O câncer é uma palavra que deriva do grego karcinos e quer dizer “caranguejo”. Tem sua origem atribuída ao médico grego Hipócrates (460-340 a.C.), que descreveu vários tipos de tumores, sendo usada para designar neoplasias com características malignas (Sontag, 2007). O termo abrange mais de cem doenças que podem acometer qualquer parte do corpo humano e se caracteriza pela proliferação abundante de células rebeldes e capazes de produzir um tumor.
Qualidade de vida
Na década de 1980, de forma geral, falava-se pouco sobre a morte e a preparação da família. A Psico-Oncologia nasceu nos Estados Unidos nesta época e sua precursora foi a norte-americana Jimmie Holland. Ela percebeu que os pacientes queriam falar sobre o status do tratamento, ser acolhidos, poder lidar com questões da morte. A proposta dessa especialidade é propiciar a qualidade de vida da pessoa com câncer desde o seu diagnóstico. O câncer é uma doença que traz importantes alterações no corpo físico e mental e a luta em busca da cura é um processo único e singular do indivíduo, exigindo um enfrentamento de muita coragem. Isso só é possível com a ajuda de psicólogos para amenizar o sofrimento emocional ao longo de toda jornada.
“Atualmente, as palavras câncer e tumor são discutidas com mais abertura na sociedade, em geral. Quando o tratamento não está sendo mais eficaz, optamos pelos cuidados paliativos. O que se busca é propiciar a melhor qualidade de vida enquanto a pessoa viver, mesmo sem fazer nada essencialmente para curar. O sujeito tem o direito de escolha para decidir se vai ter uma vida prolongada só acamada ou não”, comenta a mestre e doutora em Psicologia Clínica, Márcia Stephan.
Câncer na Pandemia
O câncer, assim como a pandemia, exige uma pausa obrigatória na vida e o enfrentamento do imprevisível. Estimativas recentes das Sociedades Brasileiras de Patologia e de Cirurgia Oncológica comprovam que, desde o início da pandemia, aproximadamente 50 mil pessoas deixaram de obter diagnósticos precisos referentes à descoberta de tumores ou sobre como anda o tratamento. Outros milhares de pacientes, já com o tumor detectado, tiveram os tratamentos suspensos. “Estão sendo adotadas medidas para manejo de pacientes oncológicos durante a pandemia, como adiar tratamentos e cirurgias em pacientes que apresentam quadros estáveis da doença, e adotando também outras formas de acompanhamento, via telefone, consultas online, por exemplo”, afirma a psicóloga pós-graduada em Oncologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (SP), Cristiane Lang.
Para a dentista Cida Marins da Silva, enfrentar um câncer no meio da pandemia foi muito desafiador. “Você é obrigado a cuidar de si e olhar para sua vida e, ao mesmo tempo, dar conta de todas as tarefas cotidianas. A vida do marido e dos filhos não pára e há pouca disponibilidade para que familiares lhe deem atenção. O tratamento foi um grande aprendizado para lidar com a solidão, pois tive que enfrentar as sessões de quimioterapia sozinha, em função de não poder ter um acompanhante durante esse período. A psicoterapia me ajudou imensamente a enfrentar tudo com muita coragem e esperança”, comenta Cida.
Enfrentar a doença
Há várias formas de enxergar a doença: como um momento de crise, transição, oportunidade de mudança, meio para aprender e desenvolver uma forma de encarar diferente a vida. Dependendo da abertura de consciência de cada um, o sofrimento pode ser amenizado. Muitos medos surgem no processo: medo de morrer, da cirurgia, das quimioterapias, dos efeitos colaterais do tratamento, de ficar careca, de deixar os filhos, do fim do casamento, de como ficará o apetite sexual etc. Ao mesmo tempo em que acontece esta avalanche de emoções, muitas pessoas sentem ainda o afastamento de pessoas próximas e a decepção da falta de suporte de amigos, o que pode aumentar as emoções negativas.
Especialistas afirmam que a necessidade de fazer terapia depende muito de cada indivíduo e diagnóstico. Há comportamentos como negação, revolta, tristeza profunda até a aceitação da doença. Segundo Márcia Stephan, é preciso trabalhar com o emocional e a esperança o tempo todo. “Conte com os grupos de apoio que você tenha: parceiro, amigos e família fazem toda a diferença”. Outra dica importantíssima para os pacientes sem possibilidade de cura: “Evite pensar em metáforas perversas como a questão da “luta” contra o câncer. Você fez algo errado? Então, você não “perdeu” para o câncer. Ninguém quer perder. A pessoa fez tudo o que podia”.
Atualmente, o bom atendimento de pacientes reúne um trabalho multidisciplinar com médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. No momento do diagnóstico, pela primeira vez na vida, a pessoa olha para a situação da finitude. É possível ressignificar a doença? “A dor invoca emoções e fantasias, muitas vezes incapacitantes, que traduzem o sofrimento, as incertezas, o medo da incapacidade, da desfiguração e da morte. O processo de ressignificação surge no enfrentamento da doença, visto que um olhar adequado irá possibilitar uma melhor adesão ao tratamento, o que pode resultar na remissão da doença, ou pelo menos em uma melhor qualidade de vida”, destaca Cristiane Lang.
Serviço de acolhimento
Uma escuta ativa e afetiva também pode ser encontrada em redes de voluntários de diversas entidades no Brasil. Márcia Stephan faz parte de um grupo voluntário de psico-oncologistas que prestam serviços no Instituto Oncoguia (http://www.oncoguia.org.br) e atua no Comitê de Saúde Emocional da ONG. O instituto oferece rodas de conversa on-line conhecidas como “Conversando sobre os meus sentimentos” para pacientes que compartilham as suas histórias e falam de questões da vida como amizade em narrativas que são construídas coletivamente. As rodas de conversas acontecem sempre às quintas-feiras, às 16h30, pela plataforma Zoom. As vagas são limitadas e gratuitas. As inscrições devem ser feitas pelas redes sociais do Oncoguia. Durante a pandemia, o grupo realizou remotamente encontros ajudando, por videoconferência, pacientes de dentro do hospital.