A escola contemporânea enfrenta o desafio de adaptar-se a uma sociedade em que o conhecimento se atualiza em ritmo acelerado e as tecnologias assumem papel central na mediação da aprendizagem. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) não representa apenas uma inovação técnica, mas um agente de reorganização pedagógica, exigindo novas competências dos educadores e uma reformulação das práticas de ensino. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pela educadora Bianca Acampora.

Ela é doutora em ciências da educação, mestre em cognição e linguagem, especialista em pedagogia, psicopedagogia, arteterapia e neurociências cognitivas. Atua como professora do Instituto Federal Fluminense (IFF) nos cursos de licenciatura, pós-graduação e mestrado – Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT). É autora de mais de 20 livros, entre eles Mentes conectadas: o impacto da inteligência artificial na educação (Wak Editora).

Fale sobre o panorama educacional atual em tempos de evolução da inteligência artificial.

Vivemos um momento de profunda transformação educacional impulsionada pelos avanços da inteligência artificial (IA). A escola contemporânea enfrenta o desafio de adaptar-se a uma sociedade em que o conhecimento se atualiza em ritmo acelerado e as tecnologias assumem papel central na mediação da aprendizagem. A IA, nesse contexto, não representa apenas uma inovação técnica, mas um agente de reorganização pedagógica, exigindo novas competências dos educadores e uma reformulação das práticas de ensino (MORAN, 2020). “A escola do futuro exige um professor pesquisador, reflexivo e inovador, capaz de usar a tecnologia não como fim, mas como meio para promover aprendizagens significativas.” (MORAN, 2020, p. 43)

De que forma a IA pode contribuir na educação?

A IA pode contribuir significativamente em diversas frentes educacionais. Entre suas potencialidades, destacam-se a personalização do ensino, a análise preditiva do desempenho dos estudantes, o suporte à inclusão e à acessibilidade e o auxílio na gestão pedagógica. Algoritmos de IA podem identificar lacunas de aprendizagem e recomendar conteúdos personalizados, otimizando o tempo e o foco dos educadores (LIMA; REIS, 2022). “A inteligência artificial, se usada com intencionalidade pedagógica, pode transformar a relação com o conhecimento e oferecer experiências educacionais mais inclusivas e eficientes.” (LIMA; REIS, 2022, p. 78)

E o ChatGPT especificamente?

O ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, é um modelo de linguagem que utiliza aprendizado de máquina para gerar respostas contextuais e coesas. No campo educacional, pode ser utilizado como tutor virtual, ferramenta de apoio à escrita, elaboração de resumos, explicação de conceitos e auxílio na construção de materiais didáticos. Sua eficácia depende, no entanto, da mediação crítica do professor, que orienta o uso ético e pedagógico da ferramenta (CASTRO; MORAES, 2023). “Ferramentas como o ChatGPT não substituem o educador, mas ampliam seu repertório e oferecem suporte em processos de ensino e aprendizagem.” (CASTRO; MORAES, 2023, p. 92)

De que forma é possível proteger a privacidade dos estudantes e qual a importância dessa proteção?

A proteção de dados pessoais dos estudantes é um princípio fundamental para o uso ético da IA na educação. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) (Lei nº 13.709/2018) estabelece diretrizes para o tratamento responsável dessas informações. É fundamental que as instituições de ensino adotem políticas de segurança da informação, obtenham consentimento informado e utilizem plataformas que respeitem os princípios da privacidade desde a concepção (privacy by design). “A privacidade é condição para a dignidade humana e para a confiança no ambiente digital educacional.” (PINHEIRO; NOGUEIRA, 2021, p. 115)

Como promover inclusão e acessibilidade na escola com IA?

A IA pode ser uma poderosa aliada na construção de uma escola acessível e inclusiva. Ferramentas de leitura automatizada, tradução em tempo real, legendagem automática, sintetizadores de fala e sistemas de sumarização de textos auxiliam estudantes com deficiência visual, auditiva, neurodivergências ou dificuldades cognitivas a acessarem e compreenderem os conteúdos educacionais (SILVA; ALMEIDA, 2023). “A acessibilidade digital não é um adendo à educação; ela é condição de existência para a equidade educacional.” (SILVA; ALMEIDA, 2023, p. 133)

O que é machine learning e como pode ser utilizado na educação?

O aprendizado de máquina (machine learning) é um subcampo da IA que permite que sistemas aprendam e façam previsões com base em dados. Na educação, isso pode ser usado para prever abandono escolar, personalizar trilhas de aprendizagem, detectar padrões de engajamento dos alunos e adaptar conteúdos com base nas respostas anteriores dos estudantes (DOMINGUES; FERRAZ, 2021). “Machine learning pode ser entendido como uma forma de promover educação responsiva, capaz de se adaptar às necessidades e contextos específicos dos aprendizes.” (DOMINGUES; FERRAZ, 2021, p. 59)

Como a IA pode dar assistência ao professor?

A IA pode automatizar tarefas repetitivas, como correção de exercícios objetivos, elaboração de planos de aula e organização de dados sobre o desempenho dos estudantes. Também pode servir como ferramenta de apoio à tomada de decisão pedagógica, oferecendo insights baseados em análises de grandes volumes de dados (BIG DATA educacional) (FREITAS; SILVEIRA, 2022). “A IA é uma assistente pedagógica, não uma substituta do professor. Ela liberta o educador de tarefas operacionais para que ele se concentre na mediação e no vínculo humano.” (FREITAS; SILVEIRA, 2022, p. 86)

Quais são as perspectivas para o futuro da educação impulsionado pela IA?

O futuro da educação com IA aponta para ambientes de aprendizagem mais personalizados, inclusivos, adaptativos e colaborativos. Modelos híbridos de ensino, aprendizagem baseada em dados e o uso de assistentes virtuais são tendências emergentes. No entanto, esse futuro depende de formação docente qualificada, investimentos em infraestrutura e regulação ética do uso das tecnologias (UNESCO, 2023). “O uso pedagógico da IA representa uma oportunidade histórica para democratizar o acesso ao conhecimento e reduzir desigualdades educacionais.” (UNESCO, 2023, p. 14)

Quais são os desafios éticos e as questões sociais envolvidos?

Os principais desafios éticos incluem o risco de viés algorítmico, a vigilância excessiva, a exclusão digital e o uso da IA sem consentimento informado. É essencial garantir transparência nos sistemas, explicabilidade das decisões automatizadas e participação dos educadores na escolha e uso dessas tecnologias (COELHO; MARTINS, 2022). “Não basta que a IA funcione. É preciso que funcione de forma justa, explicável e centrada na dignidade humana.” (COELHO; MARTINS, 2022, p. 101)

Referências

CASTRO, L. F.; MORAES, M. L. ChatGPT na educação: limites, possibilidades e mediação docente. Revista Educação e Tecnologia, v. 14, n. 2, p. 88-94, 2023.

COELHO, M. A.; MARTINS, A. R. Ética em algoritmos: desafios para a educação digital. Cadernos CEDES, v. 42, n. 118, p. 97-110, 2022.

DOMINGUES, J. S.; FERRAZ, C. B. Aprendizado de máquina na educação: conceitos e aplicações. Revista Brasileira de Informática na Educação, v. 29, n. 3, p. 55-63, 2021.

FREITAS, T. P.; SILVEIRA, L. C. Inteligência Artificial e o trabalho docente: mediações possíveis. Educação & Sociedade, v. 43, e246379, 2022.

LIMA, R. A.; REIS, V. C. Personalização do ensino com Inteligência Artificial: desafios e possibilidades. Revista Educação em Foco, v. 25, n. 3, p. 75-91, 2022.

MORAN, J. M. Educação híbrida e inteligência artificial: o futuro já começou. Revista Educação e Cultura Contemporânea, v. 17, n. 41, p. 41-54, 2020.

PINHEIRO, D. A.; NOGUEIRA, S. C. Proteção de dados e direitos digitais na educação. Revista Direito e Sociedade Digital, v. 1, n. 1, p. 110-122, 2021.

SILVA, M. C.; ALMEIDA, R. S. Acessibilidade e IA: caminhos para uma escola mais inclusiva. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 29, n. 1, p. 127-142, 2023.

UNESCO. Guidance for generative AI in education and research. Paris: United Nations Educational, Scientificand Cultural Organization, 2023.