Quem me conhece bem sabe que eu sou cinéfila de carteirinha. Eu realmente acho fascinante o poder que os filmes têm de retratar a realidade de maneira acessível demonstrando através de sons, imagens e da linguagem boa parte das experiências humanas.

Por meio deste magnífico recurso audiovisual podemos viajar num mundo de reflexões super interessantes e pertinentes.

Hoje quero falar de um desses filmes que me foi apresentado anos atrás e que me capturou. Aliás, o tenho guardado em minha lista de filmes especiais. Trata-se da trama A Guerra dos Roses.

Inúmeras circunstâncias

De forma ácida e humorística (do tipo trágico-cômico) o filme se desenrola na mesma proporção em que a vida do casal acontece. Primeiro os momentos de apaixonamento, romantismo e motivação mútua. As condições financeiras desafiadoras, supreendentemente une o casal que consegue vibrar com as pequenas conquistas individuais e da família recém formada. Aos poucos, diante das mudanças financeiras do casal, a relação entre os dois vai sendo aos poucos minada por inúmeras circunstâncias capazes de fazer o casal passar a se odiar. E eles se odeiam mesmo!

A decisão pelo divorcio vem e nem mesmo assim um decide dar trégua ao outro. A partir daí, a trama para fogo (quase que literalmente) e as consequências são devastadoras. A incapacidade dos personagens de conseguir resolver seus problemas de forma adulta e saudável são muitíssimo claras na trama. E é aí que as boas reflexões se iniciam.

Guardando as peculiaridades típicas de Hollywood esse filme, desafortunadamente, não retrata algo desconhecido. Todos os anos milhares de casamentos acabam da maneira mais desagradável que se possa imaginar. Mas, porque será que isso acontece? Por que será que alguns casais não conseguem terminar seus relacionamentos de uma forma minimamente saudável e madura? 

Aspectos psicológicos

Certamente, muitos aspectos psicológicos pessoais estão envolvidos quando duas pessoas resolvem viver a vida juntas. Você já deve ter ouvido falar inúmeras vezes que fulaninho casou com uma moça muito parecida com a mãe dele (não necessariamente em termos físicos, mas pode acontecer sobre aspectos comportamentais, jeito de ser e de pensar).

E também já deve ter ouvido muitas jovens dizendo que esperam que seus parceiros de vida tenham qualidades especiais que seus pais possuem. Isto é extremamente natural e corriqueiro. Alguns se dão conta do quanto se deixam atrair com esse filtro perceptivo e outras pessoas não tem tanta consciência assim. Mas, de algum modo, sempre procuramos por aquilo que nos é comum. Mesmo quando o comum é o tóxico.

Questões emocionais individuais

As questões emocionais individuais (nem sempre conscientes) levam pessoas a permanecer em relações tóxicas, porque essas relações podem ter indícios, traços daquilo que é comum, esperado, repetido. Então, aspectos psicológicos individuais também estão presentes quando casais decidem ou pensam em se separar.

Veja bem, quando damos início a um relacionamento, instintivamente fazemos uso de filtros perceptivos super importantes para a perpetuação da espécie. Se você tiver a oportunidade de conversar com casais mais experientes e que estão a muito tempo juntos, a narrativa de que um ou ambos não viram certas características não tão “bonitas” e “aceitáveis” no outro, será bem comum. O fato é que ao se apaixonar, filtramos aquilo que vemos. Deixamos de ver o que não nos apaixonaria, o que não nos permitiria dar continuidade a relação.

Certas coisas só passamos a enxergar mais tarde, quando a relação já está em andamento. Na terapia dos esquemas falamos sobre os “imãs” emocionais que nos fazem sentir atração por pessoas que têm esquemas e características que favorecem a manutenção e continuidade de nossos próprios esquemas. Assim, uma pessoa com um esquema de abandono pode se deixar apaixonar por alguém com perfil do tipo “abandonador”, que pode ser um narcisista, por exemplo (que também tem seus próprios esquemas, como o esquema de grandiosidade, entre outros). Neste caso, as feridas emocionais individuais são nitidamente percebidas e a relação de amor, logo pode se tornar uma relação de muita mágoa, sofrimento e solidão.

Terapia do Esquema

Na abordagem da terapia do esquema, entendemos que padrões disfuncionais importantes, formados na fase da infância e da adolescência, provocam comportamento desadaptados na vida adulta. E tais padrões “lutam”, por assim dizer, para que sejam perpetuados.  Além disso, esses padrões também são acionados na vida adulta justamente através dos relacionamentos.  Isto quer dizer que nossas “crianças interiores ” com necessidades emocionais não atendidas, voltam com toda força em muitos momentos de nossa vida adulta e, em especial, em relacionamentos afetivos.

Existe uma escultura chamada Love do escultor ucraniano Alexander Milov bastante emblemática e que pode nos ajudar a entender melhor o que quero dizer. Nesta obra, dois adultos esculpidos aramados (como se fossem gaiolas) visivelmente tristes estão de costas um para o outro. No entanto, dentro de cada um deles há uma criança e estas tentam tocar uma à outra. À noite, inclusive, luzes se acendem dentro dos pequenos mostrando a pureza e a inocência da infância. Já a representação dos adultos, permanece triste, sem luz, deixando clara a solidão destes, que não conseguem se conectar com o outro, mas que abrigam sua criança interior repleta de expectativas. Que obra de arte incrível!

Love, simboliza algo que nós psicólogos vemos todos os dias no atendimento de casais. Homens e mulheres feridos, com suas “crianças interiores ” fragilizadas, carentes de algumas necessidades essenciais, mas que ficam mostrando as unhas e os dentes através dos adultos que são.  A desconexão consigo mesmo(a) e a falta de autoconhecimento provocam muitas separações e inúmeros conflitos e separações litigiosas entre casais.

E MAIS…

A luta e a provocação

Em “A Guerra dos Roses” é possível ver claramente que Barbara e Oliver entraram em um espiral birrento e mal criado, maldoso, provocador, totalmente não condizente com dois adultos normais. Eles entraram num modo de funcionar de crianças birrentas e muito, muito más. A luta e a provocação de um com o outro vai muito além do limite da razão. Vamos lembrar de guardar as devidas proporções de eventos reais e eventos cinematográficos. Mas, de modo semelhantes, casais prestes a se separar podem levar um ao outro à beira da loucura, por total incapacidade de se fazer ouvir e ouvir o outro. Por dificuldade de expressar as próprias necessidades e de saber ouvir e acolher as necessidades do outro.

Nossas feridas emocionais são reais e precisamos conhecê-las, respeitá-las e curá-las. Só assim, seremos capazes de nos acolher e acolher ao outro. Só então, será possível que o cravo e a rosa vivam em paz.

Boa reflexão, grande abraço e até a próxima!

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.
BECK, Judith. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre, Artmed, 2007.
FREUD, Sigmund. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
YOUNG, Jeffrey. Terapia Cognitiva para Transtorno da Personalidade: Uma abordagem focada no esquema. 3° Edição – Porto Alegre: Artmed, 2013.
YOUNG, Jeffrey; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do Esquema: Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2003.