Como fica um ambiente onde a cobrança é alta, os prazos são curtos e metas precisam ser batidas, quando um detalhe externo vem piorar esse quadro? Em 2020, esse “detalhe” externo não foi pequeno. Foi uma pandemia, um vírus que se espalhou globalmente, trazendo insegurança, medo e levando o mundo todo a uma mudança radical de hábitos e costumes.

A principal dessas mudanças, para muitos, foi transformar o ambiente doméstico em local de trabalho. De um dia para o outro, a mesa de jantar virou uma mesa de escritório, com monitor, computador e todo o aparato trazido da empresa. Os mais sortudos, que podiam contar com um ambiente isolado dentro de casa para montar seu home office, logo descobriram a felicidade que fechar uma porta podia trazer. Já os que ficaram na mesa de jantar, tiveram que aprender a conviver com o trânsito normal da casa à sua volta, enquanto fazia reuniões. Em alguns casos, isso significou videochamadas invadidas por animais de estimação, crianças ou até o barulho de um aspirador de pó, quando não, de uma reforma no andar de cima. Gatos passando na frente da câmera ou crianças pedindo colo viraram clássicos desse período.

O custo para a saúde mental

Era fácil prever, logo de saída, que haveria um custo em saúde mental, a partir do momento em que passamos a nos isolar em casa. Segundo as estatísticas, mais de 3 bilhões de pessoas (quase metade do planeta), enfrentaram medidas como fechamento de escolas, comércio não essencial e distanciamento físico. Estudos mais avançados mostram que essas medidas foram absolutamente necessárias, para evitar um maior alcance do vírus, desde que sempre associadas com outras medidas, como uso de máscaras, alta testagem e rastreamento de casos. Ainda causa espanto o número de mortos na China, abaixo de 5 mil vítimas. Ou o Vietnã, que até maio tinha 35 óbitos, em uma população de 96 milhões de habitantes, países que seguiram essas orientações.

Portanto, para além de ideologias e ouvindo apenas a Ciência, foi feito o que era necessário, com o confinamento, com maior ou menor apoio das autoridades brasileiras, variando muito do âmbito estadual para o federal. Agora, passados mais de um ano desde que tudo começou, aparecem as primeiras pesquisas que dão conta do impacto na saúde mental. E são números para os quais é preciso prestar muita atenção.

Ainda em meio à pandemia, se falava que a sua quarta onda seriam os problemas de saúde mental, principalmente transtornos de ansiedade, depressão e estresse. Essa divisão em ondas foi uma proposta do pneumologista Victor Tseng e, como temos acompanhado, nem sempre existe uma sequencia respeitada, com ondas podendo acontecer ao mesmo tempo. No caso específico dessa quarta onda, talvez ela já tenha começado a agir junto com a primeira.

Insegurança agravada pela fakenews

Talvez a incerteza tenha sido o primeiro fator. A partir do momento do anúncio de um novo vírus surgindo na China, até os meses seguintes à declaração de pandemia, pela OMS, fomos mergulhados em informações por vezes contraditórias das próprias organizações de saúde, o que era natural, frente a um vírus desconhecido. O que adicionou um ingrediente perverso a esse caldeirão em ebulição foram as fakenews, em geral, ligadas a pautas ideológicas. Muitos deixaram de seguir a Ciência para seguir o WhatsApp. Além de aumentar a incerteza, o medo também era estimulado nesse cenário. E nem era preciso desses fatores adicionais para o agravamento da saúde mental da população. Do ponto de vista pandêmico, as últimas gerações humanas são privilegiadas. As anteriores tiveram que conviver com várias pandemias, era algo corriqueiro. Mas não para nós. Mesmo nossos avós tinham uma lembrança distante da Gripe Espanhola, última grande pandemia, de 1918. Era natural que a chegada de uma nova, causada por um vírus desconhecido, gerasse medo, ainda mais aliado a uma crise econômica inevitável.

Medo, insegurança, falta de informações. A esses fatores, vêm se somar as questões de trabalho de cada empresa, especialmente a forma como cada uma lidou com a adoção do home office. Para algumas pessoas, que já tinham uma experiência anterior, a adoção do modelo foi mais tranquila. Para quem nunca havia sequer cogitado, tudo foi mais difícil. Um dos fatores de maior conflito, responsáveis por gerar uma grande pressão sobre colaboradores, foi a desconfiança de gestores. Muitos tinham preconceito com o modelo e não acreditavam que a produtividade se manteria nos patamares anteriores. De forma geral, para surpresa desses, a produtividade aumentou.

Flexibilidade é a palavra de ordem

A pandemia deixa essa lição, entre outras: a necessidade das empresas serem capazes de uma adaptação rápida frente a cenários inesperados, podendo atuar com flexibilidade. Isso, para manter o funcionamento da empresa, claro, mas talvez, mais importante, para garantir a saúde mental de funcionários, colaboradores e também gestores. Em 2020, tivemos um recorde de concessões de auxílio-doença e aposentadorias por invalidez devido a transtornos mentais e comportamentais. Algumas projeções indicam que podem faltar psicólogos e psiquiatras, a médio prazo, em todo o mundo, inclusive em países mais desenvolvidos. Se as empresas não passarem a ter uma atenção maior com a saúde mental de seus colaboradores, as perdas econômicas e de pessoal podem ser enormes.

Não tem sido um período fácil, como sabe quem passou por reuniões seguidas por Zoom, avançando no horário noturno, muitas vezes com uma conexão deficiente, com delay, travamentos e aquele colega que sempre esquece o microfone fechado, e mais gatos passando em frente à câmera, crianças pedindo colo, a postura agressiva de seu gerente, sendo que na hora de relaxar era bombardeado por notícias de um cenário de guerra, muitas mortes, incompetência do poder público, fakenews lotando as conversas virtuais e as disputas ideológicas deixando o casos ainda pior. Quem depois de tudo issso, chegou bem até aqui, com sua saúde física e também mental intacta está de parabéns.

E MAIS

A fadiga do Zoom gerada pela pandemia

Com essa nova realidade, plataformas como o Zoom se transformaram em uma das principais ferramentas de trabalho, sendo usadas também para reuniões com amigos e até para festas de aniversário. Não demorou para aparecer um distúrbio associado, a Zoom Fatigue, que é caracterizada por dor de cabeça, nos olhos, sonolência, cansaço e insônia, além de dores musculares nas costas, braços, pernas e músculos da face. Acho que a essa altura, todo mundo já experimentou um pouco de Zoom fatigue, com o excesso de reuniões do último ano.