Oriunda do latim, passionis, “passividade”, “sofrimento”, a palavra que corriqueiramente é tida como o auge do amor e do êxtase, do fogo transcendente de alma e corpo, surgiu justamente no século XIII.
Sua origem etimológica é encontrada na antiguidade grega, em Aristóteles, que distinguia agir de sofrer. Num contexto genérico das formas ativas e passivas dos verbos, sofrer (pâtir), ou sua forma passiva, indicava que o sujeito sofria passivamente a ação expressada pelo verbo. Entre os gregos, pathos (uma paixão) em sentido amplo, dizia respeito ao fato de uma alma sofrer um movimento, o que era a expressão de uma impressão vinda do exterior. Em outras palavras, a paixão, em oposição à ação, significava certa passividade diante do fato de se sofrer por uma ação em si mesmo. Patho, derivado de pathos, significa, segundo o mesmo dicionário, afecção ou doença. Ouso então parafrasear a música: “Quando te encontrei, eu me perdi.”
Os contrapontos
Ao pararmos e analisarmos o sentido de uma palavra, suas origens, etimologia e raiz, procedemos uma pesquisa que nos oportuniza pensar o assunto com mais clareza, coesão e intersubjetividade.
Quando lançamos luz às observações elucidadas sobre o conceito da paixão, percebemos numerosos fenômenos logo elencados acima nas primeiras linhas: obsessão, pensamentos suicidas ou idealizações tanatofílicas, aceitação e rejeição, vício, ansiedade e estresse.
Agora, como podemos pensar tudo isso à luz da Psicanálise pós moderna? Simples! Basta pensar nos conceitos de libido e sofrimento, vínculo e homogeneização, governo, delírio e disposição.
Para Freud, o conceito de libido era um contraponto ao sofrimento, porém, ambos estavam em perfeita correspondência uma com a outra. Eu desejo o que não posso ter, daí, disponível ao objeto do meu desejo, digo a mim mesmo que quero pertencê-lo para que ele, o objeto (o outro), me pertença dolorosamente também. Eu desenvolvo um elo entre o que Bion elencara: amor, ódio, conhecimento e reconhecimento.
Para Bion, de forma genérica, os inter-relacionamentos, por assim dizer, permitem que tais elos, isoladamente enfocados, possam apresentar um fenômeno típico da negatividade. Há, portanto, um permanente conflito entre uma determinada emoção e uma antiemoção. Quando sinto amor (neste caso, quando eu me apaixono), eu sinto ódio, se eu conheço eu também sei proceder o reconhecimento. Logo, mesmo que, de longe nossas intenções sejam desbravar o reduto “inabalado” do conceito vincular de uma paixão, há de se esperar que nem tudo se expresse em nossa mente de maneira negativa, já que nosso ideal do ego, torna-se abrigado em meu aparelho, o que traduz que, tamanho acontecimento psíquico, alude a oportunidade de uma utópica felicidade.
Operação no aparelho psíquico
O vínculo prossegue causando ansiedade do tipo patógeno. Hóspede (objeto da paixão) de direito que, ao se abrigar dentro do sujeito, traze-o para dentro de si da mesma forma que penetrou a mente do sujeito (quem ama), como num processo semelhante ao da homogeneização, ou seja, uma ação que traduz igual natureza ou apresenta semelhança na estrutura e na função. Uma operação no aparelho psíquico que apresenta grande unidade e adesão entre os seus elementos. Sujeito e objeto se fundem, se homogeneízam. Tamanho mal estar foi gerado e, agora, uma confusão mental está instaurada dentro do indivíduo.
Eventos como estes trazem o objeto (aquele individuo amado do desejo) para a voz ativa. A paixão promove a inversão psíquica e, agora, o que estava do lado de fora grita mais alto dentro do sujeito que vai deixando de existir apagando sua paixão pela vida e deixando-se envolver pela pulsão de morte e idealizações suicidas.
O outro me governa, ele me recria, ele me refaz. O dito do outro me causa dor, porém, resistente eu me mantenho fiel as minhas disposições e fiel às minhas idealizações. Isso para mim é ainda mais cômodo que a descoberta do meu próprio delírio, do meu próprio desejo, do meu próprio eu.
A paixão sob análise das diversas teorias
Passando pelo conceito de paixão aristotélica, da libido de Freud, do fenômeno vincular de Bion, até a conclusão de que o objeto que se intercruza ao sujeito o domina numa relação de apoderamento, podemos concluir que, a paixão, ao contrário do amor, trata-se de um mecanismo capaz de mover uma personalidade ao ápice entre a dor e o sofrimento, entre o prazer e a realização do desejo.