Muitos pais, embora preocupados com o tempo que seus filhos destinam à internet, jogos e uso de tecnologias, em geral, não conseguem encontrar um equilíbrio entre esse tempo gasto em tecnologia e outras atividades, que muitas vezes são recusadas, evitadas ou trocadas pelas crianças, por esse universo digital.

Em meio à pandemia e isolamento social, para alguns pais de crianças já há meses em casa, parece que essa questão volta à tona, mas com um novo olhar, afinal, nesses tempos de quarentena, o uso da internet e todos os outros meios digitais veio a significar, para a maioria das pessoas, a única “janela para o mundo”. É o instrumento para a interação social com amigos e escola.

O tempo de conexão, nesse contexto de pandemia, aumentou muito entre crianças e adolescentes, e então surge o dilema: como limitar o uso das tecnologias nesses tempos em que essas atividades tomam um valor muito maior devido ao isolamento? É preciso limitar esse uso, mesmo que ele represente, hoje, a conexão com a vida social tão comprometida nesse momento?

A resposta a essas questões continua sendo a mesma: sim!  Ainda que essa conexão e essas experiências digitais tragam alguns benefícios para esse momento e para o próprio desenvolvimento, o tempo de uso das telas deve, sim, ser limitado, de acordo com a idade das crianças.

Superexposição tecnológica

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), crianças de dois a cinco anos devem ser expostas apenas uma hora por dia às telas. De seis a dez anos, o uso é limitado a duas horas diárias e de onze a dezoito anos de idade, o ideal e recomendado é o limite de três horas diárias. Porém, uma pesquisa mundial da agência Wearesocial mostrou que brasileiros (incluindo adolescentes e adultos) passam cerca de nove horas diárias conectados.

Um adulto pode justificar esse uso por estar trabalhando pela internet, mas a grande preocupação é com adolescentes: tirando as horas de escola, essas nove horas de conexão pressupõem uma privação de sono e de alimentação. Outra pesquisa mostra que 20% das crianças de onze a dezessete anos deixam de comer para ficarem conectados (Núcleo de Infância e Coordenação do Ponto, BR).

Num mundo cada vez mais tecnológico, crianças estão sendo expostas precocemente às telas, inclusive antes dos dois anos, o que não é recomendado pela associação de Pediatria. Estudos recentes apontam sérios problemas de saúde física e mental gerados pela superexposição de crianças e adolescentes à tecnologia, como transtornos do sono, atenção e aprendizagem, distúrbios do sistema hormonal, regulação do humor (com risco de desenvolvimento de ansiedade e depressão), sistema osteoarticular, visão e audição. Além da facilidade à exposição a grupos de comportamentos de risco, podendo chegar a acessos de comportamento de autoagressão, entre outros.

Nativos da era digital

É muito relevante, porém, que crianças, chamadas de nativos da era digital, possam também se beneficiar do lado positivo que a tecnologia oferece, desfrutando desse uso para a aprendizagem e desenvolvimento. É irrevogável o universo de possibilidades de acesso à cultura, ciência, aprendizagem e entretenimento que a internet oferece. Sendo assim, cabe aos pais essa dosagem e adequação ao bom uso da tecnologia pelos filhos. A supervisão, tanto ao tempo de uso, como à qualidade dessas interações, é de responsabilidade dos cuidadores.

Questionadas em uma pesquisa, 42% das crianças disseram que seus pais sabem “em parte” o que elas fazem na internet e 8% disseram que eles não sabem absolutamente nada. Esses números são preocupantes.

O fenômeno do tecnoestresse

Uma criança ainda não tem maturidade e senso de autoproteção para administrar suas escolhas na navegação e nesse universo todo. Especialistas alertam para a “intoxicação digital”, que afeta a saúde mental, o comportamento e a saúde física da criança.

O chamado tecnoestresse se torna ainda mais problemático no contexto de pandemia, quando as crianças foram obrigadas a fazerem o ensino a distância e a passarem muito mais tempo conectadas.  Esse tipo de estresse causa irritabilidade, ansiedade, mudança de humor e até perda de empatia, alterando-se drasticamente o comportamento, podendo desenvolver a agressividade.

Compulsão futura 

Um dos sérios problemas desse tempo de conexão exagerada é a frequência nos videogames que, em alguns casos, pode chegar a provocar um vício que, para o cérebro, segundo especialistas, pode ser comparado ao vício em álcool e drogas. Estudos atuais da Universidade Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos, comprovam que o vício em videogame danifica o cérebro nas mesmas áreas e estruturas que esses outros vícios citados.

Ainda, de acordo com a Neurociência, que permeia todos esses estudos, quando uma criança ou adolescente está jogando videogame, o seu sistema de recompensas no cérebro é altamente ativado, alterando o padrão de produção de dopamina, o neurotransmissor do prazer. Essa alteração leva o cérebro a querer cada vez mais essa sensação, criando o ciclo do vício. E, ainda, o padrão uma vez alterado, deixa o cérebro mais suscetível a outros vícios futuros.

Nos jogos on-line, esse sistema de recompensa é ativado de modo particular. Conforme as fases avançam, os desafios são maiores e a dificuldade em cumprir as missões também. Isso demanda cada vez mais tempo e dedicação ao jogo. Ao ganhar, além do sentimento de recompensa, ainda existe a exposição e o reconhecimento dos outros jogadores que compõem o grupo, criando o ciclo de “vontade” cada vez maior na atividade. Problemas como falta de concentração, sonolência, irritabilidade são causados por esse exagero na atividade digital. O tecnoestresse aumenta níveis de cortisol, contribuindo com um ciclo de ansiedade e depressão.

Encontrar o equilíbrio

É possível, sim, achar um equilíbrio entre o uso da tecnologia e uma vida saudável! Hoje, a tecnologia faz parte da rotina de qualquer família e esse é um caminho sem volta. A pandemia nos mostrou o quanto o mundo digital se tornou importante e imprescindível na sociedade. É inegável que a internet nos trouxe um mundo de possibilidades.

Os jogos também possuem seu lado positivo. Além de entretenimento, eles podem auxiliar positivamente no desenvolvimento de muitas habilidades. O problema não está no uso, mas no excesso! Os jogos, quando não travam o cérebro por causa da dopamina, afetam o córtex pré-frontal de forma positiva. Essa área é responsável, entre outras habilidades, por ensinar estratégias para situações difíceis. Alguns jogos podem fortalecer esse sistema, assim como também trabalhar a atenção e as habilidades de multitarefas.

Existem jogos pedagógicos que auxiliam a aprendizagem de forma lúdica. Há um trabalho de reabilitação cognitiva que se baseia no uso de games (gameterapia), que ativam áreas cerebrais importantes e desenvolvem áreas motoras. Portanto, a tecnologia não é totalmente positiva ou negativa. É o seu uso que faz essa diferença. O exagero nas atividades as torna nocivas à saúde.

O contato com amigos através das redes, da conexão, é altamente positivo, principalmente em tempos de quarentena. Incentivos aos encontros on-line entre grupos de adolescentes, neste período de isolamento, aplaca um pouco a solidão, principalmente nessa fase da vida em que o contato físico é tão importante assim como o sentimento de pertencimento.

Exemplo familiar

O cuidado com esse tempo de conexão, e também quanto à escolha do conteúdo digital, cabe sempre aos pais, lembrando que crianças e adolescentes não possuem ainda recursos cerebrais formados totalmente que lhes garantam um sentido de autoproteção e de discernimento entre causa, efeito e consequência, antes dos vinte anos.

Enquanto os filhos não conseguem administrar sua liberdade e suas escolhas, cabe aos pais colocarem esses limites, ensinando, aos poucos, a terem autocontrole e capacidade de julgamento de suas próprias escolhas, que ocorrerá com a maturidade e com o treino.

Não é uma tarefa fácil aos pais esse controle! Nesse processo, valem acordos entre a família, propostas de atividades em grupo e mais do que palavras, o exemplo dos pais. Crianças aprendem muito mais de forma visual do que auditiva, então, se os pais não mudarem o próprio comportamento frente ao uso de tecnologias, não terão sucesso ao proporem essa mudança aos filhos. Uma das estratégias pode ser até um combinado de desligar o wifi da casa em determinado momento, para que haja a substituição da atividade digital pelas atividades familiares.

Em tempos normais, e muito mais em tempos de quarentena, atividades físicas, jogos de tabuleiros, contação de histórias, leituras e desenhos devem “encontrar horários” na rotina familiar.

Assim, é possível conviver de forma saudável com a tecnologia, usufruindo do que ela tem de melhor a oferecer, sem que se torne um risco à saúde, ao desenvolvimento infantil e um problema ao longo da vida adulta. 

E MAIS….

Controle digital durante a quarentena

Crianças muito acostumadas a ficarem horas conectadas podem desenvolver um tipo de comportamento de abstinência quando ficam longe das telas, com irritabilidade, ansiedade, alteração de humor e até agressividade. Além dos aspectos comportamentais, problemas fisiológicos, como bloqueio da melatonina, são suscetíveis a ocorrerem, por exemplo, devido ao brilho intenso da tela e a faixa de onda de luz azul que causa esse bloqueio, afetando a qualidade do sono da criança. Há, ainda, uma prevalência maior nas dificuldades para dormir.

O uso indiscriminado de fones de ouvido pode causar danos auditivos quando o volume do som é acima do tolerável. A visão também pode ser prejudicada quando a exposição à tela ocorrer por mais de uma hora consecutiva sem o distanciamento de 40 centímetros, provocando ou agravando a miopia.

Mesmo com todos esses estudos publicados, é cada vez mais comum crianças abaixo de dois anos estarem precoce e excessivamente expostas aos eletrônicos. A Sociedade Brasileira de Pediatria alerta para um atraso de linguagem frequente em bebês expostos às telas por períodos prolongados. Os trabalhos científicos nos mostram que o problema todo se encontra no exagero a essa exposição digital e também na falta de controle dos pais às atividades dos filhos na internet.

O contexto da pandemia afetou ainda mais essa dificuldade dos pais em dosarem com “pulso forte” essa exposição. Nesse sentido, eles flexibilizaram muito as regras de controle digital durante a quarentena. Mesmo sendo esse o atual canal de socialização e “interação com o mundo”, é preciso controlar essa superexposição, já que as escolas exigem um grande tempo de conexão. Medidas, como bloquear o acesso digital durante as refeições e antes de dormir, já se constituem um bom início nesse processo.

Algumas dicas podem ajudar a limitar o uso diário da tecnologia em casa:

  • Conversar, de acordo com a idade da criança, sobre os benefícios e malefícios da exposição digital.
  • Deixar claro os conteúdos liberados e proibidos em jogos e redes.
  • Obedecer às recomendações pediátricas quanto ao tempo de exposição aos eletrônicos.
  • Supervisionar sempre os conteúdos, principalmente se há TV e computador ou outros eletrônicos no quarto.
  • Não permitir uso de eletrônicos durante as refeições e antes de dormir.
  • Oferecer atividades saudáveis, lúdicas e familiares.
  • Dar exemplo na limitação do uso digital.
  • Toda criança ou adolescente precisa de exercícios físicos!
  • Regras são regras! Se seu filho não se acostumar a obedecer às regras familiares, sofrerá muito no futuro, quando a vida lhe impuser regras e ele não souber lidar com frustrações e limites.