No âmbito do Estado de São Paulo tem a lei 4.969/2016 que intensifica a divulgação da Lei Maria da Penha e sensibiliza a conscientização sobre a gravidade e a necessidade de estancar esta cultura estrutural do machismo que coloca a mulher na condição de objeto a seu serviço, utilizando para tanto a violência física e psicológica para afirmar-se como macho.
A necessidade deste macho sentir-se superior é pelo uso da força bruta, e a mulher colocar-se como objeto é uma questão sociocultural-econômica de sempre estar no lugar inferior e desprovida de oportunidades igualitárias. É uma triste realidade que se vive neste país em pleno século XXI.
Guardado no inconsciente
Quanto aos aspectos psíquicos, na visão da psicanálise, sabe-se que existe um lugar que se chama inconsciente que aloja as representações vividas na primeira infância (0 a 10 anos) que influenciará profundamente a vida adulta.
Isto significa que as vivencias infantis são primordiais na constituição de um sujeito, e o núcleo familiar meio que a criança vive. O que significa que essas vivencias serão decisivas para definir de como se lidará com os afetos.
Tantos homens e mulheres são sujeitos que foram constituídos pela cultura do núcleo familiar, ou seja, uma pessoa que viveu em núcleo violento tem uma grande probabilidade se ser tornar agressivo, e ou vítima de alguma forma desta violência.
Primeiramente é importante considerar o contexto da atual sociedade pós-moderna que passa por transformações incontroláveis no âmbito social, cultural, político, econômico e de comunicação que consequentemente afeta a constituição psíquica de um sujeito.
A sociedade atual é marcada pela violência do capitalismo que não valoriza o sujeito, este é apenas um objeto de manobra para seus fins lucrativos, e para tanto, utiliza-se de fakes News, discursos materialistas, produções a qualquer custo sem respeitar o humano e nem o planeta que habitamos, para isso utiliza-se muito mais o afeto agressivo do que o amoroso.
Discurso de ódio impera
O discurso de ódio que impera atualmente favorece a manifestação da violência. O impulso agressivo, só virá violência, o impulso amoroso é um meio de neutralizar os impulsos agressivos que na sua origem é de conservação da espécie. Mas pode se virar contra a própria espécie se for excessivo, e é o que se vive atualmente.
Desde o surgimento da psicanálise Freud dizia que o homem se constitui pelas relações socioculturais em que um infante está assujeitado ao um adulto cuidador ou não para que ele possa se constituir.
Desenvolvimento emocional
O núcleo familiar é o primeiro lugar que o infante vai introjetar, o ambiente é crucial para o seu desenvolvimento psíquico emocional. O psiquismo é uma constituição que se dá pelas identificações infantis que a criança vivenciará na primeira infância.
Se falando de violência, por exemplo, psiquicamente existe duas possibilidades de introjeções, a criança que vive em um lar violento, ela pode se identificar com o agressor, ou fazer uma reação contrária, se tornar a vítima do agressor. Este é um mecanismo de defesa que o ego da criança utiliza para poder sobreviver no meio.
As introjeções de representações das vivencias ocorrem pelo longo período de dependência da criança de um adulto que cuide dela, tornando-se assim, um ser afetado pelos afetos deste adulto.
Diante do acima exposto se pergunta: Se a constituição do humano se dá pelo desejo amoroso de um “cuidador” e por outro lado por uma função que interdita o gozo absoluto do infante, como está sendo estruturada a constituição psíquica do homem pós-moderno?
Agressividade pós-moderna
É preciso repensar, refletir sobre os valores éticos que estão alicerçando a estrutura psíquica do homem pós-moderno, nem parece que estamos vivendo no século XXI, em termos da violência parece a era medieval.
A agressividade vem tomando conta da sociedade, mata-se por um celular, um tênis, um pedaço de território para dominar o campo de drogas, e assim por diante. Será que o homem e seus instintos mudaram? Ou temos que sempre cuidar para que não sejamos tomados pelo ódio, como diz Freud no seu artigo de 1930 o Mal-estar na Civilização.
Na questão específica da violência contra a mulher, sabe-se que mudanças e conquistas são inquestionáveis na área social, política, econômica, profissional, na arte e cultura, mas ainda é muito pouco diante do que é necessário.
A mulher se depara com o desconhecimento de si mesmo psiquicamente, e passam conviver com os sintomas, como jornada de trabalho intenso, stress, pânico, fibromialgia, distúrbios psiquiátricos, alimentares, angústias, e comportamentos repetitivos nas escolhas dos parceiros amorosos.
Esses sintomas psicanaliticamente falando se dá inconscientemente, não é falta de vontade de viver melhor, é que elas não conseguem. Os sintomas são defesas psíquicas que são representações de vivencias dolorosas da infância que foram recalcadas. É uma maneira de encontrar uma satisfação inconsciente, mesmo que seja desprazer.
O inconsciente é uma instância que não tem lógica, é onipotente, atemporal, para ele, por exemplo, uma criança espancada na infância, ou que presenciou algum tipo de violência, o inconsciente pode codificar que aquela ação é um tipo de amor, e de ser olhado. Mesmo que na realidade o corpo ou o psíquico esteja sofrendo.
O discurso no Self terapêutico
Pode-se observar nos relatos ouvidos nos consultórios de mulheres que sofrem de violência que elas acreditam que seus parceiros podem mudar, que batem mas é trabalhador, que é bom pai quando não é violento, que paga as contas e assim por diante.
Existe uma dificuldade enorme de denunciar os maus tratos sofridos, ficam paralisadas na situação de abuso e violência sem conseguirem fazer alguma mudança na vida, e acreditam que um dia o abusador pode mudar. Isso não significa que queiram ter esta vida, mas que por alguma causa inconsciente não conseguem sair deste lugar.
Psicanaliticamente falando para o inconsciente aquela situação de dor, abuso, violência é uma forma de gozo, que mesmo desprazeroso deixa esta mulher aprisionada nesta gaiola psíquica.
Para sair deste lugar é preciso muitas vezes de ajuda profissional no sentido de fazer com que esta mulher reconheça que este tipo de relação é danosa, destrutiva. O profissional é preparado tecnicamente para lidar com as causas que o sujeito que está em sofrimento não consegue identificar.
A busca por ajuda profissional
O processo analítico é um dos caminhos possíveis que o sujeito pode recorrer para se conhecer e reconhecer o que lhe deixa neste lugar danoso. Só tendo conhecimento das causas é que se pode adquirir conhecimento das formas de mudança, ninguém muda o que não sabe.
É possível sair do lugar de abusado, de vítima, de objeto, existe profissionais que podem ajudar muito, e é importante que as mulheres que sofrem este tipo de violência procure ajuda profissional antes de tornarem-se vítimas de feminicídio.
A questão do abusador também é um desequilíbrio psíquico que pode ser tratado, e podem procurar ajuda. Mas hoje a proposta é refletir sobre a violência contra as mulheres que é muito grande e vem aumentando a cada dia.
Mulheres é possível viver melhor, podem acreditar que tem jeito, se não conseguir sair deste lugar pelos meios que você conhece busque um profissional para lhe ajudar.