A história da humanidade está repleta de exemplos nos quais líderes, sejam políticos, religiosos ou de outra natureza, influenciaram seus seguidores a praticarem cegamente atos contra si ou contra os outros. O psicanalista Sigmund Freud considera que são os laços libidinais que caracterizam um grupo, tendo ele um líder ou não. Um grupo pode estar unido por uma ideia ou por um líder, ou por ambos ao mesmo tempo. Freud, em O Futuro de uma Ilusão (1927), ao falar da influência exercida por líderes diz que “tudo vai bem, se os líderes forem pessoas que possuam uma visão esclarecida e tenham dominado seus próprios desejos pulsionais”. Mas isso é quase impossível, pois a ambição em liderar, por si só, revela a não abdicação pulsional.
Uma liderança nefasta, associada a seguidores que se submetem sem questionamentos, pode levar a situações trágicas como foram os casos de Charles Manson, Jim Jones e Osho. Os três encontraram no discurso religioso a sustentação para os seus singulares discursos hipnotizantes e levaram seus seguidores a atos extremos: os de Manson cometeram assassinatos; os de Jim Jones, suicídio, e os de Osho fundaram uma cidade fortemente armada, onde foram cometidos vários crimes.
Charles Manson
Charles Manson (1934 – 2017) foi mentor e mandante de assassinatos que chocaram os Estados Unidos na década de 1960. Responsável pela morte de sete pessoas, ordenou o assassinato de todas, sem participar em ato de nenhuma delas. Todos os assassinatos foram praticados por seus seguidores, membros do que chamavam de Família Manson.
Desde a adolescência, Manson praticava pequenos delitos e foi preso por roubo. Após ser solto, começou a frequentar a igreja e a perceber na religião uma via de influência e domínio sobre as pessoas. Assim, estudou religião como uma ferramenta de controle e coerção, visando manipular, em particular, jovens mulheres.
Ciente de “não haver escravidões piores do que vícios e paixões” (Marques de Maricá), Manson oferecia a seus seguidores o gozo ilimitado das drogas e, dessa oferta, extraia mais uma forma de manipulação. Longos discursos proféticos, músicas hipnóticas e intenso e promovido uso de drogas alucinógenas criaram a crença de que ele possuía algum poder mágico.
Fama hollywoodiana
Obcecado pela fama hollywoodiana, Manson adaptava seu discurso para atrair diferentes pessoas. Camaleônico, era capaz de agir como uma insana estrela de rock, como um guru espiritual ou um racista extremista. Ocupava a posição de ser exatamente o espelho que seus seguidores almejavam. Sua seita era um misto de ideias de Hitler, movimento hippie e velho testamento. Suas previsões apocalípticas o colocavam no lugar de salvador influenciando dezenas de pessoas. Conforme observado por Freud, “os argumentos não tem valia alguma contra as paixões”.
Em agosto de 1969, Manson ordenou que alguns de seus seguidores começassem os assassinatos. Supondo anonimato, já que estavam em grupo, e imbuídos da pseudo onipotência a eles concedida por Manson, o grupo matou brutalmente a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, e mais quatro pessoas. Nos dias que se seguiram, outros assassinatos foram cometidos.
Prisão
Em dezembro do mesmo ano, Manson e vários de seus seguidores foram presos. Na prisão, após receber 60 mil cartas, uma entrevistadora lhe pergunta por que as pessoas o seguiam. Ele respondeu: “porque essas pessoas são iguais a mim!”
A entrevistadora indaga: “mas tem crianças que escrevem para você”. E ele responde: “Sim, eu sou uma criança”. Aqui, cabe lembrarmos de Freud (1927): “quando a pessoa percebe que está destinada a ser uma criança, que jamais poderá prescindir da proteção contra forças superiores desconhecidas, ele atribui a elas os traços da figura paterna, cria para si os deuses, que teme e procura conquistar e, aos quais, confia sua proteção”.
Jim Jones
Jim Jones (1931-1978), o reverendo assassino, matou mais de 900 pessoas de uma única vez e é considerado líder do culto mais mortal dos Estados Unidos. Em 1977, fundou um vilarejo na Guiana chamado Templo dos Povos Jonestown. Reinou como um líder absoluto até novembro de 1978. Quando jovem lia livros sobre Gandhi, Hitler, Marx e religiões, sua mãe dizia ter dado à luz a um Messias e seu pai era filiado à Ku Klux Klan.
Em 1952, entrou para escola de pastores da Igreja Metodista. Ficou impressionado com a popularidade dos cultos e planejou usá-los para arrecadar dinheiro. A partir de 1956, começou a coordenar grandes aglomerações religiosas. Jones viajou ao Brasil em 1962, onde atuou em comunidades do Rio de Janeiro. Mas, com sua ausência nos Estados Unidos, a igreja perdeu fiéis e ele voltou ao país. Interessante notar que a ausência do líder revelou, nesse caso, a necessidade da presença para que se mantivesse o laço libidinal.
Em 1967, iniciou suas pregações apocalípticas delirantes: o planeta seria destruído por uma guerra nuclear, mas Jones construiria um paraíso na Terra para salvar seus seguidores. Colocava-se como detentor da verdade e em seus discursos, claramente megalomaníacos, ora dizia ser a reencarnação de Gandhi, ora de Jesus, ora de Buda.
Paraíso no Terra
Centenas de pessoas o seguiam, iludidos com a crença de que Jones construiria o paraíso. Aqui, faço uma referência a Freud no sentido de enfatizar que, segundo ele, as doutrinas religiosas são ilusões e, algumas delas, podem ser comparadas a delírios. Nas ilusões, segundo Freud, o que está em jogo são desejos humanos. As ilusões podem ser realizáveis ou não realizáveis, neste último caso, não se realizam por estarem em contradição com a realidade. Por exemplo, uma pessoa pode ter a ilusão de casar com um artista famoso, e isso pode acontecer ou não. Mas Freud nos alerta: “mas que o Messias chegue e funde uma idade de ouro é muito menos provável” (1927). Assim, os discípulos seguem na ilusão da idade de ouro, do paraíso prometido.
Campo de concentração
Embora Jones anunciasse Jonestown como um paraíso terrestre, o assentamento lembrava um campo de concentração. Seus seguidores eram submetidos a sofrimentos extremos: trabalho escravo, cárcere privado, racionamento de comida e sessões de tortura marcavam o dia a dia da comunidade. Moradores que desobedecessem às ordens de Jones eram submetidos a espancamentos.
Jones encarnava o pai que protege e pune. Seus seguidores tanto ansiavam por sua proteção como o admiravam. Entretanto, temiam o pai que não se abstinha de usar meios coercitivos para impor sua lei, sob a falácia que os protegia.
Após denuncias, Jonestown foi investigada e recebeu a visita de uma comitiva liderada pelo congressista norte-americano Leo Ryan. Jones mandou matar todos os membros da comitiva. Temoroso das consequências e constatando que seu “reinado” estava ameaçado, ordena o suicídio em massa de seus seguidores. Em lágrimas, seus seguidores o obedeceram. Alguns, de joelhos, foram até o púlpito onde Jones discursava para, então, beberem do veneno servido. Jim Jones foi encontrado junto aos discípulos com um ferimento de arma de fogo na cabeça. Não ficou claro se ele se suicidou ou orientou um seguidor a matá-lo.
Osho
O hindu Osho foi um dos líderes espirituais mais populares do mundo e criou uma polêmica comunidade alternativa que levou ao caos uma cidade dos Estados Unidos, onde foram cometidos diversos crimes.
A seita surgiu na Índia, mas, em 1981, o guru transferiu-se junto com cerca de 2000 seguidores para o condado de Wasco, nos Estados Unidos. Compraram uma grande extensão de terra e fundaram a cidade de Rajneeshpuram, com sistema próprio de correspondência, centros comerciais, restaurantes e aeroporto. Extravagante, Osho vivia cercado de joias, roupas luxuosas e colecionava automóveis Rolls-Royce.
Os seguidores chegaram ao número de 300 mil espalhados pelo mundo. Todos hipnotizados pelo guru e “do estar amando à hipnose vai um curto passo”, assim como, “a relação hipnótica é a devoção ilimitada de alguém enamorado” (Freud, 1921).
Transtornos à cidade
Osho fazia aparições sem falar nenhuma palavra, apresentava-se como enigmático. Passou longos períodos sem nada falar. Entretanto, em Wasco, diante do excesso de armamentos e diversos transtornos trazidos à cidade, os moradores organizaram-se contra a comunidade e surgiram conflitos intensos. Osho foi acusado de vários crimes e, ao ser investigado pelo FBI, quebra o silêncio para responsabilizar Sheela pelos crimes. Sheela era sua secretária, porta-voz e seguidora mais devota.
Em 1985, autoridades americanas invadiram a comunidade. Sheela foi responsabilizada pelas acusações de tentativa de homicídio, espionagem eletrônica, fraude de imigração e engenharia de surto de salmonela. Osho foi preso e acusado de crimes, confessa alguns, paga multa e é obrigado a deixar os Estados Unidos. Ele tentou entrar em diversos países, que se negaram a abrigá-lo e, assim, foi obrigado a voltar para a Índia.
Na servidão voluntária, os seguidores se submetem sem questionamento
Nestas três diferentes lideranças, os servis seguidores não questionavam o líder, nem suas ordens, estavam fascinados, exatamente, como o filósofo francês Ètiene de La Boétie definiu em O Discurso da Servidão Voluntária.
Contrária ao preceito comum de servidão, a servidão voluntária é uma expressão enigmática porque considera a servidão como algo que parte da vontade do indivíduo. Esse enigma, Boétie esclareceu tirando o foco da questão do tirano e perguntando aos tiranizados porque eles aceitavam o tirano. Por quê os tiranizados dão ao tirano os seus olhos, pés, corpo e alma? Eles responderam: porque nós todos somos tiranetes: a tirania depende do desejo de cada um dominar o outro. Nos casos aqui trazidos, os seguidores estavam fascinados por seus líderes a ponto de serem seus cúmplices e coautores de crimes ou cometerem suicídio.
Referências
BOÉTIE, Ètiene de La.(1549) Discurso da Servidão Voluntária. L.C.C. Piblicações Eletrônicas – eBookLibris,2006.
FREUD, S. (1921). Psicologia das Massas e Análise do eu. In: ESB, v.XVIII . Rio de Janeiro: Imago, 2004.
______. (1927). O Futuro de uma Ilusão. In: ESB, op. cit., v. XXI, 2006.