O psiquiatra Marco Antonio Marcolin, com Master e PhD pela University of Illinois de Chicago (EUA), comenta o uso clínico da estimulação magnética transcraniana, terapia que emprega pulsos magnéticos para regularizar o funcionamento cerebral de pessoas com transtornos neurológicos e psiquiátricos.
Por meio da estimulação magnética transcraniana, o paciente pode tratar vários sintomas para diferentes indicações. A variação dos campos magnéticos, que são indolores, regula circuitos neuronais desbalanceados nos distúrbios.
É possível aumentar ou diminuir a excitação do córtex, local de processamento mais sofisticado do cérebro, e regiões subcorticais, que são um grupo de diversas formações neurais que se encontram no interior do cérebro. Isso significa que os pulsos magnéticos podem reativar estruturas pouco ativas ou inibir estruturas muito ativas. O recurso estimula a reorganização e plasticidade nas redes neuronais, favorecendo a reabilitação. Plasticidade é a capacidade de as conexões cerebrais se alterarem em função de intervenções do ambiente. Esse fenômeno ocorreria inicialmente com as sinapses, que são regiões de contato entre um neurônio e outro e por onde é transmitido o impulso nervoso, indo até o balanço de genes intraneuronais.
Os estudos sobre a estimulação magnética transcraniana começaram nos anos 1990 e tudo indica que será cada vez mais empregada, sendo utilizada em praticamente todos os países do mundo, com uma variedade de aprovações e indicações. Há pesquisas que sinalizam os efeitos benéficos da técnica no tratamento de Parkinson, distonia, esclerose múltipla, epilepsia, enxaqueca, dor em membro fantasma, insônia, dislexia, esquizofrenia, transtorno bipolar, síndrome do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), deficiência cognitiva e dependência química, como no tabagismo e no uso de cocaína.
O método surge como alento para os pacientes com problemas neurológicos e psiquiátricos resistentes aos medicamentos, além de ser uma maneira de evitar os efeitos colaterais dos remédios recomendados para tratamento desses transtornos. Estudos mostram, inclusive, que muitos pacientes abandonam o tratamento devido aos efeitos colaterais. Os antidepressivos, por exemplo, podem causar disfunções sexuais, ganho de peso, sonolência, náuseas, vômitos, diarreia, prisão de ventre e sensação de “abafamento emocional”.
Em alguns casos, a terapia é capaz de substituir a eletroconvulsoterapia, empregada a partir da corrente elétrica. A técnica, porém, causa efeitos indesejados, como convulsões, aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Além disso, o paciente precisa ser hospitalizado para aplicação de anestesia. Por isso, exige cuidados que poderiam ser dispensados com a estimulação magnética.
O psiquiatra lembra que a estimulação magnética transcraniana não tem a intenção de provocar convulsões. Existe, porém, um risco muito baixo (mais baixo que com o uso de antidepressivos), de ocorrer convulsão acidental. Desde 1996, quando se estabeleceram regras para o correto uso da estimulação magnética transcraniana, não ocorreu nenhuma convulsão acidental.
Segundo Marcolin, a principal vantagem é que a terapia não apresenta efeitos colaterais. Os pulsos magnéticos podem ser focalizados em pequenas áreas. Os resultados irão depender das funções envolvidas de acordo com a área escolhida, produzindo também reações cognitivas e emocionais. Exames de neuroimagem determinam qual ponto do cérebro precisa ser estimulado.
A técnica ainda pode ser empregada em gestantes, uma vez que muitos medicamentos usados por elas apresentam o risco de malformação do feto e são transmitidos ao bebê pela amamentação. A estimulação não prejudica o feto. A depressão, por exemplo, atinge cerca de 13% das gestantes. Nos Estados Unidos, cerca de 500.000 gestações são complicadas anualmente devido ao quadro depressivo das mães.
Tudo indica que o novo recurso apresenta bons resultados em pessoas com dislexia, um distúrbio neurobiológico de funcionamento do cérebro que afeta a leitura, a escrita e a soletração. Com a sua aplicação, há melhora no processamento de leitura e linguagem.
Os primeiros estudos com estimulação magnética começaram em 1896, quando o médico e físico francês Jacques-Arsène D’Arsonval passou a estudar os efeitos do magnetismo sobre os estados de humor. Nos anos seguintes, as pesquisas envolveram a uso de estímulos magnéticos na fisiologia animal.
O primeiro equipamento gerador dos pulsos magnéticos surgiu em 1985 na Grã-Bretanha. A técnica começou a ser pesquisada e utilizada em estudos em vários países. Na década de 1990, a estimulação magnética começou a ser aplicada na Psiquiatria com bons resultados no tratamento de transtornos mentais, como a depressão.
Quais as recentes descobertas acerca da estimulação magnética transcraniana?
A estimulação magnética transcraniana tem aprovação no Brasil para tratamento de depressões, alucinações auditivas e planejamento de neurocirurgia. No entanto, há várias descobertas em outros campos, por exemplo, no tratamento de autismo, dor crônica, transtorno obsessivo-compulsivo, zumbido, dependências químicas, entre outras. Estamos concluindo um grande estudo envolvendo dependência de nicotina. A aplicação é extremamente ampla e vai além das aprovações que temos no país atualmente.
Como é esse novo estudo envolvendo dependências químicas?
Estudamos há oito anos a aplicação de estimulação magnética transcraniana para tratamento de dependência de cocaína aspirada e estamos concluindo um grande estudo para tratamento de tabagismo. Há uma parceria entre o Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas [HCFMUSP] e o Incor [Instituto do Coração] para o desenvolvimento dessas pesquisas. Existem vários tipos de estimulação magnética, nesse caso, empregamos a estimulação magnética profunda com bobinas H.
Como são aplicados os pulsos magnéticos?
Os pulsos magnéticos são aplicados através de uma bobina, que é uma sequência de fios de cobre enrolados [existem bobinas com outros materiais] por onde passa uma enorme quantidade de energia em questão de milissegundos, gerando um campo magnético. Esse pulso magnético atravessa tanto o couro cabeludo [escalpo] quanto o crânio [osso], e vai até o tecido nervoso. A variação desse campo magnético acaba por criar um campo elétrico puntiforme dentro do cérebro, paralelo ao campo primário, e acaba regulando circuitos neuronais. Por exemplo, circuitos neuronais envolvidos quando a pessoa não consegue tomar uma decisão em relação a abandonar ou não uma dependência e continua funcionando no automático. Você consegue ativar esses circuitos poucos ativados, como ocorre na depressão, ou desativar circuitos extremamente ativados, no transtorno obsessivo-compulsivo e nas alucinações auditivas.
O método surge como resposta para os pacientes com problemas neurológicos e psiquiátricos resistentes aos medicamentos? Poderia comentar?
Uma das indicações para o emprego da estimulação magnética é a resistência aos medicamentos, por exemplo, no tratamento de depressão, dor crônica e ideação suicida. Existem publicações recentes mostrando que altas doses de estimulação magnética ajudam na diminuição aguda da ideação suicida. Também é indicada para sintomas obsessivo-compulsivos, alucinações e comportamentos restrito-repetitivos [interesse restrito e movimentos estereotipados sem função específica que podem aparecer em momentos de estresse para aliviar a sobrecarga sensorial] em autistas quando a medicação não resolve. A estimulação magnética também pode ser empregada quando a medicação causa muitos efeitos colaterais. Outra indicação é em caso de na gravidez, uma vez que grande parte dos fármacos utilizados pelas gestantes tem risco levar à malformação do feto. E depois que nasce a criança, no período do puerpério, as medicações são transmitidas ao bebê pelo leite materno.
A terapia é capaz de substituir a eletroconvulsoterapia?
Em alguns casos, sim. Por exemplo, existem comparações com estimulação magnética profunda com excelentes resultados. Existem casos que não há substituição. Por outro lado, existem muitas indicações para a estimulação magnética trnascraniana nas quais a eletroconvulsoterapia não funciona como o comprometimento cognitivo, transtorno obsessivo-compulsivo etc.
Quais as desvantagens da eletroconvulsoterapia?
A estimulação magnética transcraniana melhora a memória, a concentração e não tem necessidade de aplicação de anestesia. Além disso, a terapia é indolor. Embora seja muito eficaz nas depressões, a eletroconvulsoterapia, requer a aplicação de anestesia geral e leva a um comprometimento de memória importante. Outra desvantagem é que ela exige que os pacientes se encaminhem até o hospital para sua aplicação. E, no caso, a técnica provoca convulsão no paciente. Já na estimulação magnética transcraniana, não há essa reação. Enfim, são dois métodos absolutamente diferentes.
Como são determinadas as regiões do cérebro a serem estimuladas?
Sabe-se, por exemplo, que, na depressão, existe uma região frontal à esquerda que costuma ser “lentificada”. É como se estivesse meio “desligada”. Como se sabe isso? É possível explorar a atividade cerebral através de exames neuroimagem, como a tomografia por emissão de pósitrons[PET], a partir dos quais se descobre que determinada região do cérebro está pouco, ou muito, ativada. No caso dos autistas, com determinados tipos de sintomas, por exemplo, sintomas restrito-repetitivos, é preciso desativar uma região frontal à direita. Enquanto pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, nós temos que explorar uma área que se chama córtex motor acessório, que são áreas que estão afetadas em cada tipo de problema. Na dependência de nicotina, estimulamos as ínsulas e regiões pré-frontais bilaterais. Dependendo da região do cérebro que pretendemos atingir, vamos promover a regulação de determinados circuitos. Essa é outra diferença em relação à eletroconvulsoterapia, que espalha energia elétrica para todo o cérebro, indistintamente. A estimulação magnética transcraniana regula circuitos específicos de acordo com o diagnóstico.
Hoje, há poucos recursos para o tratamento do déficit cognitivo. É possível empregar a EMT para pacientes do Alzheimer? Seria um recurso para esses casos?
A estimulação magnética transcraniana pode ser usada em casos de déficit cognitivo, sim, eventualmente em pacientes no estágio inicial do Alzheimer. O que parece é que estamos produzindo uma facilitação [neuroplasticidade] neuronal para usarmos numa segunda fase outras técnicas, por exemplo, neurofeedback [técnica que utiliza diversos recursos exibidos em tempo real para monitorar a atividade cerebral com o objetivo de controlar a atividade do sistema nervoso]. Então, se temos um paciente com déficit cognitivo, faríamos a estimulação magnética transcraniana e, imediatamente após a sessão, o individuo inicia a atividade de neurofeedback ou realidade virtual, com uma melhora muito importante. O mesmo ocorre com dependência química ou transtorno obsessivo-compulsivo. Ou seja, imediatamente após a aplicação da estimulação magnética transcraniana, faz-se um tipo específico de orientação cognitiva. Parece que há uma plasticidade neuronal melhorada com a aplicação da terapia.
Quais os fatores de risco?
Há riscos em casos de implantes metálicos no cérebro. Uma pessoa que passou por neurocirurgia e passou por um implante que não seja de titânio não pode ser indicada a estimulação magnética transcraniana. Também é contraindicada na presença de marca-passo e alguns tipos de epilepsia.
O receio dos pesquisadores é que a estimulação possa causar algum prejuízo à função cognitiva. Isso já foi comprovado?
Pelo contrário, ela melhora a função cognitiva, por exemplo, memória, funções executivas relacionadas ao lobo frontal. É potencial terapêutico enorme para transtornos de déficit de atenção com hiperatividade em crianças [transtorno neurobiológico caracterizado pela desatenção extrema, desorganização e comportamento impulsivo].