A dislexia é um dos transtornos do neurodesenvolvimento mais estudados. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais (DSM-5), as manifestações estão presentes desde o início do desenvolvimento. Os déficits decorrentes dos quadros apresentados podem gerar prejuízos no funcionamento social, pessoal, acadêmico e, mais tarde, profissional.

Dentre os transtornos do neurodesenvolvimento listados no DSM-5 estão os “transtornos específicos da aprendizagem”, que podem se manifestar com prejuízo na leitura, na expressão escrita e/ou nas habilidades matemáticas. Quando o prejuízo se manifesta na leitura, há dificuldades em precisão na leitura de palavras, na velocidade ou fluência e na compreensão da leitura. Segundo o DSM-5, a dislexia “é um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia”.

Origem neurobiológica

Assim, a dislexia pode ser entendida como uma dificuldade de origem neurobiológica para aprender a ler e escrever adequadamente, com manifestações linguísticas variadas. Embora somente possa ser diagnosticada após o processo de alfabetização, há sinais precoces que podem indicar, desde os anos iniciais do desenvolvimento, que a criança apresenta características peculiares. Alguns estudos levantaram certas características no desenvolvimento da linguagem que apontam um conjunto de sinais e sintomas típicos. Os mais relevantes são:

– Atraso no aparecimento das primeiras palavras.

– As primeiras frases emitidas pela criança podem ser mais curtas e mais simples.

– Podem ter dificuldades em lembrar os nomes dos objetos e em recontar histórias.

– O armazenamento de sequências de sons e palavras pode falhar.

– Dificuldades para aprender novas palavras (vocabulário restrito).

– Alguns sons podem não ser corretamente pronunciados (lembrando que até os cinco anos de idade as crianças já devem ter aprendido a produzir todo os sons da fala corretamente).

– Dificuldades com a habilidade de consciência fonológica (em lidar com os sons da língua em diferentes níveis, por exemplo: em entender e produzir rimas, em combinar palavras ou dividi-las em sílabas e sons).

Sabemos que, quanto melhor for a habilidade de linguagem oral da criança, melhor será a sua capacidade de aprender e desenvolver as habilidades de leitura e escrita. Portanto, tais dificuldades sinalizam que a criança que apresenta um ou mais destes sintomas se enquadra no grupo de risco para dislexia. Não podemos dizer que todas as crianças que apresentarem estes sinais têm dislexia, e não quer dizer também que as crianças com dislexia irão apresentar todos estes sinais. Mas é muito importante prestar atenção a essas características logo nos anos iniciais do desenvolvimento para encaminhar a criança para uma avaliação fonoaudiológica e orientações ou intervenções o quanto antes.

Além destes sinais, ao início da educação formal a criança com dislexia apresentará dificuldades em:

– Reconhecer as letras do alfabeto.

– Aprender a relação entre as letras e os sons que as representam.

– Reconhecimento automático das palavras.

– Dificuldades ortográficas.

Após ensino formal, a leitura se desenvolve, mas, em alguns casos, de forma imprecisa, lenta e laboriosa. A queixa dos professores é de baixo desempenho em provas escritas e desempenho satisfatório em provas orais. Isso porque o potencial intelectual destes escolares é sempre preservado.

Concorrência com TDAH

Alguns quadros podem aparecer em coocorrência com a dislexia. Um destes quadros é o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Uma pessoa pode ter dislexia e TDAH, é possível – embora não seja tão comum. Mas é muito comum que aconteça uma confusão diagnóstica entre os quadros.

A dislexia, pelo impacto na vida acadêmica, faz com que o escolar tenha resistência ou mesmo um comportamento de fuga mediante atividades acadêmicas (ou mesmo sociais) que demandam leitura ou escrita. Diante deste contexto, embora tenha plena capacidade de manter a atenção sustentada, qualquer pequeno evento o dispersa e se torna mais interessante, interferindo na habilidade de atenção dividida. Assim, esse escolar parece ter problemas de atenção, mas tem uma causa muito específica: a dislexia.

Já no TDAH, como consequência de dificuldades tanto em atenção sustentada como dividida, podem haver queixas frequentes de dificuldades escolares. No entanto, é mais comum que os problemas sejam comportamentais e não de rendimento acadêmico. Assim, é comum que os quadros sejam confundidos. É essencial entender a raiz da dificuldade para o adequado tratamento.

Diferenciação

Um diagnóstico muito bem conduzido é imprescindível para que se entenda que há realmente casos de coocorrência de dislexia e TDAH, mas há casos de dislexia com aparente comprometimento da atenção e casos de TDAH com interferência no desempenho acadêmico, sem que se caracterize como um transtorno específico de aprendizagem. Há alguns recursos simples que o profissional, em processo de avaliação, pode observar:

Consistência dos erros: se o escolar oscila entre, por exemplo, escrever uma palavra corretamente e em outro momento errar a mesma palavra, é mais provável que ele tenha TDAH. O escolar com dislexia erra consistentemente determinados tipos de construções ortográficas e sintáticas. Ou seja, uma flutuação no rendimento nas tarefas aplicadas pode estar mais ligada ao quadro de TDAH, enquanto a repetição da mesma falha em testes sucessivos está mais ligada ao quadro de dislexia.

Tipo dos erros: os erros presentes na leitura e escrita dos escolares com TDAH são, basicamente, por falta de atenção ou de práticas de letramento. Assim, tentar adivinhar as palavras lidas, erros na leitura ou escrita por falta de atenção, falta de acento ou pontuação e determinados erros na escrita que claramente se caracterizam por falta de prática de letramento podem ser característicos do TDAH. Os mesmos erros podem estar presentes nos escolares com dislexia, mas ocorrem juntamente com dificuldades sistemáticas em leitura (na decodificação e reconhecimento automático das palavras) e escrita. Além disso, a criança pode apresentar dificuldades em estabelecer relação entre as letras e os sons que as representam, distinguir letras visualmente semelhantes ou internalizar regras ortográficas, com evolução mais lenta mediante tratamento especializado.

Comprometimento das habilidades de base: os escolares com dislexia podem apresentar déficits nas habilidades do processamento fonológico (memória, rapidez de acesso às informações armazenadas e consciência fonológica), dificuldades em uma das rotas de acesso à leitura, dificuldades no processamento ortográfico, auditivo e/ ou visual. Um ou mais destes componentes normalmente está afetado nos casos de dislexia, como base das alterações apresentadas. Já nos casos de TDAH, normalmente o componente que causa a sintomatologia presente são alterações nas funções executivas, especialmente na habilidade de atenção e memória.

Mau desempenho acadêmico

O diagnóstico preciso é essencial nos casos de escolares com queixas de mau desempenho acadêmico, não apenas para se dar um nome ao quadro apresentado – rotular –, mas sobretudo para se estabelecer estratégias assertivas de intervenção e ajustes educacionais apropriados para cada indivíduo.

Em um país com tantas desigualdades, é bastante complicado, mediante um quadro de queixa de mau desempenho acadêmico, se rotular uma criança com dislexia. Saber distinguir um quadro de comprometimento neurobiológico, como a dislexia e outros transtornos de aprendizagem, de um quadro de dificuldade escolar (relacionado a interferências externas ao escolar, de origem pedagógica e/ou sociocultural), é um grande desafio em nosso país.

Precisamos nos assegurar durante o processo diagnóstico que não se trata de uma falha do sistema de ensino. Como resolver esta dúvida? O DSM-5 apresenta como primeiro critério diagnóstico uma lista de seis sintomas norteadores. Tais sintomas devem estar presentes por pelo menos seis meses, apesar da intervenção especializada dirigida a estas dificuldades. Ou seja, a orientação é colocar o escolar em intervenção especializada pelo tempo mínimo necessário para se observar evolução do caso e, após este período inicial, se os sintomas persistirem, confirma-se a hipótese diagnóstica levantada.

Equipes multidisciplinares

A intervenção também deve, idealmente, ser realizada por equipe interprofissional. A depender dos sintomas apresentados serão priorizados os atendimentos necessários: fonoaudiológico, psicológico ou psicopedagógico. Os casos de comorbidades médicas devem ser acompanhados pelo neurologista ou psiquiatra. Os casos de comprometimento de habilidades motoras ou visomotoras, planejamento espacial e temporal, além de dificuldades de integração sensorial, serão acompanhados também pelo terapeuta ocupacional. As técnicas de intervenção devem ser sempre cientificamente fundamentadas. O tratamento acontece sempre a médio e longo prazo.

O papel da escola é fundamental na parceria com os terapeutas, para os ajustes pedagógicos e apoio no acompanhamento dos escolares em tratamento. A parceria com a família é a base de todo o processo. Colocar a criança como protagonista no processo irá ajudar na autoestima e melhor condução do processo terapêutico. Os escolares devem entender que eles apenas têm um tempo e jeito diferente para aprender. Fazê-los entender que, às vezes, irão precisar pedir ajuda, mas que têm plena capacidade e potencial para seguirem o caminho profissional e pessoal que quiserem, é imprescindível.

A dislexia pode se manifestar em diferentes graus de comprometimento que poderão persistir ao longo da vida. As intervenções adequadas, realizadas por profissionais especialistas e cientificamente embasadas, irão proporcionar as condições necessárias para o sucesso acadêmico, cultural e social de todos os escolares.

E MAIS…

Diagnóstico é interdisciplinar e deve excluir outros quadros

Importante destacar que os professores têm papel imprescindível no levantamento dos sinais e características do aluno como apoio ao processo diagnóstico. O diagnóstico dos casos de dislexia é sempre interdisciplinar. Os profissionais da equipe de diagnóstico avaliam e analisam as características do escolar e apresentam a sua perspectiva no processo de construção do diagnóstico. É como montar um quebra-cabeça. Cada profissional traz uma peça importante, que apenas quando completado provê uma visão mais precisa e abrangente. Fazem parte desta equipe de diagnóstico o médico (neurologista ou psiquiatra), o psicólogo, o fonoaudiólogo, o pedagogo (ou psicopedagogo) e o terapeuta ocupacional.

A equipe conduzirá a avaliação de forma a excluir outros quadros que poderiam explicar melhor os sintomas. Assim, quadros como deficiência intelectual, problemas de acuidade visual ou auditiva não corrigidos e outros transtornos mentais ou neurológicos não são compatíveis com o diagnóstico de dislexia. Da mesma forma, adversidades psicossociais, instrução educacional inadequada (ou ensino “fraco”) e falta de proficiência na língua de instrução acadêmica são também critérios de exclusão.