O atual contexto de pandemia de Covid-19 que assola o mundo tem levantado debates em torno do (não) retorno à escola presencial este ano e a possibilidade de ensino remoto, em seu lugar. De repente, esta opção surgiu triunfal como resolução a muitos problemas, sobretudo por governos que desconhecem flagrantemente a realidade de seu povo. No Brasil, por exemplo, sabemos que parcelas significativas de estudantes não tem dispositivo para acessar a internet em casa, e tantos outros não têm acesso à internet. Além disso, muitos estudantes moram em residências a cujo endereço não chegam correspondências.
A luta da educação bilíngue de surdos
No contexto da Educação de Surdos, o debate ainda fortalece outro, sobre o qual a Comunidade Surda já vem insistindo desde os anos de 1990: o desafio linguístico e a ausência de uma política nacional de fomento e difusão da Libras. Em termos práticos, isso tem significado escolas com estudantes surdos incluídos, onde a língua de sinais não circula, senão entre aluno e intérprete, muitas vezes por menos tempo do que a própria aula. Tem significado, também, que a grande maioria dos surdos brasileiros viva em lares onde se desconhece a Libras… Ou, ainda, escolas bilíngues com professores que não se comunicam em Libras.
Nota-se a realidade de que a Educação Bilíngue de Surdos presencial tem sido de luta. Faltam materiais didáticos bilíngues pensados para o surdo, falta formação continuada em Libras para os professores, falta apoio às escolas… Falta, falta, falta. E ainda, em meio à falta, uma pandemia. Em meio à pandemia, talvez a possibilidade de voltar a perguntar: e a Libras? As escolas têm profissionais e estrutura para oferecer educação a distância e/ou ensino remoto? E educação bilíngue a distância? Tais questões revelam como a desigualdade impõe a urgente necessidade de compreender a Educação como bem social a que todos e qualquer um devem ter assegurado o acesso, em suas diferenças e singularidades!
Momento educativo de cuidado
Apesar da impossibilidade, no contexto brasileiro, da imposição do remoto como resposta educativa e pedagógica efetiva para todos os estudantes, algumas redes e instituições educativas no Brasil, como a Rede Municipal de Educação de Rio Grande (RS), a escola Municipal Gurgel do Amaral, no Rio de Janeiro, e o Instituto Nacional de Educação de Surdos, também no Rio, têm, felizmente, compreendido este período como um momento educativo de cuidado e atenção, não de tensão. Isso significa manter a escola presente através da informação, da ludicidade, da cultura, da ampliação de repertórios tanto quanto possível… ainda que saibamos, se é conversação e comunidade, a educação requer presença, encontro, partilha, sobretudo agora, quando estudantes surdos se encontram isolados em seus lares, sem espaços linguísticos e sociais de trocas efetivas, sentindo-se fragilizados, angustiados, deprimidos ou limitados, sem a possibilidade de serem compreendidos e acolhidos na língua de sinais.
A formação docente diante de tantos desafios
As reflexões tecidas até aqui nos convidam a pensar acerca da importância da formação docente para o enfrentamento desses desafios. Conhecer sobre a língua de sinais, a cultura surda e a especificidade da educação bilíngue, numa perspectiva visual, pode ajudar bastante na ressignificação das crenças e saberes docentes a respeito dos surdos e sua educação.
Por ser um sujeito linguisticamente visual, o surdo interage com o mundo, constrói conhecimentos e conceitos visualmente. Uma formação docente orientada à experiência surda não pode prescindir disso. Embora o processo formativo não seja o de aquisição de técnicas e informações, conhecer um pouco o outro com quem atuamos pedagogicamente é fundamental.
Embora não possamos resolver os impasses em torno da Educação a Distância/ Ensino Remoto no tocante às desigualdades e exclusões daí decorrentes, podemos aprender a utilizar diferentes ferramentas para abrir espaços de diálogos com os estudantes, além de cobrar inclusão digital e social para eles.
Quanto à possibilidade de formação no campo da surdez e educação de surdos, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), oferece três pós-graduações, além de um mestrado e curso de Libras, tudo gratuitamente. Também é possível aprender sobre Libras e cultura surda através da TVINES (na internet), do site da FENEIS e outras instituições comprometidas com o reconhecimento e difusão dos saberes e produções surdas.