Clássico dos anos 2000, O diabo veste Prada já deve ter passado na sua tela. Com inúmeros assuntos que podem ser analisados e abordados ao longo do filme, uma temática interessante é das alterações as quais Andy (Anne Hathaway) se submete para se adequar ao local de trabalho (ao qual ela nem dava tanta importância no início), e isso é muito comum. Quantas vezes nós mesmos não alteramos algo para nos adequarmos? Não no sentido de estar adequado à situação ou ao local, mas sim de se adequar às expectativas e às opiniões dos outros em busca de aprovação e pertencimento. E disso a psicologia entende.
A psicologia social é responsável por estudar a relação entre o indivíduo e a sociedade, observando comportamentos (ou suas intenções) nos momentos em que estamos cercados de outras pessoas e (o foco de hoje) como o comportamento das pessoas se modifica quando estão em grupo. Esse campo da psicologia nos esclarece como as pressões sociais influenciam as atitudes, as decisões e até a identidade de uma pessoa, especialmente quando ela está imersa em um grupo, nos ajudando a compreender como normas, expectativas e julgamentos sociais nos afetam de formas muitas vezes invisíveis, mas profundamente transformadoras.
A pressão social e a conformidade são dois conceitos centrais na psicologia social que explicam como o comportamento humano é influenciado pela presença de outras pessoas ou pela necessidade de se alinhar a normas sociais e expectativas alheias. Em muitos locais de convivência com grupos sociais, a busca por aceitação e o medo de rejeição podem levar a uma alteração significativa na identidade e nas ações para que ocorra um ajuste aos padrões ou exigências do grupo.
Pertencimento
A busca por aceitação é intrínseca ao ser humano. Somos programados para buscar o pertencimento, algo que “tape o vazio”, com raízes biológicas e psicológicas que remetem à nossa evolução como espécie social. Desde os primeiros estágios de desenvolvimento até a vida adulta, essa busca desempenha um papel importante na formação da identidade, nas relações interpessoais e no bem-estar psicológico.
No passado, o pertencimento a um grupo significava proteção, recursos e a possibilidade de sobrevivência. No mundo moderno, isso não mudou, mas agora o contexto da aceitação social envolve mais do que simplesmente a sobrevivência. Estamos falando da construção da identidade em um mundo onde o outro muitas vezes define quem somos ou o que devemos ser. O que é ilustrado ao longo de todo o filme, mas de forma especial e impactante logo no início, quando Andy (Anne Hathaway) começa a trabalhar como assistente de Miranda Priestly (Meryl Streep) na revista Runway.
Nesse momento, a protagonista ainda não entende totalmente as regras e as exigências do mundo da moda, mas, após ser apresentada a esse mundo altamente competitivo, Andy se vê sendo constantemente observada e julgada pelas suas escolhas de roupa, atitudes e comportamentos, percebendo rapidamente que sua falta de adequação ao ambiente de trabalho e aos padrões estéticos da equipe a coloca em uma posição de desvantagem.
Transformação
Sendo ignorada e até ridicularizada por seus colegas, Andy rapidamente percebe que, para ter sucesso e se tornar mais competitiva dentro do ambiente de trabalho, precisa se adaptar aos padrões do grupo, iniciando sua grande transformação (que vai muito além das roupas e dos sapatos). Somos então apresentados às icônicas cenas com a personagem andando pela cidade com diversas roupas dignas de uma revista de moda (ao som de Suddenly I see), remetendo a uma das dinâmicas da psicologia social: como a exclusão de um grupo pode gerar um desejo de mudança no comportamento e na identidade para buscar aceitação.
Quando Andy aparece no escritório com suas novas escolhas, a reação de sua chefe e dos colegas de trabalho é uma confirmação de que, ao se adaptar, ela finalmente começou a conquistar uma posição no grupo (o que reflete na valorização e no respeito que passam a ter pela personagem). Ao cumprir as expectativas e se integrar ao grupo, a protagonista ganha não apenas aceitação social, mas também acesso a melhores oportunidades e ao reconhecimento por parte de Miranda.
Essa é uma ótima ilustração de como a conformidade com as normas do grupo – nesse caso, os padrões de beleza e o comportamento da indústria da moda – aumenta as chances de Andy acessar recursos importantes para sua carreira, alcançando o que muitos consideram um “sucesso”, o que a princípio pode ser bom, mas esconde um grande perigo à identidade do indivíduo. Nesse cenário, a conformidade, deixa de ser apenas uma adaptação funcional e passa a ser uma armadilha que coloca em risco a autenticidade do indivíduo.
Conformidade
Ficou confuso? A palavra conformidade na psicologia social não tem o significado que estamos acostumados (ato ou efeito de se conformar, de aceitar). Na psicologia social, conformidade é o processo em que um indivíduo ou um grupo altera suas opiniões, seus comportamentos ou percepções devido à pressão social de outros indivíduos ou grupos, como um mecanismo de adaptação ao grupo ou à sociedade, mas que pode ter consequências profundas na construção da nossa identidade.
A conformidade pode ocorrer de forma explícita, quando o indivíduo age de acordo com as regras sociais, ou de forma implícita, quando as internaliza. No filme, vemos como a busca pela validação dos outros e conformidade pode levar à transformação da identidade de um indivíduo, às vezes de maneira a sacrificar quem ele é verdadeiramente, ao ponto de que Andy não sabe mais quem é ou do que realmente gosta, pois, para se encaixar, precisou se afastar de sua identidade, se perdendo em meio ao que os outros exigiam dela, além de ter perdido contato com seus amigos e namorados por causa dos sacrifícios que fez.
Pressão
Embora Andy tenha sucesso no trabalho e receba a validação de Miranda, ela também começa a sentir uma desarmonia interna, pois percebe que está abrindo mão de quem realmente é. Ao perceber o impacto de suas escolhas na sua vida pessoal, especialmente quando ela se afasta de seus amigos e da família, Andy se vê em um conflito entre os padrões de sucesso impostos pela pressão social e sua verdadeira identidade.
Em O diabo veste Prada, a jornada de Andy é uma representação clara de como a pressão social e a conformidade geram uma alteração para adequação que moldam e até distorcem a identidade de um indivíduo. A busca por aceitação e validação externa pode ser tão poderosa que leva a pessoa a se afastar de seus próprios valores e da sua autenticidade, mas não poderia nos deixar sem um final feliz, afinal Andy consegue perceber esse processo de perda de si mesma e opta por priorizar um caminho alinhado com seus valores.
O que a psicologia social nos ensina aqui é que a busca incessante pela validação externa pode ser perigosa para a saúde mental e a identidade. Não se trata apenas de “mudar para agradar”, mas de como essa mudança pode distorcer nossa percepção de nós mesmos. Essa questão ganha ainda mais relevância quando consideramos as atuais dinâmicas sociais, como a pressão pelas redes sociais, em que a busca por reconhecimento e aceitação é ainda mais procurada.
Quer saber mais sobre psicologia social, compreender esse e outros termos, além de entender os processos que influenciam as transformações da identidade em diferentes contextos? Recomendo a leitura dos seguintes livros disponíveis no site da Sinopsys Editora: Teoria social cognitiva no contexto da saúde, escola e trabalho (Suely Santana, Catarina Dias e Margareth da Silva Oliveira), O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (Fernando González Rey) e Psicologia social: 10ª edição (David G. Myers).