Hoje, não é raro encontrar aplicativos e chatbots projetados para oferecer suporte emocional, conversas personalizadas e até mesmo a ilusão de um relacionamento afetivo com uma entidade digital. A proposta pode soar inofensiva, até mesmo acolhedora, mas essa nova forma de interação pode trazer consequências preocupantes, especialmente para pessoas emocionalmente vulneráveis.

Por trás da promessa de uma companhia perfeita, sempre disponível e moldada sob medida para o usuário, existe um risco silencioso: o de substituir os relacionamentos reais por uma versão artificial da conexão humana. A tecnologia, nesse caso, funciona como um espelho que devolve apenas o que já existe dentro do próprio usuário — suas preferências, seus gostos, suas opiniões. Em vez de um diálogo verdadeiro, o que se estabelece é uma forma de eco emocional.

Amizade sob encomenda

Essa espécie de “amizade sob encomenda” pode ser especialmente prejudicial para pessoas com transtornos psiquiátricos, dificuldades de comunicação ou traços de personalidade que dificultem a interação social. Ao encontrar conforto em um interlocutor que nunca discorda, que não apresenta desafios ou conflitos, o usuário pode se afastar ainda mais das oportunidades de desenvolver habilidades sociais no mundo real.

A preocupação se intensifica quando falamos de adolescentes, um grupo naturalmente mais vulnerável durante o processo de construção da identidade e da vida social.

A adolescência é uma fase em que a necessidade de pertencimento, de identificação com um grupo e de aprendizado por meio da convivência é essencial. Ao substituírem esse processo por interações com inteligências artificiais, esses jovens podem desenvolver uma relação patológica com a tecnologia — criando uma bolha emocional que os afasta de experiências sociais autênticas e necessárias para o amadurecimento.

Substituto de relações humanas

É possível, no entanto, pensar em um uso positivo dessa tecnologia. Se bem orientada e supervisionada, a inteligência artificial poderia ser utilizada como ferramenta terapêutica para treinar habilidades sociais em pessoas com dificuldades nesse campo.

Nesses casos, ela funcionaria como um instrumento complementar à psicoterapia, e não como substituto de relações humanas. A chave, portanto, está no propósito e na forma como essas ferramentas são utilizadas.

O avanço tecnológico é inevitável e, em muitos casos, benéfico. No entanto, ao lidar com aspectos tão delicados como o afeto, nenhuma inteligência artificial será capaz de substituir a complexidade, o desafio e a beleza de um relacionamento humano real. E talvez o maior risco das amizades com IA seja justamente esse: fazer com que esqueçamos disso.