A inteligência artificial em Psiquiatria é o exemplo mais bem acabado da capitulação do ser humano perante a máquina.

Poderia ser dito de outra maneira, embora com certa agressividade: “a inteligência artificial é a prova da burrice do psiquiatra que a usa”.

Sim, por um motivo muito simples, a mente humana é bem diferente do corpo humano, na qual a inteligência artificial é deveras útil. Se na parte física tem o seu valor — por exemplo, analisar e propor soluções sobre a saliência na pele, se é câncer ou verruga, se o coração está ou não com as bulhas rítmicas e normo fonéticas etc. —, na psíquica não há algoritmo que possa ser útil e jamais haverá, por um motivo muito simples: no humano, e somente nele, a existência precede a essência.

Limitações questionáveis

O ser é para-si (não em-si) e por isso constrói o seu mundo livremente. E a máquina (criada pelo homem) não passa de um construído e terá uma finalidade determinada, com objetivo, propósito, um ser-em-si, com destino e teto, portanto com limite. Agora, é óbvio, se o psiquiatra é mal formado, de baixa cultura acadêmica e de pouca vivência profissional, não vai além desses decadentes catálogos de classificação de doenças mentais, tipo CID-10 e DSM-5, que se tornaram as “bíblias” da Psiquiatria contemporânea. Provavelmente, a inteligência artificial será menos parca do que o seu pequeno alcance como profissional da área.

A inteligência artificial, como dito, pode ser útil quando o foco e o tema são próximos da cognição racional (não abstrativa), mas Psiquiatria é especialidade bem distinta, cuja área está envolta em um mundo racional-abstrativo-intuitivo-perceptivo, em que o contato “olho no olho” é insubstituível, pois é por meio dele que, antes de o paciente falar uma só palavra, o examinador terá diante de si estímulos únicos, como o cheiro do corpo e do hálito, a facie, a mímica, o penteado, as vestes, o olhar, a gesticulação, o tipo físico etc., cujos fenômenos passam pelos seus oitenta e seis bilhões de neurônios-sensores e infinitas sinapses cerebrais, dando-lhe dados que só poderiam ser captados naquele momento e circunstâncias, que são únicos, individuais e imprevisíveis.

Impossibilidade de algoritmo

Isso invalida qualquer possibilidade de se criar um algoritmo preciso em Psiquiatria, desde que o que se queira sejam as excelências e não a massificação chinfrim. Nunca é demais recordar que o paciente psiquiátrico é portador de subjetividades, tem a sua própria visão do mundo, forma de sentir, de se relacionar e de expressar a sua doença.

A atenção do médico vai muito além da atenção da máquina, por mais aprimorada que esta possa um dia vir a ser, pois abrange, o tempo todo, a reconstrução de significados inesperados e únicos.

Com todo o respeito, seria cômico se não fosse trágico se um dia um desses sabichões, que acreditam na inteligência artificial como algo maravilhoso, às vascas da morte tivesse ao seu lado um robô de última geração a dizer rest in peace, rest in peace (descanse em paz, descanse em paz…).

E MAIS…

Inteligência artificial não é Psiquiatria avançada

Observe-se que se tem “vendido” uma imagem deturpada, errada e perigosa de que a inteligência artificial é Psiquiatria avançada, mas representa exatamente o contrário: mostra a sua decadência.

O pior é que estamos apenas no início dessa queda de qualidade, cuja geração de psiquiatras destas primeiras duas décadas do século XXI está perdida, pois anda dominada pelo pensamento de que o ser humano é um amontoado de neurônios e neurotransmissores que precisam de drogas para serem regulados. Claro que há exceções e excelentes profissionais que não se renderam a tanta mediocridade nem à burrice da inteligência artificial.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”, disse algures Carl Gustav Jung.