Conhecer a si mesmo é o começo de toda sabedoria” (Aristóteles)

No mês de agosto, dia 27, comemoramos no Brasil o dia do(a) psicólogo(a) e a escolha dessa data não foi por acaso. Nela, no ano de 1962, houve o reconhecimento legal da profissão, que anteriormente era exercida por profissionais de diversas áreas. João Goulart, o presidente da República na época, sancionou a Lei 4.119, tornando a Psicologia, de fato, uma profissão. Porém, ela foi regulamentada apenas em janeiro de 1964, por meio do Decreto 53.464.

Psicologia tem mostrado sua grande importância no cotidiano, nos mais diversos âmbitos e setores. Para compreender essa relevância, vamos voltar um pouco no tempo e observar como essa ciência e profissão foi construída e evoluiu com o passar dos anos.

A necessidade de compreender questões existenciais é algo que acompanha a espécie humana em sua trajetória e, durante parte desse período, a Filosofia foi a responsável por se debruçar sobre essas indagações e tantos questionamentos. Porém, algo ainda faltava. Algo que voltasse sua compreensão para o ser humano e suas angustias de modo mais íntimo. Parafraseando Aristóteles, na famosa frase: “Conhecer a si mesmo é o começo de toda sabedoria”, eis que, no século XVI, o termo Psicologia surge, visando esse aprofundamento do ser humano enquanto indivíduo.

“Tal qual as coisas físicas, as psíquicas não são necessariamente aquilo que parecem ser na realidade” (Freud)

Grandes pensadores  

Como boa parte das ciências existentes, a Psicologia também evoluiu a partir de raízes filosóficas, das quais podemos destacar alguns pensadores que contribuíram para a formação dessa área de conhecimento. Aristóteles entra em cena novamente com a sua tese de que “o todo é maior que a soma de suas partes”, pavimentando o caminho que mais tarde seria base para a Psicologia da Gestalt. René Descartes traz como contribuição o dualismo, separação entre mente e corpo e que, agora, compreendemos como mente e as funções cerebrais. Wilhelm Wundt, considerado fundador da Psicologia Experimental e responsável por fundar o primeiro laboratório de Psicologia, tinha como objetivo realizar uma descrição precisa da consciência. William James, psicólogo americano responsável pela consolidação da Psicologia como ciência, foi o criador do primeiro curso de Psicologia Experimental e “as relações entre a Fisiologia e a Psicologia”, nos Estados Unidos; dentre outras inúmeras contribuições que proporcionaram esse cenário amplo de correntes e perspectivas diferentes dessa ciência que estuda o comportamento humano e seus processos mentais.

Quando se fala em perspectivas diferentes, logo é possível lembrar das abordagens que compõem esse campo do saber e norteiam a pratica profissional desta profissão, como exemplos das mais conhecidas delas temos a Psicanalise, desenvolvida por Sigmund Freud, que introduz a ideia de que somos guiados e motivados por processos internos advindo do nosso inconsciente, que contém todas a nossas vivências, sentimentos e pensamentos, estando fora do nosso domínio e entendimento. O inconsciente é o lugar de onde emerge tudo aquilo que temos consciente (que possuímos domínio) e onde se localiza uma volumosa quantidade de estímulos conflitantes. “Tal qual as coisas físicas, as psíquicas não são necessariamente aquilo que parecem ser na realidade”, dizia Freud.

Até hoje o inconsciente é um dos conceitos enigmáticos da Psicologia, no qual, segundo Freud, nossa mente se divide em três partes: ego (o que é consciente, que controlamos), id (parte inconsciente) e superego (responsável pelas nossas normas e condutas); assemelhando-se a um iceberg, em que o que observamos (que estaria na superfície) é apenas uma fração do que somos. Visto que o inconsciente é algo inacessível, como investiga-lo e compreendê-lo? Na Psicoterapia com abordagem Psicanalítica, o psicólogo visar abrir espaço de fala livre para que esses conteúdos inconscientes se manifestem para o consciente, sendo expressados de variadas maneiras.

“A objeção aos estados internos não é por eles não existirem, mas pelo fato de não serem relevantes para a análise funcional” (Skinner)

Processos cognitivos

Seguimos agora para a abordagem behaviorista que surgiu no início do século XX, tendo como destaque nomes como Ivan Pavlov, John B. Watson e Burrhus Frederic Skinner. Essa perspectiva teve e tem o objetivo de realizar estudos psicológicos por meio da observação do comportamento por métodos objetivos e científicos que se fundamentam pela comprovação experimental. Ela se concentrava na observação de feedbacks resultantes de estímulos externos, (como se reagia a determinada situação simulada), não levando em consideração processos mentais internos por considerar a impossibilidade do exame cientifico. Segundo Skinner, “a objeção aos estados internos não é por eles não existirem, mas pelo fato de não serem relevantes para a análise funcional”.

Porém, muitos psicólogos começaram a questionar a abordagem behaviorista e seu foco demasiado no comportamento humano, decidindo, então, traçar novos rumos, não esquecendo essa raiz comportamentalista, desviando o interesse do comportamento, e ampliando-o para os processos mentais, denominados “processos cognitivos” que, com o avanço da neurociência, passaram a ser possíveis de análise e compreensão.

Como consequência desse ajuste de rumo, temos a concepção da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), por Aaron Beck, uma abordagem de Psicoterapia que mescla conceitos do Behaviorismo com teorias cognitivas, entendendo que a maneira como o ser humano interpreta o que acontece ao seu redor influencia diretamente em como esse sente.

“Se nossos pensamentos forem limpos e claros, estaremos prontos para alcançar nossos objetivos” (Aaron Beck)

O terapeuta na TCC teria a função de auxiliar a pessoa a identificar essa ótica de análise de mundo (pensamentos e crenças) e, por meio de uma reestruturação cognitiva, abriria a possibilidade para uma nova forma de avaliar e interpretar as situações.  Para Aaron Beck, “se nossos pensamentos forem limpos e claros, estaremos prontos para alcançar nossos objetivos”.

Logo em sua gênese, foi perceptível sua eficácia no tratamento do transtorno depressivo, funcionando em uma grande parcela dos pacientes. Analisando sua efetividade, Beck percebeu que ela poderia ser eficaz em outros contextos, como distúrbios de personalidade e esquizofrenia. O trabalho de Beck foi muito importante e influente, levando a TCC para o ambiente clínico. Com o passar dos anos, vários outros estudiosos também realizaram suas contribuições e aperfeiçoamentos, resultando em diversos modelos de Terapia Cognitivo-Comportamental utilizados, atualmente, por profissionais da Psicologia dessa área.

Construções e desconstruções

Não podendo deixar de mencionar a Gestalt-Terapia, a Fenomenologia, a Abordagem Centrada na Pessoa, a Logoterapia e outros tantos campos do saber que constroem a prática clínica e os alicerces do que vemos hoje na Psicologia, cada uma ao seu modo. E todas essas visões, mesmo que discordantes em alguns aspectos, possuem algo em comum: o objetivo de auxiliar a lidar com nossas angústias e inquietações.

“A terapia faz com que o indivíduo deixe de repetir de forma morta e chegue a um novo conflito criativo que convida ao crescimento, à mudança, ao excitamento, à aventura de viver” (Fritz Perls)

É uma história repleta de debates, construções e desconstruções, que vem se adaptando à complexidade da sociedade, do ser humano, das relações e dos avanços nas tecnologias da informação; que influenciou na possibilidade da Psicoterapia on-line, evidenciando cada dia mais a importância do cuidar de si, do cuidado em saúde mental, independente do lugar, ultrapassando as fronteiras físicas. “A terapia faz com que o indivíduo deixe de repetir de forma morta e chegue a um novo conflito criativo que convida ao crescimento, à mudança, ao excitamento, à aventura de viver”, afirma o psiquiatra que desenvolveu a Gestalt-Terapia, Fritz Perls

Novos modelos de atendimento

Mesmo com o panorama de crescimento do cenário tecnológico, a visão do processo psicoterápico como estritamente presencial era algo que prevalecia no imaginário popular e de muitos profissionais da área, seja pela figura estabelecida do setting terapêutico ou pela forma que a profissão foi e é midiatizada em obras audiovisuais.

Com surgimento da pandemia do coronavírus (COVID-19), uma das maiores emergências em saúde presenciadas neste milênio, um cenário de isolamento social visando a diminuição da propagação do vírus se estabeleceu, tornando necessário repensar inúmeras praticas, dentre elas o atendimento presencial. Como alternativa a essa conjuntura, o atendimento psicoterápico on-line ganhou visibilidade e tornou-se rapidamente uma ferramenta fundamental para acolhimento no âmbito da saúde mental.

Percebendo essa necessidade por tal serviço e visando desburocratizar um pouco o processo de realização deste, no dia 26 de março de 2020, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou a resolução nº 4/2020, permitindo a oferta de serviços psicológicos via on-line após a realização do cadastramento.

Tal medida, propiciou que o cuidado psíquico fosse ampliado nesse momento delicado, em que aos poucos a psicoterapia on-line vem sendo cada vez mais utilizada por quem procura os serviços psicoterápicos, principalmente agora, em tempos de pandemia.

Uma construção permanente

Independente da abordagem e do modelo presencial ou virtual, o fato é que o dia 27 de agosto é uma data que traz consigo uma bagagem enorme, permeada de lutas e conquistas, adaptações, reinvenções e evoluções, sendo necessário lembrar que nós, profissionais da Psicologia em atuação, fazemos parte de um projeto inacabado, ainda em constante progresso, onde podemos refletir e construir a história que queremos que seja contada em nosso futuro.

“Quando não podemos mais mudar a situação, somos desafiados a mudar nós mesmos” (Viktor Frankl)

Nosso desafio é transformar a autoconsciência de nossos pacientes. Mas, como profissionais estamos em constante mudança também, em um aprendizado permanente que passa pela compreensão e respeito de gerações, culturas, ambientes, comportamentos, hábitos, crenças, angústias e tantas outras complexidades. Como disse o neuropsiquiatra e fundador da terceira escola vienense de Psicoterapia, Viktor Frankl, “quando não podemos mais mudar a situação, somos desafiados a mudar nós mesmos”. E essa é grande beleza de um tratamento clínico, seja qual for a abordagem escolhida.

A área de atuação do psicólogo é vasta. Há muitos profissionais na Psicologia do Trânsito, Jurídica, do Esporte, Ambiental, Neuropsicologia, Hospitalar; Psicologia da Educação, Clínica e Organizacional e do Trabalho, entre outras. Este artigo visa a parabenizar a todos os profissionais dessa ciência tão fascinante. Finalizo o texto com uma citação muito oportuna de Freud: “a ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador tão eficaz como o são umas poucas palavras boas”.

E MAIS…

Código de Ética dos Psicólogos

Após a profissão ser regulamentada, surgiu o Código de Ética Profissional do psicólogo, uma diretiva de trabalho que define as responsabilidades e deveres na atuação profissional. Os princípios fundamentais dispostos nesse documento são:

I – O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

II – O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

III – O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural

IV – O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.

V – O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.

VI – O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.

VII – O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código (CFP, 2005, p.7).