Brincar é essencial para o pleno desenvolvimento humano. Na infância, a brincadeira atua como uma ponte, mostrando às crianças um pouco sobre a vida. Por meio da brincadeira, é possível desenvolver confiança, empatia, otimismo, foco, perseverança, equilíbrio emocional e resiliência.

Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo educador Jonathan Aguiar, doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele também é mestre em educação na linha de ética, inclusão e interculturalidade, psicopedagogo e pedagogo. Entre os livros de sua autoria, estão Os excluídos podem sonhar, brincar e criar: por uma educação que transforma humanos e, com Matheus Pinheiro, Jogos e brincadeiras africanas: o brincar que nasce do chão, ambos pela Wak Editora.

Por que afirma que brincar é coisa séria? E a quais brincadeiras exatamente se refere?

Reconheço que os profissionais da educação e da saúde defendem a importância do brincar no processo de desenvolvimento humano. Realmente, o brincar e sua seriedade são necessários para que as pessoas consigam aprender e desenvolver-se em sua plenitude. Crianças devem brincar, o que contribui para o crescimento cognitivo, emocional, físico e social – garantindo que desde pequenas desenvolvam-se de modo integral.

Brincar é saúde, é vida, é arte, é encontro, é recomeço. Os benefícios da manifestação do lúdico englobam o potencial criativo, estimulando a memória, a atenção, a autonomia e a socialização, assim como a expressão das emoções, a motivação, o prazer.

Bebês, crianças, adultos e idosos têm o direito de brincar, entrar na própria brincadeira e sentirem-se plenos, vivos e únicos conforme as experiências que tal ato provoca. Brincadeiras com as mãos, envolvendo o corpo, as sensações, os sentidos (tato, olfato, paladar, audição e visão), a memória, a oralidade, a musicalidade e toda amplitude de experiências que são convidativas a mover-se ao elo entre corpo e mente.

Por que defende que a brincadeira deve discorrer a partir do olhar antirracista, resgatando uma história geracional, usando a brincadeira africana como uma das possibilidades de refletir epistemologicamente sobre coletividade, relações humanas que elucubram em símbolos e afetividades e os modos ancestrais que respeitam oralidades e escritas?

A nossa cultura é tão plural e, em cada cantinho do nosso país, podemos aprender sobre a nossa história e os dilemas, os desafios, os preconceitos enfrentados pela população negra e indígena. É mais que resgatar uma história, uma brincadeira, um conto, é revelar o que antes alguns não queriam enxergar ou estava/permanecia oculto.

Ao considerarmos a África o berço da humanidade, todo processo civilizatório, a maneira como ocorreu a escravização e, segundo documentos históricos, as narrativas das pessoas escravizadas, podemos identificar experiências de discriminações, preconceitos e manifestações lúdicas que revelam que, a partir do brincar, as identidades negras não foram perdidas. Aliás, o encontro do lúdico com histórias, musicalidade, movimentos corporais e rituais ancestrais fez florescer o brincar e suas raízes que sustentam até hoje. Os círculos, as rodas e os espirais entre os povos africanos, afro-brasileiros, significam conexão, harmonia com o passado e os ancestrais.

O movimento de circularidade permite o reencontro com o outro e consigo, continuidade da própria existência. Sentar em roda, fazer uma roda tanto para contar/ouvir uma história quanto para brincar, revela a harmonia do que é mais humano e poético da vida. Por esse motivo, as práticas circulares, que também encontramos nos povos indígenas, trazidas para o contexto educativo provocam entre as crianças, com os professores, a arte de mover-se, entender-se como sujeitos brincantes.

Qual a importância da atividade lúdica para a construção de um ambiente de aprendizagem em que crianças ditas agressivas, com comportamentos apáticos e problemas de aprendizagem ressignificam suas ações e abrem espaço para aprender por meio do brincar?

Mais do que dizer o que deve ser feito, é levar as crianças à reflexão sobre suas atitudes. Observar o que elas apresentam para elaborar estratégias que resultem em ações lúdicas. Criar rotinas significativas, combinados que são possíveis de serem colocados em prática. Rever nos momentos necessários o que foi proposto e traçar novas ações.

Lidar com crianças agressivas ou apáticas é compreender que elas gritam por “socorro” e a conduta agressiva é a resposta para o meio que está falhando, faltando algo que não consegue ser preenchido. Por esse motivo, o brincar é um caminho de possibilidade. A arte (como a dança, a música, o teatro e etc.) engloba manifestações que auxiliam no encontro com a vida e seu refazer social.

Qual a importância do brincar no ambiente familiar? Como fazer na prática?

Nos últimos meses, venho atendendo famílias e crianças no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Nesses encontros, tem me chamado atenção o resultado da pergunta “como foram as primeiras aprendizagens do seu filho antes da chegada à escola?”. Identifica-se que poucas vezes ou quase nunca essas famílias vêm propiciando um espaço de aprendizagem. Por referir-se à fase dos bebês e crianças bem pequenas, o brincar é primordial para tal desenvolvimento.

Mas o que chega é pouco investimento, contribuindo dessa forma para crianças que são apáticas, pouco estimuladas no aspecto da imaginação e da criatividade por não terem sido provocadas a experimentar o brincar – vale enfatizar que esse caso se refere às crianças com deficiência, que têm o direito de se desenvolverem de modo integral.

Igualmente vem acontecendo com crianças típicas: poucos estímulos que colaboram para a ideia de que não conseguem socializar, sorrir, rolar, sentar, engatinhar, andar e falar, sob o foco de um futuro diagnóstico que resultaria em justificativas para tal.

É importante que as famílias assumam o protagonismo da educação de seus filhos, favorecendo experiências que possibilitem o conhecer do seu próprio filho e a abertura de ações que enriqueçam o desenvolvimento saudável. Brincar com o corpo. Estimular os sons. Imitar o outro. Cantar cantigas. Ouvir histórias. Correr pelo quintal. Subir em árvores. Escutar os sons da natureza. Observar os animais. Quanto mais experiências, mais aprendizado.

De que forma a tecnologia hoje distancia as crianças e até mesmo os adultos das brincadeiras e como encontrar um equilíbrio nesse contexto?

Estamos envolvidos no mundo tecnológico, não tem como fugir. Desde a consulta de um saldo bancário e uma fotografia, precisamos da tecnologia como suporte para apropriação de determinados conhecimentos.

Mas a pergunta é: o que fazemos com nossas crianças? Reafirmo que precisamos equilibrar esse acesso. Construir limites, até porque os dedos dos pequenos sob seus olhos escolhem o que desejam assistir, mas os mesmos ainda não construíram maturidade cognitiva e emocional para acompanhar a velocidade que chegam as informações.

Até os adultos precisam aprender a lidar com tanta informação, filtrar o que serve e o que pode ser descartado. As experiências humanas não cabem dentro de uma tela ou qualquer outro equipamento tecnológico, embora tenhamos inteligências artificiais – somente com a relação humana, o potencial criador, crianças e adultos se tornam inventores.