Médico psiquiatra, neurocientista, terapeuta, ex-professor universitário, escritor e palestrante, Diogo Lara se auto afirma um aficionado pelo comportamento humano e suas emoções.
Desenvolveu um site de pesquisa chamado www.temperamento.com.br, no qual mais de 100 mil pessoas responderam, de forma anônima, cerca de 1000 perguntas variadas sobre comportamento. Possui artigos publicados e seu livro, ‘Imersão – um romance terapêutico’, lançado em 2018, aborda o tema da autoestima e apresenta o impacto das novas Técnicas de Processamento de Memórias em uma narrativa literária.
Nesta entrevista, ele fala sobre a Abordagem Integrada da Mente (AIM), inspirada na experiência somática do psicólogo e biofísico norte-americano Peter Levine, cujo método entende que o trauma não é causado pelo evento em si, mas que se desenvolve por uma incapacidade do corpo, da mente e do sistema nervoso de processar estes eventos estressantes. Segundo Lara, a técnica também possui elementos de BrainSpotting, descoberta pelo psicoterapeuta David Grand, e que atua nas áreas mais profundas e primitivas do sistema nervoso central.
O que é a Abordagem Integrada da Mente?
A Abordagem Integrada da Mente é uma terapia que possibilita um grande mergulho na história do paciente, com uma combinação de 18 escolas da Psicologia que influenciaram a técnica, principalmente as de processamento de memórias e de meditação não dual. O objetivo dela é resolver memórias traumáticas, marcas e registros emocionais de eventos de fases de vida, trazendo grande alívio aos sintomas e sofrimentos do presente que são reflexos, em grande parte, de acontecimentos do nosso passado. É uma espécie de cirurgia da mente para chegar nas questões mais profundas e ter uma resolução mais completa e profunda dessas questões.
Quais os traumas, tramas e dramas do passado que prejudicam o dia a dia da pessoa e são resolvidos com eficácia com esse tipo de terapia? É possível dar um exemplo de como a AIM funciona na prática?
Qualquer evento que causou sofrimento emocional pode ficar registrado no nosso organismo de maneira prejudicial. Seja no corpo, nas emoções, sentimentos, imagens, crenças que a gente desenvolve, sejam situações traumáticas, que são momentos pontuais de alto impacto e sofrimento, dramas, com fases de vida mais pesadas emocionalmente, e enredos com base em crenças que a gente assimilou dos pais e da cultura que vão nos amarrando. Como exemplos de traumas posso citar abuso emocional ou sexual, bullying, rompimento afetivo dos pais, saída de um dos pais de casa, clima hostil em casa, entre outros, são memórias que podem ser processadas na infância, assim como na adolescência, quando são muito frequentes as desilusões amorosas. Na vida adulta, de perda de emprego, lutos traumáticos a acidentes são conteúdos que podem ser processados e liberados. Com a AIM, abre-se um espaço para ficar mais integrado e se sentir mais pleno depois desses processamentos.
É possível dar um exemplo de como a técnica funciona?
Suponha que uma mulher foi abandonada pelo primeiro namorado e isso lhe causou uma dor emocional profunda. No segundo relacionamento, ela também foi abandonada. A partir dali, por exemplo, em qualquer novo relacionamento, ela espera ser abandonada de novo, o que traz ansiedade, insegurança, ciúmes, controle e isso pode ser o gerador de um novo rompimento afetivo. Ao processar esses abandonos, até de questões anteriores – caso a pessoa tenha tido rompimentos afetivos na infância com algum familiar – é possível cicatrizar as feridas que ainda estão abertas e o comportamento resultante deixa de acontecer.
Quais seriam as técnicas de processamento de memórias adotadas pela AIM?
A base dela é inspirada na experiência somática de Peter Levine, e inclui elementos de BrainSpotting, além de outras influências, como a meditação não dual, com elementos de narrativas para questões de tramas e toque corporal, pois o terapueta serve de um amparo seguro para que o paciente faça um mergulho na sua história e nas suas dores. São, ao todo, 18 influências importantes, que são utilizadas de acordo com as necessidades do paciente.
Como o sr. desenvolveu a AIM e quanto tempo demora o tratamento?
A AIM foi surgindo com as minhas experiências como terapeuta e como paciente. Estudei Eye Movement Dessensitization and Reprocessing (EMDR, sigla que significa Dessensibilização e Reprocessamento através do Movimento dos Olhos). Também estudei BrainSpotting e Experiência Somática. Eu já tinha um estudo de traumas ao longo da minha vida acadêmica e sempre estive pensando na melhor técnica para aquele paciente naquela consulta. Mas foi quando eu tive contato com a meditação não dual que eu senti a AIM nascer como uma linha diferente das outras técnicas, com alguns elementos que geravam mais profundidade, rapidez e amplitude, pois não só traumas, como dramas e malhas, que são questões sutis, são passíveis de processamento e liberação.
Como é a formação de AIM e a quem se destina?
A formação básica é um final de semana, complementada por um mês de supervisão por whatsapp, onde os aprendizes discutem casos comigo até eles ficarem seguros para aplicarem sozinhos. Estes dois dias são dedicados para questões de traumas e dramas e o segundo, mais avançado, é para tramas e malhas, com protocolos mais específicos para situações específicas. A AIM se destina a qualquer pessoa que cuida de pessoas. A maioria é composta por psicólogos, médicos, psiquiatras, terapeutas holísticos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais.
Em seu livro ‘Imersão’, o sr. utiliza técnicas narrativas para abordar a questão da autoestima. Como ela pode impactar a vida da pessoa nas diferentes esferas da vida? Por quê, em geral, as pessoas não percebem que sofrem de falta de autoestima e demoram tanto para cuidar dela?
A autoestima é central, é o modo como eu me concebo, como me coloco no mundo é o grande eixo da personalidade e diz respeito a como me relaciono comigo e de que maneira isso reflete nas pessoas. Há quem tenha a autoestima alta, se sentindo superior; tem quem a tenha baixa e se sente inferior, sem valor; há ainda quem tem a autoestima frágil e ancora seu valor na opinião alheia ou nos seus feitos e conquistas; e tem, ainda, a boa autoestima, que é a saudável. Percebi essas características no consultório e até em mim mesmo.
Quais são os principais sintomas e como superá-los?
Boa parte da nossa ansiedade vem da nossa autoestima frágil, que é uma insegurança básica de quem não está conectado profundamente consigo mesmo. A autoestima baixa leva à depressão, assim como a autoestima alta leva a problemas de personalidade e relacionamento e excessos comportamentais. Para superar isso, uma maneira é trabalhar os seis pilares da autoestima: a autoaceitação, automerecimento, a autoeficácia, o autorrespeito, autenticidade e autoempatia, que tem a ver com a pessoa poder se acolher quando erra ao invés de se culpar. Outra maneira de superar é pelo processamento das memórias que abalaram nossa autoestima em eventos e histórias que nos moldaram para termos autoestima frágil.
Como o sr. avalia as terapias convencionais?
A Psicanálise, por exemplo, traz elaborações teóricas sofisticadas, talvez até mais no campo filosófico, existencial e intelectual em relação à vida. Mas do ponto de vista terapêutico, para quadros de maior sofrimento emocional, são pouco eficazes e com péssimo custo benefício: além de cara e demorada, traz um benefício questionável. A Terapia Comportamental Cognitiva é mais breve e pontual, é melhor para questões de sofrimentos maiores, como depressão, pânico e ansiedade, são bem embasadas cientificamente, mas muitas pessoas melhoram e poucas pessoas ficam realmente curadas e bem. É comum ainda ficar algum resíduo dos problemas e precisam, de certa maneira, ficar exercitando-se para se manter bem. Não é uma cura de dentro pra fora, nem debaixo para cima. Nosso cérebro tem uma hierarquia e funciona de baixo para cima: questões de instintos e emoções são hierarquicamente mais importantes que as relacionadas aos pensamentos. Há outras terapias, humanistas, baseadas em emoções, mas várias delas são limitadas do ponto de vista de eficácia. As Terapias de Processamento de Memória deram um salto grande, como um todo, do ponto de vista de eficácia, rapidez e profundidade e entregam uma experiência transformadora para o paciente, uma vivência interna, corporal, dos sentimentos, de crenças, que vai num nível interno e profundo que a pessoa se sente transformada. Depois de resolvidas as questões trabalhadas, elas desaparecem e deixam de existir dentro da gente como problema.
Quais as suas expectativas com relação à área de saúde mental para os próximos anos?
As Terapias de Processamento de Memória vem ganhando espaço nos EUA, com muitos terapeutas atuando. A década que vem trará uma revolução dos psicodélicos, como a acetamina, que é um medicamento para depressão grave e que leva para um estado alterado de consciência, e que é curativa para quadros depressivos graves e refratários. Infelizmente, os psiquiatras não usam para tratar problemas psicológicos, só os biológicos. A psilocibina, que é a substância do cogumelo mágico, semelhante ao LSD, já tem vários estudos para uso contra a depressão e ansiedade, mostrando que uma sessão de seis horas com uma dose relativamente alta pode levar a uma melhora de até 70% dos sintomas depressivos e ansiosos após uma sessão. O MDMA, que é o ecstasy, também está vindo com estudos para estresse pós-traumático, com estudos ainda incipientes, mas que já são mais frequentes. No Brasil, se usa muito a ayahuasca, que tem histórias impactantes de cura e melhora, com algum risco para pessoas com quadro psicótico secundário, mas os estudos ainda estão começando. Essa será a década para se descobrir como usar bem essas novas medicações que alteram a consciência e dissolvem o ego para fazer curas profundas e mais resolutivas, e rápidas, para os quadros psiquiátricos. Também espero que as Terapias de Processamento de Memória ganhem espaço, assim como outras que possam surgir, como as terapias digitais ou ‘digiceuticos’ O aplicativo Cíngulo, do qual sou co-fundador, é uma terapia digital, um tratamento para questões emocionais e problemas psiquiátricos leves a moderados que pode ser feito digitalmente, com o celular e fone de ouvido de preferência e com resultados significativos.