Um dos principais objetivos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é garantir a formação integral dos indivíduos por meio de desenvolvimento das chamadas competências do século XXI. Essas competências dizem respeito a formação de pessoas mais autônomas, com capacidade de aprender a aprender, de resolver problemas, de ter autonomia para a tomada de decisões, cidadãos que sejam capazes de trabalhar em equipe, de respeitar as pessoas e o pluralismo de ideias, que tenham a capacidade de argumentar e defender seu ponto de vista sem, necessariamente entrar em confronto. Logo, estamos falando de competências típicas de um cidadão crítico, criativo, participativo e responsável, capaz de se comunicar, de lidar com as próprias emoções e de propor soluções para problemas e desafios. Estamos falando das competências socioemocionais, que são aquelas que nos permitem colocar em prática as melhores atitudes e habilidades para controlar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia, manter relações sociais positivas e tomar decisões de maneira responsável, entre outros. São competências que possibilitam um relacionamento saudável entre as pessoas, tendo como base uma boa administração da dinâmica emocional na qual estamos inseridos ao longo da vida. Suportar as frustrações a ponto de não sermos deseducados com os outros é um exemplo de competência socioemocional. Outra competência socioemocional essencial é reconhecer nossas possibilidades e limites em contextos coletivos. O desenvolvimento de tais competências se dá de maneira continuada, começando na família e continuando na escola – que tem um papel essencial nesse contexto.
Com base no modelo inicial desenvolvido por Ernest Tupes e Raymond Christal (1961), Goldberg (1993) aperfeiçoou um modelo de cinco fatores de personalidade que ficou conhecido como “Big Five” e que sintetiza quais são os cinco grupos de competências socioemocionais. Essas cinco dimensões, baseadas em amplas pesquisas validadas em diversas partes do mundo, são: (1) abertura a novas experiências, (2) extroversão, (3) amabilidade, (4) consciência e (5) estabilidade emocional.
Para preparar os alunos para as exigências do século XXI, precisamos inserir essas cinco dimensões no currículo, sem excluir as competências cognitivas e os principais conteúdos de cada área. A combinação de algumas das dimensões citadas resulta em características fundamentais ao sucesso, num mundo que cada vez mais se caracteriza pelas diversidades culturais, políticas e ideológicas.
Sérias divergências
Um cenário que pode ser retratado aqui para exemplificar como é importante desenvolver as competências emocionais desde cedo passa pelo momento político atual de nosso País. Assistimos, nos últimos meses, um verdadeiro festival de rompimentos relacionais em função de divergências político-ideológicas. Conheço casais que se separaram, amigos que se afastaram e familiares que romperam relações porque não apoiavam o mesmo candidato. Diante disso, cabe a reflexão sobre o que tornou essas divergências tão fortes ao ponto de jogar para escanteio a relação afetiva. Alguns podem pensar que cisões como essas só ocorrem em relacionamentos em que a afetividade não estava bem sedimentada. Infelizmente não é verdade. Pessoas que se amam podem se separar subitamente por obra da divergência intolerante. Isso ocorre, principalmente, por falta de habilidades de tolerância construtiva, que podem começar a ser treinadas desde a infância, a partir de intervenções em conflitos relacionais infantis, que resultam em rompimentos temporários de amizades.
A simples tolerância, conforme a conhecemos, num primeiro estágio, está mais próxima de suportar algo ou alguém de forma passiva e silenciosa do que com serenidade e compreensão. Em geral, a tolerância custa-nos um alto consumo de energia que não nos permite tolerar por muito tempo (daí o famoso “contar até dez”). Com o tempo, e com o nosso amadurecimento emocional, aprendemos que tolerar não precisa ser algo tão custoso e desgastante. Grande parte das pessoas se aproxima, com o avançar da idade, da tolerância construtiva que pode ter seu processo de aprendizagem acelerado por intervenções coerentes ao longo do processo educacional.
Exercitar desde a infância
Estamos vivendo um momento histórico em que acelerar o desenvolvimento da tolerância construtiva parece ser fundamental para vencermos a onda crescente de divergências odiosas em todas as áreas. É uma construção essencial para o bom convívio humano. Não existe verdadeiro respeito sem tolerância construtiva.
A questão que se coloca é como nos posicionar frente aos que assumem declarada oposição às nossas ideias? Como conviver harmoniosamente com os que discordam de nós? A primeira ação necessária é perguntar-nos qual carga emocional gostaríamos de receber no lugar do outro, caso estivéssemos na mesma situação em que somos aferidos. De que forma eu gostaria que discordassem de mim? A busca dessa resposta leva à construção de um modelo de discordância que precisa ser, imediatamente, colocado em prática. Daí a importância em incluir as competências socioemocionais no currículo escolar. Um simples exercício pode ser realizado nos primeiros anos da escola para que essa caminhada seja trilhada ao longo da vida. O professor pode observar uma atitude intolerante em sala de aula e formatar uma importante preparação para o desenvolvimento de pessoas mais hábeis na prática da tolerância.
Nos relacionamentos significativos de nossa vida, o que verdadeiramente importa (ou deveria importar) é como nos encontramos intimamente uns com os outros e não o que eles fazem ou pensam. A tolerância construtiva ocorre quando decidimos aceitar o outro, sem necessariamente concordar com o que ele diz ou faz, sente ou pensa. Ocorre quando, independentemente do que pensa ou sente o outro, eu o aceito sem gerar em minha vida emocional barreiras de aversão. Aí está outro elemento fundamental no desenvolvimento desse tipo de tolerância: preciso saber o que me faz construir barreiras de aversão com relação ao outro pelo simples fato dele discordar de mim. Em se tratando de crianças, essa atitude está frequentemente ligada à inabilidade de ouvir não. Crianças que não tiveram os limites relacionais bem colocados tendem a achar que estão sempre certas e que todos precisam concordar com o que dizem.
Habilidade de argumentação
É fato que pessoas que não querem dialogar, mas, impor a sua opinião, esgotando a paciência de quase todos nós. Porém, um outro bom exercício é perguntar para si, ao ser “convidado” a esse conflito, o porquê aceito entrar? A quem realmente pertence essa guerra? Ao conseguir perceber que esse embate é do outro, alimentá-lo é fornecer munição para uma guerra que não é minha. Cabe aqui um outro tipo de atividade fundamental no desenvolvimento da habilidade de tolerância: levar a criança e o jovem a perceberem se estão alimentando um debate ou uma disputa. Num debate, o intuito é o enriquecimento das opiniões de ambos os lados. Numa disputa, vencer é o que importa. Mesmo em situações em que o debate visa apontar um “vencedor”, ou seja, aquele que tem mais razão, o papel da educação é desenvolver a habilidade de argumentação, que pressupõe ouvir o outro, analisar o que diz e formular uma ideia que leve-o a repensar suas convicções. Ou seja, mesmo num debate acirrado, vence aquele que conseguiu atingir mais crenças do outro.
Quando estamos diante de um debate acirrado, uma ótima estratégia é pensarmos no que o outro significa para nós e retirar nossa tropa do campo de batalha antes que alguém se machuque. Fiquemos atentos, porém, ao fato de não conseguirmos nos evadir da guerra. Frequentemente, isso significa que ela é nossa também. Aí começa uma outra investigação importante: por quê precisamos vencer essa guerra? O que vai acontecer se nos retirarmos do campo de batalha? Temos mesmo convicção dos nossos pontos de vista ou temos medo de ser convencidos pelo outro? Nesse contexto, exercitar a habilidade de argumentação é decisivo na construção da tolerância construtiva, assim como reconhecer quando o outro atingiu nossas crenças ou quando não conseguimos atingir as dele, tudo isso num clima de paz e reconhecimento de que todos ganham num diálogo construtivo.
Toda essa construção, se moldada desde os primeiros anos da escola, pode oferecer um desenvolvimento emocional sólido e influenciar até mesmo o desenvolvimento cognitivo de crianças e jovens.
O trabalho na escola
Diversas atividades escolares podem colaborar para o desenvolvimento das competências socioemocionais em crianças e adolescentes, tais como:
– Sugerir aulas com oficinas de emoções, roda de conversas sobre felicidade, amor, empatia e outros temas de análise do conhecimento de si e do outro;
– Oferecer espaços para desenhos e autorretratos;
– Promover contação de histórias e análise de fragmentos de filmes;
– Criar eventos em que os talentos possam ser compartilhados;
– Possibilitar ações sociais, solidárias e voluntárias;
– Incentivar seus colaboradores a pesquisar novas práticas socioemocionais e realizar a mensuração dos resultados.