmente imprevisível. A perda dos pais e a dificuldade de Nani em equilibrar seu papel de cuidadora criam um cenário no qual Lilo não se sente completamente segura, a levando a agir de maneira rebelde, buscando formas de controlar seu ambiente, como quando ela tira e coleciona fotos ou se apega ao peixe Pudge, criando rituais que lhe dão uma sensação de segurança.

Lilo é uma criança sensível e criativa, mas muitas vezes se sente incompreendida pelos outros, como vemos na cena com suas colegas da aula de dança ou quando ela mesma fala isso para Nani. A menina não recebe validação para suas emoções e necessidades, o que a leva a exagerar em suas ações e reações para chamar a atenção e ser notada, com um comportamento típico de crianças com apego ambivalente que buscam constantemente garantir que suas necessidades emocionais serão atendidas.

Quando Stitch cai na Terra, ele vai parar em um canil, onde Nani e Lilo estão em busca de um cachorro para Lilo, que se apaixona por Stitch (o cãozinho mais estranho do lugar). Ao levá-lo para casa, as irmãs se metem em mais confusões, mas criam um relacionamento com Stitch, que se torna parte da família. É aqui que a teoria do apego ganha ainda mais relevância. Stitch, que inicialmente é uma criatura caótica e destrutiva, acaba se tornando uma figura de apego para Lilo. Mas, afinal, que teoria é essa? O que é apego? Quais os tipos?

Ligação

A teoria do apego surgiu na década de 1950 como uma alternativa para explicar a natureza da forte ligação entre a criança e seu cuidador principal (chamado de figura de apego) que ofereça (mesmo que minimamente) proteção, segurança e conforto. Bowlby estava interessado em entender por que as crianças se apegam tanto aos seus cuidadores e como a separação ou a perda dessas figuras poderia afetar seu desenvolvimento.

A teoria explica como os vínculos emocionais entre crianças e seus cuidadores (geralmente os pais) influenciam o desenvolvimento emocional, social e até físico ao longo da vida. Ela sugere que a qualidade desses vínculos afeta como nos relacionamos com os outros, como lidamos com o estresse e como nos vemos no mundo.

Bowlby foi influenciado pelas suas observações de crianças separadas de seus pais durante a Segunda Guerra Mundial e em teorias da etologia (estudo do comportamento animal), observando como filhotes de animais buscam proximidade com suas mães para sobreviver. Nesse ponto, argumentou que o apego é um instinto biológico, essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento humano, como um mecanismo de sobrevivência. Nos primeiros anos de vida, os bebês são completamente dependentes dos cuidadores para sobreviver, por isso, buscar proximidade com a figura de apego garante proteção, alimento e cuidado, aumentando as chances de sobrevivência.

Já Mary Ainsworth expandiu a teoria de Bowlby com seu experimento chamado “Situação estranha”, em que observou como bebês reagiam à separação e ao reencontro com suas mães, identificando diferentes padrões de apego (seguro, evitativo, ambivalente e desorganizado).

Tipos

No apego seguro, as crianças se sentem seguras e confiantes de que o cuidador estará disponível e responsivo, promovendo autonomia e confiança nos relacionamentos futuros, com impactos positivos na vida adulta, com relacionamentos saudáveis e capacidade de confiar e se conectar emocionalmente.

Já no apego evitativo, se aprende a não depender do cuidador, muitas vezes por falta de resposta consistente às suas necessidades. As crianças com esse tipo de apego tendem a se tornar independentes demais e evitar intimidade emocional.

Crianças com o apego ambivalente ficam ansiosas e inseguras sobre a disponibilidade do cuidador, levando a comportamentos de busca de atenção e dificuldade em se acalmar. Elas não exploram adequadamente o ambiente, tendo dificuldades em se regular emocionalmente.

E o apego desorganizado resulta de traumas ou negligência grave, em que as crianças exibem comportamentos confusos e contraditórios em relação ao cuidador. Lembrando que não são definições rígidas e existe uma flexibilidade na maneira de se sentir e agir.

Ambivalência

Como podemos ver esses tipos de apego no filme? Qual será o apego de Lilo? Ela apresenta características de um apego ambivalente, como em sua relação com Nani. A protagonista é carinhosa e ama a irmã, mas também age de forma rebelde e desafiadora, possivelmente por medo de perder a família que lhe resta. Nani, por sua vez, tenta oferecer um ambiente seguro, mas sua insegurança e seu estresse (medo de perder a guarda de Lilo) podem transmitir ansiedade para a irmã. A dinâmica entre as duas mostra como a falta de uma figura parental estável pode afetar o desenvolvimento emocional de uma criança.

Mas não é só nessas cenas que vemos o apego ambivalente de Lilo. Desde o início do filme, percebemos o seu apego ao peixe Pudge e às fotos que tira. Lilo é uma criança que perdeu os pais e vive com a irmã, Nani, em uma situação familiar instável, as fotos podem representar preservar memórias e conexões como uma forma de lidar com o medo de perder as pessoas que ama.

Já com o estranho peixe Pudge, a personagem acredita que ele controla o clima (sim, o peixe) e que ela precisa alimentá-lo com sanduíches de manteiga de amendoim para evitar desastres naturais, refletindo uma necessidade de controle sobre o ambiente e uma busca por segurança emocional comum a crianças com esse tipo de apego.

Já na dinâmica com Stitch, vemos uma relação que permite o desenvolvimento de um apego seguro para Stitch, uma vez que Lilo oferece a ele um ambiente de aceitação e amor incondicional, algo que ele nunca experimentou antes. O pequeno alienígena, que inicialmente era caótico e solitário, transforma-se ao encontrar um lugar ao qual pertence, mostrando como relações de apego seguro podem promover mudanças positivas.

Podemos ver essa construção de forma clara na cena em que Lilo tenta ensinar Stitch a ser “bom”: ela está, na verdade, ajudando-o a aprender a confiar e a se conectar com os outros, ilustrando como o apego seguro pode transformar comportamentos destrutivos em saudáveis, mostrando que o amor e a paciência são fundamentais para a construção de vínculos.

O apego inseguro-ambivalente é marcado pela inconsistência no atendimento das necessidades emocionais da criança, o que gera ansiedade, insegurança e dificuldades nos relacionamentos. No caso de Lilo, vemos como essas necessidades não atendidas se manifestam em seus comportamentos e como ela busca, de forma criativa e emocional, lidar com essas lacunas.

Aceitação

Stitch oferece a Lilo aceitação incondicional, algo que ela não encontrava em outros relacionamentos. Stitch não julga Lilo por suas peculiaridades ou comportamentos; ele a aceita exatamente como ela é, e Lilo o aceita exatamente como ele é. Isso ajuda ambos a desenvolverem um senso de segurança emocional que estava faltando em suas vidas.

Além disso, Stitch se torna uma figura consistente e confiável para Lilo. Apesar de suas origens caóticas, ele está sempre ao seu lado, defendendo-a e apoiando-a. Essa constância é crucial para o desenvolvimento de um apego seguro, pois permite que Lilo confie em alguém e sinta que pode contar com ele independentemente das circunstâncias.

A famosa frase de Lilo “Ohana significa família. Família significa nunca abandonar ou esquecer” resume o cerne da história e reflete a importância dos vínculos afetivos para o desenvolvimento emocional. Stitch não só se torna parte da família, mas também ajuda Lilo a preencher as lacunas deixadas pelo apego inseguro-ambivalente, oferecendo-lhe amor, segurança e um senso de pertencimento, criando sua própria família.

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