A dica de hoje é a série “The Sopranos” (Família Soprano no Brasil), que foi exibida de 1999 a 2007. A trama gira em torno de Tony Soprano, interpretado por James Gandolfini, um chefe da máfia de Nova Jersey, Estados Unidos, que tenta equilibrar sua vida criminosa com suas responsabilidades familiares.

Talvez você não tenha interesse em séries desse estilo, mas o grande diferencial aqui é que o mafioso vai à terapia por causa de suas crescentes crises de ansiedade e ataques de pânico. Esses episódios o deixavam angustiado e incapaz de lidar com as pressões da vida tanto no crime organizado quanto em sua vida familiar.

Ele se sentia sobrecarregado por suas responsabilidades, conflitos internos e o peso das expectativas de sua família e da máfia. A terapia se torna um espaço em que Tony pode explorar suas emoções, seus traumas e a complexidade de sua identidade, permitindo a ele buscar um entendimento mais profundo de si mesmo apesar de inicialmente ser relutante em admitir suas vulnerabilidades.

Um dos temas centrais da série é a vida dupla de Tony lidando com a criminalidade enquanto se esforça para ser um bom pai e marido. Esse é um ponto crucial da narrativa, mostrando como suas escolhas pessoais e profissionais se entrelaçam. A saúde mental também é abordada de maneira aberta, especialmente nas sessões de terapia com a doutora Jennifer Melfi (Lorraine Bracco), que traz à tona questões de identidade, trauma e vulnerabilidade.

As dinâmicas familiares são exploradas de forma profunda, destacando o impacto das expectativas e traumas geracionais. A relação de Tony com sua mãe, Livia (Nancy Marchand), é particularmente complicada e serve como um ponto de conflito constante ao longo da série.

Ética e sigilo

Já deu para perceber que tem muito a ser abordado quanto a essa série, né? Mas o que não saiu dos meus pensamentos desde que a assisti foi a questão ética. Claro que podemos adentrar a reflexão sobre ética e moralidade, muitas vezes apresentando personagens que justificam atos violentos por meio de suas próprias narrativas, mas o que realmente nos interessa aqui é a ética e o sigilo da psicóloga.

No primeiro episódio, acompanhamos Tony sendo cauteloso com as palavras e os acontecimentos que relata em terapia, mas o que aconteceria se ele fosse 100% honesto em sessão? A doutora Jennifer Melfi, como psicóloga, teria diversas responsabilidades e obrigações éticas a seguir de acordo com os princípios do código de ética profissional. Primeiramente, a confidencialidade é fundamental; como psicólogos, devemos garantir que as informações compartilhadas em sessão permaneçam privadas, exceto em situações em que há risco iminente de dano a si ou a terceiros.

Além disso, deve haver um relacionamento profissional adequado com o paciente, evitando qualquer tipo de exploração ou manipulação, estabelecendo limites claros, evitando envolvimentos pessoais que possam comprometer sua objetividade. Outra responsabilidade importante é a de fornecer um tratamento baseado em evidências, o que inclui utilizar abordagens terapêuticas apropriadas para lidar com os problemas do paciente, como a ansiedade e a depressão no caso de Tony.

Confidencialidade

Se Tony Soprano confessasse sua vida criminosa à terapeuta, isso apresentaria uma série de desafios éticos e profissionais para ela. Como vimos, a confidencialidade é um dos pilares da terapia, e Melfi precisaria assegurar a Tony que suas informações seriam mantidas em sigilo.

No entanto, existem limitações para essa confidencialidade, especialmente se o paciente confessar intenções de causar dano a si mesmo ou a outros. Se Tony falasse sobre atividades criminosas que pudessem resultar em violência ou prejuízo a terceiros, Melfi teria que avaliar se a quebra de confidencialidade seria necessária.

Além disso, Melfi deveria fazer uma avaliação de risco, ou seja, ela teria que considerar o nível de perigo associado ao que Tony compartilha em sessão. Se suas revelações incluíssem planos ou intenções de cometer crimes violentos, isso a levaria a considerar a necessidade de relatar a situação às autoridades. A avaliação contínua do risco é crucial para proteger tanto Tony quanto potenciais vítimas.

Melfi também deveria orientar nosso protagonista sobre o comportamento, em vez de validar sua vida criminosa, incentivando-o a refletir sobre as implicações morais e emocionais de suas ações, explorando como a vida no crime afeta sua saúde mental, suas relações familiares e sua percepção de si mesmo. A manutenção de limites profissionais é outra consideração importante uma vez que a terapeuta precisa garantir que a posição de poder de Tony no mundo do crime não influencie sua abordagem terapêutica.

Supervisão

Diante de um caso tão complexo, Melfi poderia buscar supervisão ou consulta com colegas para discutir como proceder. Essa troca de experiências ajudaria a garantir que ela está agindo de maneira ética, além de permitir que explore diferentes abordagens terapêuticas para lidar com as questões apresentadas por Tony.

Por fim, a terapeuta deveria continuar a focar no tratamento das questões de saúde mental de Tony, ajudando-o a lidar com sua ansiedade, sua depressão e seus conflitos internos. A terapia deve ser um espaço em que ele pode explorar suas emoções e seus desafios independentemente do contexto criminal em que se encontra. Essas etapas são fundamentais para garantir que Melfi mantenha sua integridade profissional enquanto oferece apoio a um paciente tão complexo como Tony Soprano.

Quer saber mais sobre questões éticas na terapia? Recomendo a leitura do bom e velho Código de Ética Profissional do Psicólogo e do livro Valores nas terapias comportamentais: relação terapêutica, ética e política (Sinopsys Editora), que aborda de maneira exclusiva e aprofundada as várias questões éticas que preocupam tais profissionais – e para as quais nem sempre há respostas claras e facilmente acessíveis.