O Brasil registra um recorde em afastamentos do trabalho por transtornos mentais. Em 2024 foram registrados mais de 400 mil casos. Entre as doenças que mais geraram benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) por causa de transtornos mentais e comportamentais estão os transtornos ansiosos e episódios depressivos – que juntos somam mais de 255 mil.
Os dados do Ministério da Previdência Social indicam que as concessões de benefícios por causa de “outros transtornos ansiosos” somaram 141.414 no ano passado, ante 80.276 registrados em 2023. Já os episódios depressivos ocasionaram 113.604 pessoas beneficiadas em 2024, sendo 46.205 a mais do que no ano anterior, onde houve 67.399 concessões
No ranking das doenças mentais que provocaram o afastamento dos trabalhadores das empresas, o transtorno depressivo recorrente somou 52.627 benefícios concedidos pelo governo em 2024. Já em 2023, foram 32.892.
Segundo o Tribunal de Justiça do DF, o transtorno envolve repetidos episódios depressivos e, durante esses momentos, a pessoa tem perda de interesse e prazer e energia reduzida, o que leva a uma diminuição das atividades em geral por pelo menos 15 dias.
De acordo com o Ministério da Previdência Social, os números também apontam reações ao estresse grave e transtorno de adaptação em 20.873 afastamentos e, consequentemente, benefícios por incapacidade temporária.
Os riscos à saúde mental
A partir de maio de 2025, passou a valer no País uma nova regra que exige que empresas avaliem riscos à saúde mental dos trabalhadores.
A medida consta na atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a qual prevê incluir a avaliação de riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST).
A norma elenca que riscos psicossociais como estresse, assédio e carga mental excessiva devem ser identificados e gerenciados pelos empregadores, integrando as medidas de proteção à saúde dos trabalhadores.
Conforme o MTE, os riscos psicossociais estão ligados à organização do trabalho e às interações interpessoais no ambiente laboral e incluem fatores como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais e falta de autonomia no trabalho. Esses componentes podem causar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores.
De acordo com Dr. Ricardo Pacheco, médico e gestor em saúde, a atualização da NR-1, com a inclusão dos riscos psicossociais é um importante avanço. “Principalmente porque esclarece procedimentos que o empregador deve adotar na manutenção da segurança e da saúde no ambiente de trabalho, na prevenção e identificação de riscos, bem como no estabelecimento de planos de manutenção para mitigar ou até eliminar os riscos identificados”, afirma o presidente da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho).
Muito além do diagnóstico
No contexto dos riscos psicossociais, que afetam um número crescente de trabalhadores devido ao estresse ocupacional, pressão por produtividade e instabilidade econômica, o acolhimento médico se torna essencial para preservar a saúde mental e o bem-estar emocional.
O Dr. Ricardo Pacheco enfatiza que “acolher o trabalhador em sofrimento vai além de tratar sintomas; significa compreender sua realidade e oferecer suporte efetivo para minimizar impactos negativos na saúde mental”. O acolhimento deve ser humanizado e holístico, indo além das queixas clínicas para entender o indivíduo em sua totalidade.
Ele enfatiza que o profissional de saúde ocupa uma posição estratégica na detecção precoce de sinais de esgotamento, ansiedade e depressão relacionados ao trabalho. “Ao promover um ambiente de escuta ativa e respeito, o médico pode ajudar o trabalhador a reconhecer seus desafios emocionais e buscar ajuda adequada. Um atendimento médico centrado na pessoa possibilita não apenas o diagnóstico correto, mas também a construção de estratégias para lidar com o sofrimento emocional e evitar agravamentos. Isso inclui ouvir, orientar e, quando necessário, encaminhar para apoio psicológico ou psiquiátrico, garantindo um tratamento completo e eficaz”, explica o médico.
A importância do acolhimento
O País enfrenta uma média alarmante de 38 suicídios por dia, somando cerca de 14 mil casos anuais. Esses números destacam a urgência em se adotar uma abordagem holística no cuidado à saúde mental.
O acolhimento médico precisa não apenas tratar os aspectos clínicos, mas também compreender e apoiar os aspectos emocionais, sociais e espirituais do indivíduo. “Independentemente de crença ou religião, a espiritualidade pode ser um fator de resiliência e apoio emocional para aqueles que enfrentam crises, seja no contexto profissional ou pessoal”, afirma o Dr. Ricardo Pacheco, ressaltando a importância de se considerar o ser humano de forma integral.
Neste contexto, iniciativas dentro das empresas, como rodas de conversa, grupos de apoio e programas de bem-estar, são de extrema relevância. “Essas ações contribuem para o fortalecimento dos trabalhadores diante das dificuldades do cotidiano, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e acolhedor. O suporte social e o contato direto com profissionais especializados ajudam a evitar o isolamento, proporcionando uma rede de apoio que pode fazer toda a diferença”.
Essas medidas, continua o médico, “são essenciais na prevenção de transtornos mentais e na redução dos índices alarmantes de suicídio, criando um ambiente de trabalho que prioriza a saúde emocional e o bem-estar de todos”.
Impacto dos riscos psicossociais
Os riscos psicossociais têm ganhado cada vez mais destaque como fatores determinantes para a saúde e segurança do trabalho. Os fatores críticos já mencionados afetam diretamente o bem-estar mental e emocional dos trabalhadores, e esses elementos podem gerar um ciclo vicioso de estresse e sobrecarga, que, se não tratado adequadamente, pode levar ao desenvolvimento de diversas doenças.
“Não podemos negligenciar que o estresse ocupacional, quando prolongado, pode levar a doenças crônicas e graves, como a síndrome de burnout e transtornos ansiosos. O impacto desse estresse não se limita apenas ao bem-estar emocional do trabalhador, mas também afeta sua saúde física, gerando problemas como hipertensão, doenças cardíacas e distúrbios musculoesqueléticos”, alerta o Dr. Ricardo Pacheco, enfatizando a importância de se olhar para o trabalhador de forma integral.
Intervenção preventiva essencial
Cabe ao médico do trabalho estar atento aos sinais precoces desses riscos, realizando monitoramento constante da saúde mental dos funcionários e promovendo ações que visem reduzir esses fatores nocivos.
“Além disso, criar ambientes de trabalho mais saudáveis, com programas de apoio psicológico, grupos de apoio social, espiritual e práticas de bem-estar, pode ser uma estratégia eficaz para evitar que os trabalhadores sucumbam a essas pressões. A atuação assertiva do médico do trabalho é um pilar fundamental na proteção da saúde do trabalhador e na promoção de um ambiente mais seguro e produtivo”, completa o médico e gestor em saúde, Dr. Ricardo Pacheco.
Mais do que um profissional que prescreve tratamentos, o médico deve ser um ponto de apoio real para trabalhadores que enfrentam desafios emocionais, psicológicos e espirituais.