A pandemia está sendo um grande desafio para todos. Ela causou uma imensa confusão interna gerando medo, angústia, ansiedade. Não conseguimos pensar em outra coisa. Quando começou a quarentena, a sensação foi de ter um tempo livre para colocar as coisas em dia, mas não aconteceu assim. O isolamento social se prolongou e já não tem sido tão produtivo, pois, na verdade, este tempo não é livre, é um tempo tomado por um incômodo, por uma agitação mental que deixa a “cabeça cheia”. É assim que estamos atravessando a pandemia da Covid-19, que além de tantas mortes e problemas físicos, provoca também uma onda de manifestações psicológicas, algumas normais e outras patológicas, muitas até difíceis de classificar. Tal situação de crise pode agravar um transtorno mental psicológico já existente.
Essa crise é classificada de duas maneiras: uma é a crise ao evento real e objetivo da pandemia. A outra é a crise psicológica de como a pessoa vivencia esta situação. Esta distinção é importante e legítima, afinal, as pessoas reagem de maneiras diferentes a mesma situação de crise. Diante do mesmo terremoto, alguns ficam um pouco abalados e outros completamente colapsados com o ocorrido. Assim, como na mesma situação de abalo econômico, há os que não se incomodam muito, outros se deprimem e tem até os que cometem suicídio por não suportar a situação. No cenário de risco de contrair o vírus da Covid-19, algumas pessoas vão levando a vida, enquanto outras simplesmente travam, pioram de um transtorno mental pré-existente ou inauguram uma doença psiquiátrica que não tinham.
Manifestações físicas e emocionais
A própria crise funciona como um gatilho que desestabiliza os pacientes psiquiátricos, seja lá qual for o transtorno de que padecem. Temos assistido, por exemplo, muitos pacientes bipolares terem sérias recaídas na depressão; pacientes dependentes químicos voltarem a beber ou a usar drogas; pacientes psicóticos entrarem em novo surto; e adolescentes que estavam bem, retomarem o hábito de se cortar quando nervosos. Vimos com preocupação um aumento no índice de suicídio e um aumento significativo na demanda dos consultórios e serviços psiquiátricos.
Mas, quando falamos de distúrbios psiquiátricos relacionados à pandemia, e não apenas reagudizados por ela, os transtornos ansiosos são, de longe, os mais frequentes.
Trabalho muito com ansiedade, dentro da psiquiatria este é o meu campo de interesse e de estudo há algumas décadas.
A ansiedade se manifesta de dois modos: em crises agudas ou em quadros mais crônicos. As crises de ansiedade ou ataques de ansiedade são chamadas de crises de pânico e os quadros mais estáveis de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Esta distinção psiquiátrica acompanha a proposta por Freud em neurose de angústia aguda e neurose de angústia crônica. No pânico, a ansiedade se manifesta mais no corpo com sintomas físicos e no TAG a manifestação está na cabeça, em forma de pensamentos. Na crise de pânico, de repente, a pessoa começa a sentir falta de ar, taquicardia, cabeça pesada, peito apertado, pernas trêmulas, frio na barriga e a sensação de que algo grave vai acontecer. A intensidade corporal é tão forte que chega a causar a sensação de um ataque cardíaco ou um derrame cerebral. O pânico é imediato e genuíno.
Aumento exponencial
Na pandemia atual, percebemos um aumento exponencial de TAGs, afinal quem sofre desse transtorno é naturalmente preocupado, atento e prevenido, mesmo sem um motivo aparentemente real. Dentro de um cenário de perigo potencial, como é o caso do enfrentamento da Covid-19, a pessoa não consegue controlar a sua cabeça e pode chegar à obsessão com dificuldades até mesmo para dormir.
A depressão também vem na onda da pandemia, pois a ansiedade mantida por muito tempo aponta para depressão. Depois de muito tempo ansioso, vigilante e tenso, a tendência é cair no desânimo devido à exaustão.
Quero minha vida de volta
Aquilo que aprendemos pelo medo e pela ansiedade, tende a enfraquecer quando o perigo passa ou, simplesmente, quando o tempo passa. Por isso, o velho ditado de que o tempo cura tudo, também faz esquecer algumas coisas, amenizando sua importância.
Além de ser um ótimo alarme, o medo serve como um vigia, nos faz enxergar o perigo. Entretanto, convenhamos, ele não nos ajuda a compreender a situação. O medo alerta, mas não explica. Para entender o significado da pandemia, arrisco dizer que a tristeza seria um professor melhor. Não estou falando de depressão, mas de tristeza. O medo paralisa, enquanto a tristeza é uma grande motivadora de mudanças.
O medo nos faz querer mudar o estilo de vida, parar de explorar o planeta, ter mais consciência com o consumo e tantas outras coisas que está na lista mental. Mas, vamos ser realistas! Pensando bem, será que esta força vai se tornar uma tendência nova na nossa vida pessoal e na cultura, ou não?
Passado esse tempo todo de isolamento, a impressão é que cada um de nós quer a sua vida de volta. Afinal, o tempo cura tudo e faz esquecer muitas coisas… Saímos do estágio de angústia e tristeza que transformam. E isso é um perigo, pois nos leva à tendência de voltar ao modo conhecido, ao modelo antigo, à zona de conforto e não mudar mais absolutamente nada. Voltamos, então, ao estágio paralisador.
O desamparo existencial
A pandemia mundial nos levou a descobrir o que chamamos tecnicamente de desamparo existencial. Ela nos colocou frente a frente com a fragilidade da vida e descobrimos que nunca estivemos seguros.
Você sabe o que é queimar o dedo numa vela ou palito de fósforo? Alguém que nunca tenha passado por esta experiência, por mais que lhe expliquem, não é a mesma coisa que vivenciar o dedo queimado.
O desamparo existencial proposto por Freud é uma descoberta de vivência corporal e emocional. Descobrir de uma forma abrupta que a morte é um risco que bate à porta leva ao desamparo existencial. Todos sabemos que vamos morrer um dia, é um fato do qual ninguém vai fugir, mas na hora em que o médico abre um exame e olha para o paciente com um diagnóstico do tipo: “você tem tal problema e vai precisar passar por uma cirurgia cardíaca”, o corpo automaticamente reage e, em instantes, a sensação de medo e frio na barriga afloram.
É neste momento que você se dá conta que, de fato, nunca esteve seguro – e que a morte pode chegar. Neste momento, o que se sente é desamparo existencial.